O caminho da morte do PSD

Rio é um homem refém da personalidade que se perdeu num labirinto. O PSD está abúlico, sem energia, não encanta e os portugueses não lhe ligam nenhuma.

Naquele amanhecer do ano 44 antes de Cristo, Calpúrnia acordou a chorar. Ela sonhara que o marido, atacado à punhalada, agonizava nos seus braços. Contou-lhe o sonho e, chorando, suplicou-lhe que ficasse em casa, porque lá fora o cemitério esperava por ele. Mas o pontífice máximo, o ditador vitalício, o divino guerreiro, o deus invicto, não podia fazer caso do sonho de uma mulher. Júlio César afastou-a com um empurrão, e em direcção ao Senado de Roma percorreu o caminho da sua morte. Esta descrição dos Idos de Março, são do genial escritor uruguaio, Eduardo Galeano, num conto intitulado, “Vozes da noite”, no seu livro “Mulheres” (edição Antígona). Tenho a certeza que Rui Rio não o conhece porque trilhou o seu percurso na contabilidade e Excel e despreza a cultura. Já não sei se a sua mulher alguma vez o avisou do que iria enfrentar quando decidiu atravessar uma ponte no Douro para vir comandar um partido para a Corte.

Ora, a vida política está repleta de golpadas, canalhices, vingança, inveja, lutas pelo poder, zaragatas e egos demoníacos. Se não sabia disso, o que duvido, que folheasse qualquer tragédia de Shakespeare, o homem que melhor compreendeu a natureza humana, e a política navega ao sabor do pior dela. É uma arte bela, necessária para melhorar a vida das pessoas, porém, há muito que se atrofiaram os seus princípios e os seus valores, tornando-se, na maior parte das vezes, um mero combate de vaidades onde as ideias que se vêem por um canudo já não existem e pouco há de novo para dizer.

Rui Rio tem sido uma desgraça enquanto líder. Tem falhado na forma de fazer oposição, o conteúdo tem sido um vazio e nunca nenhuma bandeira surgiu vigorosa do lado dos sociais-democratas. Além do mais, o líder continua com uma firme ideia de si próprio, apesar das sondagens minguarem todas as semanas o que lançou o pânico numa série de gente com medo de uma derrota épica nas urnas e que não lhes permitirá renovar o lugarzinho em São Bento. E, isso, sem politicamente correctos, é o verdadeiro cerne da questão. União e pacificação nunca moraram pelas bandas da São Caetano, não está nas vísceras do partido, que só viveu a paz à sombra de líderes fortes e que lhe trouxeram o poder.

Daí surge o desafiante Luís Montenegro, com experiência parlamentar, com traquejo mediático, bem intencionado, mas que tem tanta capacidade de galvanizar o País como eu percebo de esquentadores. Como diria o boneco “Waldo”, de um episódio da fabulosa série “Black Mirror”, «uma atitude velha com um cabelo novo». E uma nova geração que tem Pedro Duarte, Miguel Morgado, Jorge Moreira da Silva, Miguel Pinto Luz, Carlos Moedas, aguarda pelo deflagrar de mais um banho de sangue que não reforça o PSD e só dá tranquilidade ao PS que vê António Costa sorrir com mais uma guerra do alecrim e da manjerona ali ao lado em ano eleitoral.

Este PSD de Rio nunca foi verdadeiramente alternativa. Nunca se solidificou em termos de políticas e rostos, e desde que encetou o seu trajecto viu aqueles que escolheu serem envoltos numa série de casos e polémicas que não lhes possibilitou ganharem asas. O que é feito de Elina Marlene, por exemplo? Um molho de bróculos, uma arca de problemas que teve como cereja no topo do bolo o episódio ridículo no Parlamento do omnipresente José Silvano, secretário-geral do partido. Com este estado da arte, a própria imagem do «homem que nunca perdeu uma eleição», como apregoou nas últimas directas, se degradou. Rio, já todos perceberam, é esdrúxulo. Não é enigmático, apenas um homem refém da personalidade que se perdeu num labirinto sobre o qual não tem qualquer controlo. O partido está abúlico, sem energia, não encanta e os portugueses não lhe ligam nenhuma. Rio não passará de um triste rodapé que contará o caminho das pedras que irão levar à morte do PSD.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

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