A inovação nas empresas

A inovação não dependerá apenas dos empreendedores. Dependerá também dos financiadores. Nas pequenas e nas grandes empresas, cada qual ao seu jeito, mas com algum método.

O excelente artigo que o senhor chefe de missão da Embaixada de Israel em Lisboa aqui publicou (“Construindo pontes através da inovação: Israel e Portugal”) leva-me a regressar à qualidade da gestão em Portugal. Faço-o sob o prisma da inovação e começo com a despesa em investigação e desenvolvimento em Portugal, na qual continuamos aquém dos demais. Ora, em Portugal, a despesa com investigação e desenvolvimento corresponde a 1,3% do PIB, na União Europeia é de 1,9% e em Israel supera os 4% do PIB.

É importante destacar que, não obstante o ponto de partida, a evolução portuguesa tem sido positiva. Desde 2012 que a despesa em investigação e desenvolvimento realizada pelo sector privado é superior à do sector público – o que favorece a inovação aplicada e o seu enfoque empresarial – e nos anos mais recentes o investimento em inovação tem até suplantando o crescimento nominal do PIB. É bom, portanto. Mas podemos fazer melhor, bem melhor, se em Portugal se generalizar uma cultura de gestão da inovação nas empresas.

Antes de mais, é importante clarificar conceitos e afirmar que inovar não é o mesmo que inventar (no sentido de criar uma invenção técnica ou tecnológica). Inovar é levar ao mercado um produto ou um serviço, novo ou renovado, através de um plano de negócios sustentado. Ou seja, inovar é criar valor e, ao mesmo tempo, captar (parte do) valor que se está a criar. A inovação pode ser incremental ou disruptiva, ou ainda, como afirma Peter Thiel em “Zero to One”, a inovação pode também ser horizontal (de 1 para n) ou vertical (de 0 para 1).

Quais são então os desafios em Portugal?

  1. Em primeiro lugar, o (pouco) investimento que se faz continua a ser feito sobretudo em activos fixos tangíveis. O registo de direitos de propriedade intelectual em Portugal continua a ser parco. Na economia do conhecimento, e num mundo em avançada transição para uma profunda transformação digital, esta realidade constitui um fortíssimo ónus.
  2. Em segundo lugar, nos casos em que há inovação, a inovação é mais de produto do que de processo. Na verdade, falta gestão da inovação nas empresas portuguesas.

Sem gestão da inovação, a probabilidade de se inventar (em vez de se inovar) aumenta. Pode até correr bem durante algum tempo e levar a que ocasionalmente saia algum coelho da cartola, mas de um modo geral andar-se-á ao sabor da sorte (ou do azar). Qual é então o primeiro passo a dar? Em teoria, o primeiro passo seria pensar numa tese de inovação que balizasse a execução da mesma. É aqui que começam os desafios; a maioria dos nossos empresários não tem tempo para teorizar. A reduzida dimensão e baixa rentabilidade não permitem tais luxos.

Não há balas de prata. Quem está em segmentos de baixo valor acrescentado, como é habitualmente o caso das empresas portuguesas, procurando sobreviver na luta do dia-a-dia, não tem tempo a perder. O luxo de poder parar para pensar numa tese de inovação não é, pois, frequente. Mas quem não tem cão caça com gato e a verdade é que boa parte da inovação começa com o contacto junto aos clientes, observando as experiências e os hábitos dos clientes. É aqui que está a oportunidade de inovação mais comum para as empresas portuguesas.

O consumidor português é aberto à inovação. O nosso país tem sido ao longo das últimas décadas um caso de estudo em muitas áreas de adopção tecnológica e um espaço de teste para muitas empresas. Há que tirar partido disso mesmo. Evidentemente, tudo isto é mais fácil dito do que feito. É preciso saber o que se quer fazer, mas é sobretudo preciso saber como o fazer. Para além disso, como não se fazem ovos sem omeletas, é também preciso ter financiamento e recursos adequados para tirar partido das oportunidades.

Nos próximos anos, a digitalização da economia far-se-á sentir em todos os sectores da economia: agricultura, indústria e serviços. A automatização e a robótica, as tecnologias de sensores e a internet das coisas, a biotecnologia, a nanotecnologia, a inteligência artificial, a impressão 3D, a cloud, a 5G, as “apps”, a cibernética, o big data, os novos materiais avançados, o comércio electrónico, entre tantos outros, levarão (e já estão a levar) a mudanças enormes na forma como se produzem e se distribuem as coisas em toda a parte do mundo.

A inovação não dependerá apenas dos empreendedores. Dependerá também dos financiadores; bancos, fundos de capital de risco, e afins terão, eles próprios, de ajustar os seus processos. Financiar uma “start-up” ou activos intangíveis não é o mesmo que financiar uma empresa já instalada ou maquinaria física. A análise de risco não será a mesma. E o financiamento, através de capital ou de dívida, também se processará de modo distinto; tenderá a assumir prazos mais curtos, privilegiando a consignação de fluxos, e estará associado a “milestones”.

O investimento em propriedade intelectual será cada vez mais relevante, na medida em que, em muitas ocasiões, constituirá o colateral adequado para operações de financiamento. O registo de propriedade intelectual não se resume a patentes; incide também sobre marcas, “designs” e outros direitos comerciais. É facto que existe hoje uma corrente de opinião advogando a redução dos tempos máximos de protecção da propriedade intelectual, mas dificilmente existirá investimento em intangíveis sem salvaguarda da propriedade dos mesmos.

As pequenas empresas, pela sua dimensão e exiguidade de recursos, têm a vida mais dificultada. Porém, não se pense que para as empresas de maior dimensão são mares de rosas. Pelo contrário, as grandes empresas, frequentemente grandes burocracias, não fazem muito melhor. Nas pequenas, médias ou grandes empresas, com mais ou menos dinheiro, com mais ou menos tempo, o futuro estará na gestão da inovação. Como se escreve em “The Corporate Startup”, a inovação estará no tripé “criar-testar-escalar”. Cada qual ao seu jeito, mas com algum método.

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