You don’t know what you don’t know

  • Ana Maria Maia Gonçalves
  • 22 Dezembro 2021

A mediação e a presença de um terceiro neutro na mesa das negociações pode ajudar a superar barreiras e a conseguir o estabelecimento de uma comunicação efetiva entre as partes.

Em Janeiro de 2010, no âmbito da conferência “Os Benefícios da Mediação Comercial nas Empresas Portuguesas”, organizada na Universidade Católica Portuguesa de Lisboa e a cuja comissão organizadora tive a honra de pertencer, a intervenção de um dos prelectores fez nascer nos presentes a crença de que “Eu não sei o que eu não sei. Dava-nos conta o orador que o jornal Le Monde publicava uma notícia sobre um litígio entre uma empresa distribuidora e exportadora que acabou por ter um final desastroso para ambas. Os advogados de cada parte, por diversas vezes, tentaram alcançar um acordo e a cada tentativa as suas constituintes acreditavam que a razão estaria do seu lado e não cediam. Várias reuniões tiveram lugar entre representantes da empresa exportadora e da empresa distribuidora (estrangeira) com os seus respectivos mandatários, não tendo sido possível encontrar uma solução negociada. No final, o caminho escolhido acabou por remeter as partes para um longo périplo judicial em que nenhuma das empresas verdadeiramente ganhou. Os resultados obtidos pela empresa exportadora não superaram os custos dos processos judiciais que duraram anos e a imagem de marca do distribuidor não superou os prejuízos das batalhas judiciais que se travaram. Acresceu o desgaste emocional de todos os envolvidos. Se negociar faz parte do modus operandi das empresas e dos advogados, então o que faltou neste litígio para que os processos negociais fossem bem sucedidos e o périplo judicial tivesse sido evitado?

Provavelmente a presença de um terceiro imparcial que não representasse nenhum dos lados do conflito. Mesmo os melhores negociadores sabem que a assistência de um terceiro neutro pode ser fundamental para fazer avançar as negociações e permitir alcançar um acordo. As negociações podem ficar bloqueadas devido à presença de diferentes expectativas de cada parte e das suas emoções, ou porque a comunicação gera frequentemente mal-entendidos. Acresce que os advogados podem sentir-se inibidos de indicar ao cliente que a negociação pode ser uma via preferível aos tribunais, receando que tal possa ser percebido como um sinal de que perderiam uma eventual ação judicial.

Por tudo isto, a mediação e a presença de um terceiro neutro na mesa das negociações pode ajudar a superar barreiras e a conseguir o estabelecimento de uma comunicação efetiva entre as partes, assim como a gerar opções criativas que facilitem a obtenção de um acordo.
Como nos dá conta António Júdice Moreira, senior professional support lawyer na área de Resolução de Litígios da PLMJ, “resolver disputas por meio da mediação é parte integrante do mundo atual nos escritórios de advogados. Os nossos clientes não querem litígios complexos, longos e caros. Eles querem soluções”.

A mediação constitui, assim, uma via com benefícios ímpares e de interesse para a profissão de advogado, pois não só pode melhorar sua a imagem junto da opinião pública, como promove uma saludar relação entre o advogado e o cliente.

Os advogados são genericamente treinados nas faculdades de direito para litigar. Assim, será necessário investir logo na base da sua formação graduada, para que possam explorar se a disputa é realmente um sintoma de um problema mais profundo e, em função disso, aconselhar os seus clientes sobre o método correto a utilizar.

Esta necessidade torna-se tão mais relevante quando um olhar atento para as estatísticas em Portugal revela-nos alguns dados interessantes.

Dos 278.482 processos civis findos em 2019, terminaram por sentença 75,6%, o que denota que será reduzido o número de transações das partes e, consequentemente, sai derrotada a ideia de que os atores judiciais promovem afincadamente a tentativa de acordo ou, se o fazem, algo impede que as partes consigam transigir em sede judicial.

Este cenário deveria ser suficiente para fazer pensar que outros caminhos podem ser mais eficazes na hora de resolver um conflito. Se é eficácia que o advogado persegue, então certamente o tribunal não é a via que deve sugerir aos seus clientes, tanto mais que não pode garantir uma vitória no final da ação judicial.

Terminando como comecei, “Eu não sei o que eu não sei”, e se não tentar resolver o conflito por mediação um advogado continuará a não saber o que esta via lhe trará em termos de resolução do conflito dos seus clientes quanto à eficácia e grau de satisfação dos seus constituintes.

Dados disponíveis aqui.

  • Ana Maria Maia Gonçalves
  • Mediadora do Global Mediation Panel da United Nations Funds and Programme e coordenadora da Pós-Graduação em Negociação, Mediação e Resolução de Conflitos da Escola do Porto da Faculdade de Direito da Universidade Católica

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

You don’t know what you don’t know

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião