“Explicar aos advogados o que é jornalismo pode ser complicado”

A relação entre os media e os players da advocacia portuguesa esteve hoje em debate, no escritório da PLMJ de Lisboa, organizado pela rede de profissionais Legal Management Network – Portugal (LMN).

A relação entre os media e os players da advocacia portuguesa esteve hoje em debate, no escritório da PLMJ de Lisboa, organizado pela rede de profissionais Legal Management Network – Portugal (LMN).

A questão “Deve o setor da Advocacia, no século XXI, preocupar-se em gerir a sua relação com os media?” serviu de mote para um debate que contou com a presença de Francisco Proença de Carvalho (sócio da Uría Menéndez – Proença de Carvalho), Bruno Proença (diretor de comunicação do Banco de Portugal e ex-diretor executivo do Diário Económico), Joaquim Vicêncio (senior advisor da ATREVIA Portugal), Filipa Ambrósio de Sousa (jornalista e atual editora da Advocatus), Filipe Alves (diretor do “O Jornal Económico”) e João Maltez (subeditor de economia do “Jornal de Negócios”/coordenador do LEX). A moderação esteve a cargo de Sofia Justino (membro da direção do LMN Portugal).

Afinal, deve a advocacia preocupar-se com a gestão da sua relação com os média?

Numa conversa que oscilou entre a comunicação social e a advocacia e como os dois meios se interligam, Francisco Proença de Carvalho afirmou que, do lado da advocacia, “tentamos ter uma presença digna. Estamos na era das sociedades de advocacia, somos um pequeno nicho e temos um problema relevante nesta questão: vivemos em permanente conflito de interesses, em Portugal nós não podemos fazer publicidade nem falar sobre questões profissionais sem regras específicas da Ordem dos Advogados”, disse o advogado de Ricardo Salgado, dando conta da dificuldade da classe entre o gerir a sua comunicação e assegurar a proteção dos seus clientes. “É difícil gerir isto em justa medida, é fundamental esta relação, mas somos o setor com mais dificuldade em geri-lo. Os advogados dos casos mediáticos têm de usar os média para defender os seus clientes”. O advogado reforça que as sociedades de advogados têm de comunicar para atrair pessoas. “É também pela comunicação que se distingue o perfil de cada escritório. Fabrica-se conhecimento e há opinião jurídica que eu acho que deve ser partilhada“.

O advogado reforçou ainda que as fontes dos jornalistas na área da justiça são, na sua maioria, do Ministério Público e não advogados. Falando sobre a quebra do sigilo, disse que “o estatuto da Ordem dos Advogados é menos exigente do que o do Ministério Público e no entanto esta relação com os média tornou-se banal da parte do MP, liberalizou-se. E não há qualquer responsabilização nesta liberdade”, afirmou, dando conta da crescente mediatização das megaoperações. “Acho mal para a justiça, tornar-se popularizada e cada vez mais parecida com aquilo que se passa nas televisões americanas”, referiu.

João Maltez disse que, pela sua experiência, houve um evoluir na profissionalização dos agentes de comunicação entre advocacia e imprensa. “Há 10 anos quando comecei a trabalhar nesta área as pessoas não estavam devidamente profissionalizadas. Decorreu um conjunto de ações para se acompanhar a sofisticação que o mundo societário veio a ter. Passados estes anos, acho que esse caminho efetivamente foi feito. É notória a diferença, tanto na promoção de cada sociedade como na maior capacidade de resposta às solicitações dos jornalistas“, salientou.

Filipe Alves também destacou a crescente profissionalização das pequenas boutiques que surgem, dando conta que a “boa assessoria mediática já está a chegar aos pequenos players. Entram no mercado com vontade comunicar e comunicar melhor”.

Joaquim Vicêncio destacou o desafio que é trabalhar com a advocacia e usar o know-how desta classe para criar negócio, porque os advogados têm “capacidade de abordar temáticas diversas. É a área mais multidisciplinar com que já trabalhei. O mundo da advocacia é o admirável mundo novo para mim”. Falando da sua perspetiva de trabalho, disse ainda que “as agências de comunicação cada vez mais têm pessoas de várias áreas e isso nota-se na qualidade de informação que passa para as redações”, salientou.

Faz sentido projetos como a Advocatus?

A editora da Advocatus, Filipa Ambrósio de Sousa, respondeu que faz todo o sentido, “ainda mais estando integrada no ECO, que é um projeto digital. Para já porque a Advocatus é uma marca antiga e tem credibilidade, dando notícias destas estruturas de sociedades. Haver esse produto é bom para canalizar essa informação. A outra razão é que os advogados são boa fontes. A Advocatus serve também como veículo da atividade dos escritórios, para falar de temas interessantes e para pegar nesse know-how da classe porque os advogados são ótimas fontes, estando envolvidos nos grandes negócios e dentro de vários assuntos”.

Contudo realçou também que “muitas vezes pode ser complicado explicar aos advogados o que é o jornalismo, há muitos casos em que não percebem que sou eu que decido o tratamento das notícias. Seja pela foto, pelo título… é muito complicado explicar. É uma luta um bocado inglória”.

João Maltez também reforçou a existência desses entraves, defendendo que no fim do dia as coisas acabam por se compor. “Temos de fazer o nosso trabalho e ponto final. Os advogados têm regras mas nós também“, disse o jornalista. Filipe Alves, por sua vez, explicou porque a advocacia é um setor que se torna interessante cobrir. “É um setor que interessa enquanto indústria para um jornal de economia, também pela importância dos temas com que lidam. Como fontes de informação para o jornalismo de economia e de finanças”. Quanto à questão da gestão de interesses, lembra que não perceber o trabalho dos jornalistas não é exclusivo de advogados. “Muitos acham que o jornalista é um pau de microfone. Combater esta cultura passa por nós e pelas assessorias para se educar estes contactos”.

Bruno Proença destacou a naturalização deste escrutínio do jornalismo à advocacia e a outros temas, pois esse “é o papel dos jornalistas. Eu acho que o escrutínio faz parte do dia a dia, e ainda bem. Temos de entender isso com algo natural e responder a isso”, respondeu o diretor de comunicação do Banco de Portugal.

Online versus papel

Sobre se o online é o futuro destas publicações, a editora da Advocatus salientou que, para já, ainda “faz parte do conservadorismo dos advogados sentir que o papel é um veículo mais nobre”, dando conta de que muitos advogados preferem aparecer na revista. “Contudo, o futuro do jornalismo é no online, admite a jornalista. Bruno Proença salienta que a comunicação destas sociedades deve ser pensada além do jornalismo, e que passa por investir no meio online e das redes sociais. “Há um mundo de stakeholders além do jornalismo e as redes sociais são o meio para isso. Os millennials não leem nem recebem informação dos jornais, mas sim pelas redes. Para ter uma estratégia de comunicação eficiente tem de se pensar além do jornalismo, e isso passa pelas redes sociais”, disse o ex-jornalista.

O jornalista Filipe Alves realçou, quanto ao assunto, que o papel do jornalista é fulcral para filtrar a informação nas redes sociais. “Concordo que de facto as novas gerações não compram os jornais, mas as novas gerações confundem marcas de informação. A sociedade continua a precisar de alguém que selecione, comprove e valide essa informação. Os jornalistas continuam a ter um papel neste novo meio”.

Houve ainda tema para questões da audiência sobre como melhorar a comunicação entre os escritórios e as redações e como não comunicar e ter um low profile também pode ser uma estratégia.

 

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