É a microeconomia, estúpidos!

As novas leis do arrendamento preocupam-se muito com quem já está no mercado; preocupam-se tanto que lhes concedem imensos direitos, criando barreiras aos que querem entrar.

É costume dizer-se que não há duas sem três. E não é que eu estivesse particularmente interessada em respeitar este preceito da sabedoria popular, mas a legislação que a Assembleia da República produziu para o arrendamento obriga-me a que a dois artigos sobre habitação suceda um terceiro sobre o mesmo tema.

Há umas semanas, escrevia sobre a estranha alteração que se fez ao Código do IRS em matéria de fiscalidade aplicável ao arrendamento. Para quem não sabe do que falo, relembro. Na última sessão plenária de 2018, os nossos deputados aprovaram reduções da taxa autónoma em função da duração dos contratos; só que essa duração foi definida em intervalos e as renovações de contrato dão direito a desconto adicional. O que é pouco inteligente quando se estabelece o objectivo de arrendamentos duradouros. Porque, logicamente, nenhum senhorio vai querer, por exemplo, pagar 26% de IRS durante quatro anos se pode pagar 26% nos dois primeiros e 24% nos dois seguintes.

Isto é bastante óbvio. Mas parece que só no final deste ano é que se vai avaliar os resultados da Lei 3/2019. Estou curiosa em saber se será uma análise baseada em indicadores, em informação estatística, isenta de confusões entre correlação e causalidade, ou se, pelo contrário, vai seguir o habitual “achismo” dos preâmbulos. Esperemos onze meses.

Esse 21 de Dezembro foi um dia de inspiração em São Bento. É que também foi votada favoravelmente a Proposta de Lei 129, que diz ter o propósito de equilibrar a relação entre senhorios e inquilinos, de conferir segurança e estabilidade ao arrendamento e de proteger os arrendatários mais frágeis. Entre as medidas adoptadas, saliente-se que os contratos de arrendamento passam a ter um prazo mínimo de um ano. Sendo que a eventual oposição do senhorio à renovação do contrato só produz efeitos após três anos (mais valia dizerem logo que esta é, para os senhorios, a duração mínima). Mas se o inquilino for idoso ou tiver um grau de incapacidade de, pelo menos, 60% e viver no mesmo imóvel há 15 anos, aí não há oposição, senão para a realização de obras profundas.

Vai o senhorio querer renovar o contrato ao seu inquilino que ali mora há 15 anos e que vai atingir uma provecta idade? Se calhar, não vai… E, se calhar, também não vai querer arrendar a uma jovem família, porque sabe lá ele que alterações legislativas, com efeitos retroactivos, irão ocorrer durante os três anos em que o contrato não pode ser denunciado. Ou na sua própria vida. É que, se o senhorio precisar da casa para si ou para os seus descendentes em 1º grau (esqueçam lá os pais dele ou os netos), o Código Civil permite-lhe que termine o contrato. Mas só se for proprietário do imóvel há pelo menos dois anos. E se não tiver, há mais de um ano, imóvel no concelho. E se avisar o inquilino com uma antecedência de seis meses. E tem de pagar a este um ano de rendas. E depois ficar a residir no imóvel um mínimo de dois anos (é melhor colocar esta informação no Tinder, para eventuais pretendentes já saberem que viver juntos só ali).

É uma relação muito desequilibrada, de facto. Aliás, é até por isso que há tantas casas que estão desocupadas, é porque colocá-las no mercado de arrendamento é altamente vantajoso e está cheio de privilégios. Microeconomia elementar, novamente.

Mas nem é necessária intuição económica, basta um bocadinho de memória: porque nós já estivemos aqui. O Presidente da República referiu-o, na nota que acompanhou a promulgação do diploma. Diz Marcelo Rebelo de Sousa que estas medidas “podem vir a provocar, como se viu no passado, um maior constrangimento no mercado do arrendamento para habitação, frustrando afinal os interesses de futuros inquilinos, bem como de potenciais senhorios”.

Só que os futuros inquilinos não contam. É o problema destas medidas e de outras que tais: preocupam-se muito com quem já está no mercado; preocupam-se tanto que lhes concedem imensos direitos, criando barreiras à entrada. O que elimina uma das condições essenciais para que o funcionamento do mercado conduza a uma solução socialmente óptima. Basicamente, introduz-se uma falha de mercado e depois diz-se que o mercado falha. Expectável.

Nota: A autora escreve segundo a ortografia anterior ao acordo de 1990.

Disclaimer: As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente a sua autora.

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