Suspensão de novos registos não afasta alojamento local dos bairros históricos de Lisboa. Proprietários fogem para Arroios e Graça

Primeiro, houve uma corrida para legalizar alojamentos nas zonas que seriam suspensas. Desde que a medida entrou em vigor, os alojamentos foram registados noutras zonas de alta pressão turística.

A Câmara Municipal de Lisboa (CML) decidiu, em outubro, suspender a autorização de novos registos de alojamento local em cinco bairros históricos da cidade com o objetivo de proteger a habitação existente nessas zonas e incentivar a dispersão do turismo para áreas menos pressionadas. Para já, a medida não está a surtir efeito. Não só houve uma corrida aos registos para legalizar alojamentos dentro destes bairros antes da entrada em vigor da suspensão, como, desde que esta medida entrou em vigor, quase todos os novos alojamentos locais foram registados nas zonas que, por também serem alvo uma pressão turística elevada, já estão a ser monitorizadas pela autarquia. A maioria foi para a Graça e para Arroios.

A suspensão de novos registos está em vigor desde o dia 12 de novembro e aplica-se a cinco bairros históricos de Lisboa: Castelo, Alfama, Mouraria, Bairro Alto e Madragoa, abrangendo partes das freguesias de São Vicente, Santa Maria Maior, Misericórdia, Santo António e Estrela. As áreas de suspensão foram delimitadas pela CML, como se vê nos mapas em baixo:

Estes foram os bairros identificados pela Câmara onde o rácio entre o número total de estabelecimentos de alojamento local e o número total de alojamentos familiares clássicos é superior a 25% — ou seja, nestes cinco bairros históricos, mais de um quarto das casas disponíveis está a ser usada para alojar turistas.

Na verdade, quando a CML decidiu avançar com limites ao alojamento local, já estes rácios eram muito mais elevados nas zonas em causa. Cálculos feitos com base em dados disponibilizados pela Câmara e pelo Registo Nacional de Turismo (RNT) mostram que mais de 41% dos alojamentos familiares clássicos existentes na freguesia de Santa Maria Maior estão, atualmente, a ser usados como alojamento local — ao todo, há mais de 4.450 alojamentos locais para um total 10.729 casas nesta freguesia. Já na freguesia da Misericórdia, com mais de 3.600 alojamentos locais num universo total de 10.500 casas, o rácio é superior a 34%.

Com esta suspensão, os objetivos seriam, de acordo com a deliberação da CML que foi aprovada em novembro, “defender o stock de habitação permanente”, “limitar a instalação de novos estabelecimentos turísticos nos bairros onde a sua presença já tem um peso excessivo em relação à residência total disponível” e “melhorar a atratividade de novos polos de atração turística na cidade fora do centro histórico e da zona monumental de Belém”.

Mas não é isso que está a acontecer. Primeiro, nas semanas que antecederam a entrada em vigor da suspensão, foram registadas dezenas de novos alojamentos nas duas áreas onde isso deixou agora de ser permitido. Desde que a Câmara anunciou que iria avançar com a suspensão, a 25 e outubro, até à entrada em vigor desta medida, a 12 de novembro, a autarquia deu luz verde a 352 dos pedidos de registo que deram entrada, de acordo com os dados disponíveis na plataforma do RNT. Destes, 158 estão dentro das duas áreas onde as autorizações de novos registos estão agora suspensas.

Depois da entrada em vigor da suspensão, os proprietários de alojamento local pouco se afastaram das zonas proibidas. Para além das duas áreas de suspensão, a Câmara identificou cinco áreas turísticas “onde se verifica a existência de fortes fatores de pressão ao uso habitacional” e que, por isso, estarão sob monitorização mais apertada, podendo vir a ser decidida a suspensão de novos registos de alojamento local nestas zonas. Baixa, Avenida da Liberdade, Avenida da República, Avenida Almirante Reis, Graça, Colina de Santana, Ajuda, Lapa e Estrela são as zonas em causa.

E foi precisamente nestas áreas que foi registada a maioria dos novos alojamentos locais desde que a suspensão entrou em vigor nos cinco bairros históricos. Ao todo, desde que a suspensão entrou em vigor, e até à data, a Câmara aceitou 99 dos pedidos de registos que foram feitos. Destes, mais de metade foi registada numa das áreas sob monitorização. A maioria foi para a Graça e para Arroios.

Nas zonas para onde a Câmara queria dispersar o turismo (Praça de Espanha, Gulbenkian, Campo Grande, Paço do Lumiar e zona da Feira Popular na Pontinha), não foi registado qualquer novo alojamento local neste período.

A cidade de Lisboa ganhou, assim, mais de 450 novos alojamentos locais no espaço de pouco mais de um mês. Entre os alojamentos registados antes da suspensão e os que foram autorizados após a suspensão, o resultado pode ser visto neste mapa:

Alojamentos locais continuam a ser registados nas áreas de suspensão

A medida de contenção imposta pela Câmara já está a funcionar, mas a ordem foi ignorada por vários proprietários, que, mesmo após a entrada em vigor da suspensão, continuaram a pedir para registar alojamentos dentro das áreas onde já não podem ser autorizadas novas unidades. Alguns foram bem-sucedidos.

Os dados disponíveis na plataforma do RNT mostram que, já depois da entrada em vigor da suspensão, foram autorizados os registos de 16 alojamentos dentro de ambas as áreas de suspensão.

Questionada, a Câmara de Lisboa justifica o sucedido, mas não responde se estas duas licenças serão revogadas. “O software da base de dados gerida pelo Turismo de Portugal trata os pedidos de registo de alojamento local de todo o país. Tem, por isso, de ser adaptado de modo a poder tratar o caso específico do Município de Lisboa, o único no país a ter já definidas zonas de contenção de alojamento local no seu território. É esse processo técnico que Câmara de Lisboa e Governo estão, neste momento, a tratar”, explica ao ECO fonte oficial da CML.

E acrescenta: “Assim, e enquanto o referido processo ainda não estiver concluído, quando entram novos registos de alojamento local para as zonas interditas na referida base de dados, a CML consegue, manualmente, georreferenciá-los, tendo depois um período legal para se opor, e atuará em conformidade, recusando-os. Aliás, nos primeiros dias, foram já recusados 27 registos de alojamento local que entraram para zonas interditas“.

Notícia atualizada às 10h50 com os registos de alojamentos locais datados de 10 de dezembro de 2018.

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