Seca em Portugal deixa em risco produção de algumas espécies, alertam especialistas

  • Lusa
  • 7 Abril 2019

Especialistas alertam para efeitos da seca em Portugal, que afeta sobretudo as culturas de regadio e ameaça a produção de algumas espécies de plantas, com impacto nas importações e alimentação animal.

A seca em Portugal, que afeta sobretudo as culturas de sequeiro, pode levar ao fim da produção de algumas espécies de plantas e as importações e a alimentação animal vão também ressentir-se, apontaram à Lusa alguns especialistas.

“A seca afeta fundamentalmente as culturas em regime de sequeiro. No entanto, as culturas de regadio não saem incólumes deste acidente climático”, disse, em resposta à Lusa, o professor do Instituto Superior de Agronomia (ISA) João Paulo de Melo e Abreu.

De acordo com o especialista em agrometeorologia, a precipitação média dos primeiros três meses do ano ronda os 200 milímetros (mm), porém, este ano, ficou em metade.

“Como cada mm de água usada na evapotranspiração gera, aproximadamente, 13 quilos de grão por hectare, as perdas de produção que se verificam são cerca de 1.300 quilos de grão por hectare [kg/ha]. Ora, um solo espesso de barro que produzisse 4.000 kg/ha num ano normal ficará com uma produção que ronda os 2.700 kg/ha”, exemplificou.

"A seca afeta fundamentalmente as culturas em regime de sequeiro. No entanto, as culturas de regadio não saem incólumes deste acidente climático.”

João Paulo de Melo e Abreu

Professor do Instituto Superior de Agronomia

João Paulo de Melo e Abreu referiu ainda que o aumento da temperatura “acelera a taxa de aparecimento das fases das plantas” e pode fazer com que algumas espécies que necessitam de frio para florirem deixem de fazê-lo, pelo menos, em alguns anos.

“Quando uma planta tem um ciclo vegetativo mais curto, interceta menos radiação e produz menos. Por outro lado, plantas que não satisfazem as suas necessidades de frio têm florações anormais e produzem poucos frutos […]. O aumento da temperatura reduz a assimilação das plantas, a qualidade e pode conduzir à ocorrência do escaldão dos frutos”, afirmou.

Na sequência destas alterações há o “risco” de Portugal deixar de conseguir algumas espécies, no entanto, “também existe a oportunidade de implantar outras culturas”.

“No futuro mais próximo, parece-me que os maiores problemas terão a ver com a qualidade de algumas produções […]. Parece-me que temos ferramentas básicas para fazer a necessária adaptação. O conhecimento que nos falta, em Portugal, deveria ser adquirido com maior celeridade. Por exemplo, dever-se-ia obrigar as empresas que vendessem material vegetal a apresentarem parâmetros essenciais para possibilitar uma gestão mais técnica na agricultura”, apontou.

Por sua vez, o também docente do ISA Francisco Gomes da Silva notou que, numa perspetiva de longo prazo, o desafio provocado pelas alterações climáticas é maior.

“As consequências dos cenários de alterações climáticas estudados (nomeadamente para a Península Ibérica e especificamente para Portugal) apontam para a ‘deslocalização’ de algumas espécies vegetais (migrando de sul para norte), para a adaptação das tecnologias utilizadas para as cultivar, com especial ênfase para a imprescindibilidade de conseguirmos dotar o território nacional da capacidade de armazenamento de água proveniente da precipitação que continuará a ocorrer, embora de forma muito concentrada”, assegurou.

"No futuro mais próximo, parece-me que os maiores problemas terão a ver com a qualidade de algumas produções […]. Parece-me que temos ferramentas básicas para fazer a necessária adaptação. O conhecimento que nos falta, em Portugal, deveria ser adquirido com maior celeridade. Por exemplo, dever-se-ia obrigar as empresas que vendessem material vegetal a apresentarem parâmetros essenciais para possibilitar uma gestão mais técnica na agricultura.”

João Paulo de Melo e Abreu

Professor do Instituto Superior de Agronomia

Segundo o professor, as alterações climáticas acarretam inevitavelmente impactos no rendimento dos agricultores de sequeiro, enquanto na agricultura de regadio, “desde que exista água armazenada nas albufeiras e/ou nas massas de água subterrânea”, as consequências são minimizadas.

Porém, em períodos de seca mais ou menos prolongada a produção de alimentação forrageira para os animais “ressente-se muito”, passando os agricultores a ter como opções, quando a seca se prolonga, a compra de silagens, fenos e palhas, a diminuição do efetivo ou tentar complementar a alimentação dos animais com recurso a mais alimentos concentrados.

A isto acrescem impactos “de ausência de água para o abeberamento dos animais”, bem como na qualidade da carne.

“Não na qualidade vista como distinção entre carne boa e carne má (que faça mal à saúde), pois a legislação europeia é muito exigente em relação à qualidade dos alimentos concentrados para animais, mas as características da carne podem alterar-se ligeiramente, embora seja muito duvidoso que o consumidor sinta essas variações”, vincou.

Por outro lado, este fenómeno pode também ter reflexo nas importações, sobretudo nos produtos para os quais Portugal é, à partida, um país importador.

Já para “os grupos de produtos em que somos exportadores líquidos, o efeito será mais no volume e valor das exportações”, sendo esta uma das razões para que Portugal aposte “de forma clara em adequar o seu território em termos de armazenamento de água para rega”, disse.

Os impactos no preço dos produtos para o consumidor final “tenderão a ser sempre muito marginais”, com principal destaque para os frescos, caso exista um reflexo nos volumes produzidos.

Para Francisco Gomes da Silva, os impactos das alterações climáticas na agricultura e no rendimento dos agricultores exigem uma política “muito séria” concentrada em questões como o aumento da capacidade de armazenamento de água, o aumento da ligação em rede entre diversas albufeiras, bem como a capacidade de criar infraestruturas de distribuição eficiente de água.

“O regadio é um fator de coesão territorial. Portugal tem (e terá) água suficiente, mas tem que apostar em políticas centradas no seu armazenamento e distribuição. Enterrar a cabeça na areia e pensar que resolvemos este problema ‘não utilizando água’ é pura perda de tempo”, concluiu.

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