Brexit: a tentação de uma suspensão do artigo 50 (e May fica)

Há um crescente alarme ou angústia, tanto em Londres como em Bruxelas, com a aproximação da fatídica data de 29 de março. Esse alarme pode conduzir à hipótese de um novo adiamento.

Embora o Brexit já seja um tema fatigante, estamos a dois dias da votação do Parlamento britânico e é inevitável tentar perceber o que vai acontecer.

O que é possível dizer, sem fazer apostas que são atrevidas num mundo imprevisível e num tema cada vez mais retorcido, é que a senhora May terá grande dificuldade em ter o seu acordo aprovado.

Aparentemente, só na última semana a primeira-ministra fez esforços mais dedicados para conseguir votos de deputados trabalhistas — o único caminho que a poderia libertar do cutelo dos conservadores dissidentes e dos unionistas da Irlanda do Norte. Não só não terá conseguido aliados novos como sofreu revezes processuais que são reveladores.

Parece haver um único consenso em Westminster: uma maioria é contra um Brexit sem acordo e fará alguma coisa para o impedir. Não há maioria para mais nada de momento — nem para o acordo (o desígnio de May) nem para eleições antecipadas (o desígnio de Corbyn).

Mas há um crescente alarme ou angústia, tanto em Londres como em Bruxelas, com a aproximação da fatídica data de 29 de março. Esse alarme pode conduzir a algo de que já vos falei: a hipótese de um novo adiamento. Na verdade pode ser preciso mais tempo e, portanto, o artigo 50, que é aquele que determina a saída do Reino Unido da União Europeia, poderia ficar suspenso por umas semanas ou meses. Isso alivia a pressão mas cria inúmeras dificuldades. A mais fácil de explicar implica uma pergunta: os ingleses poderiam votar nas eleições europeias de maio? À partida não votariam porque se iam embora…

A outra maneira de ver a questão é saber o que faz a senhora May se perder a votação, como é possível que aconteça. Fica ou demite-se? Olhando para o percurso dela — parece algo agarrada à cadeira e ao seu dever como se tivesse cola… — não me parece que a senhora May saia se perder; vejo-a mais facilmente a invocar a suspensão do artigo 50 para ganhar tempo, manter o posto e prolongar a negociação; ou então colocara o Parlamento perante as consequências da sua indecisão: o Brexit sem acordo.

Saiu entretanto um estudo muito interessante da EY, que avalia, em matérias de serviços financeiros, o estado da arte na evolução do Brexit. É um mistério — ou talvez não… — a omissão do acordo apresentado pela senhora May quanto ao futuro dos serviços (em princípio ficam fora da União Aduaneira) e do setor financeiro em especial (sem ‘passaporte’ para manter os vínculos ou homologações com o BCE).

Curiosamente, os ingleses têm conseguido limitar os danos. O que a EY prevê é uma deslocalização de sete mil postos de trabalho de Londres para o continente, o que representa apenas 2% dos trabalhadores do setor financeiro. E quanto aos ativos as perdas não excederiam os 10%.

Ou seja, a praça de Londres continuaria a ser a primeira da Europa e os danos seriam menores (pelo menos no curto e médio prazo) do que o estimado. Outra explicação possível é que os mercados e as instituições, no fundo, não acreditam num Brexit sem acordo. Tese mais cínica mas interessante sobre a resiliência do setor financeiro na capital inglesa: há quem diga que quem tem estabelecimento em Londres é quem não quer ter estabelecimento em Nova Iorque, onde a regulação é mais dura e as infrações têm consequências mais severas…

Alemanha: o grande aviso à navegação

As declarações do ministro alemão das Finanças — a voz do motor económico da Europa — esta semana são muito relevantes.

Olaf Scholz é o representante máximo do Partido Socialista alemão (o SPD) na coligação. É por isso mesmo vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças.

Esta semana, Scholz afirmou que os anos das vacas gordas acabaram na Alemanha. E especificou que o seu país não deverá ter mais excedentes a partir do próximo ano; declarou-se, por isso, contra qualquer redução de impostos, nomeadamente do imposto de solidariedade que os alemães ainda pagam para a financiar a reunificação; e também se declarou contra o aumento do investimento público. Assim com esta meridiana clareza… Estão a chegar dias mais difíceis no coração económico da Europa. A economia alemã está a arrefecer significativamente, o crescimento do terceiro trimestre foi negativo (-0,2%); e o Governo sabe — como Scholz também sabe — que o seu país é, na Europa, o que mais sofre o impacto, por um lado, das alterações das metas quanto a emissões de carbono na indústria automóvel (não está a conseguir cumprir) e, por outro lado, é também a economia mais lesada pela onda protecionista que esta a causar, progressivamente, uma crise de confiança.

A Alemanha é uma grande economia exportadora. Obviamente, o risco de uma crise comercial atinge o país mais do que outros Estados e economias. A Alemanha quer evitar o regresso as sanções dos EUA contra os automóveis europeus e já está a pagar uma fatura dolorosa quando exporta para a China e para os Estados Unidos.

Ora, a Alemanha é demasiado importante na Europa para fazermos de conta que não ouvimos nem percebemos. Obviamente o abrandamento sério do crescimento do PIB alemão tem impactos e efeitos nas economias que estão muito interligadas — como é o caso de Portugal que precisa bastante do investimento alemão e exporta muito para lá.

Tenho dito muitas vezes que, em 2019, uma boa dose de realismo devia substituir algum excesso de otimismo nos discursos e práticas oficiais (basta recordar o tom do Governo nesta semana de anúncios de infraestruturas…). O ministro alemão só veio confirmar que Portugal perceberá em 2019 que já houve conjunturas melhores…

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