Metro de Lisboa anda há mais de uma década às voltas com a linha circular

O Parlamento travou a construção da linha circular do metro de Lisboa, mas o Governo não vai desistir. Contudo, anos depois, a expansão do metro continua sem ver a luz ao fundo do túnel.

O Metropolitano de Lisboa foi crescendo ao longo dos anos. Ganhou novas linhas e novas cores, mas há ideias que continuam sem sair do papel. Com cada vez mais utilizadores, residentes e estrangeiros que descobriram nos últimos anos Lisboa, nasceu assim, em 2009, a ideia de se criar uma linha circular no metro da capital. O sonho cresceu, mas tem sido sistematicamente travado. Mais de uma década depois, continua sem ver a luz ao fundo do túnel.

Foi em 2009 que se lançou um ambicioso plano de expansão do metro de Lisboa, que previa a construção de 30 novas estações. Seriam mais 29 quilómetros de metro, num investimento de cerca de 2,5 mil milhões de euros, de acordo com o Jornal de Notícias. Odivelas, Benfica, Amoreiras, Alcântara e Aeroporto seriam algumas das novas estações e nessa altura também se falava em estender a linha verde até ao Campo Grande, ligando-a ao Hospital Amadora Sintra, em Queluz. E, já na altura, estava pensada a criação de uma linha circular do metro, que deveria estar a funcionar até 2020.

Sete anos depois, projeto sofre alterações… e fica mais barato

Anos mais tarde, em 2016, e já com o metro a chegar à Amadora Este e à Reboleira, foi apresentado oficialmente o Plano de Desenvolvimento Operacional da Rede do Metro, com ideias trazidas do plano inicial, e outras que acabaram por cair por terra. Em maio de 2017, o Governo anunciou que a expansão do metro de Lisboa passaria por unir a estação do Rato (final da linha amarela) ao Cais do Sodré (final da linha verde), através da construção das estações da Estrela e Santos, — concretizando-se a ideia da linha circular pensada em 2009.

O plano era, então, simples: ligar o Rato ao Cais do Sodré, criando uma linha circular a partir do Campo Grande com as linhas verde e amarela, passando as restantes linhas a funcionar como radiais — linha Amarela de Odivelas a Telheiras, linha Azul (Reboleira – Santa Apolónia) e linha Vermelha (S. Sebastião – Aeroporto). Construir esta linha circular custaria 216 milhões de euros, anunciou, na altura, o ministro do Ambiente, um investimento que seria feito com recurso a fundos do Banco Europeu de Investimento (BEI).

Mas todo o plano de expansão da rede seria bem mais caro. Entre a construção de novas estações — também Amoreiras e Campo de Ourique –, remodelação das existentes — Arroios, Areeiro, Colégio Militar, Olivais e Baixa-Chiado — e aquisição de carruagens, o investimento previsto era de 484,5 milhões de euros (incluindo os 216 da linha circular). Nessa altura, o Metropolitano de Lisboa estimava que as novas estações estariam a funcionar em 2021.

Das críticas na autarquia ao primeiro travão do Parlamento

Apesar do entusiasmo do Governo, os planos de expansão da rede não conquistaram muita gente. Dias depois de o plano ter sido apresentado pelo ministro do Ambiente, em maio de 2017, durante uma Assembleia Municipal de Lisboa onde se discutiu o assunto a pedido do Bloco de Esquerda, começaram a aparecer os primeiros entraves. De acordo com o Público, à exceção do PS, todos os deputados, especialistas e cidadãos presentes mostraram-se contra a construção da linha circular, apontando os riscos e complicações que as obras trariam.

Entretanto, mais de um ano depois, em julho de 2018, foi tornado público o Estudo de Impacte Ambiental (EIA), que concluiu que a construção de uma linha circular iria levar a uma “redução significativa do uso do transporte individual”.

Depois de em julho de 2018 o Estudo de Impacte Ambiental (EIA) ter concluido que a construção de uma linha circular iria levar a uma “redução significativa do uso do transporte individual”, contrariando as críticas partidárias na autarquia, foi lançado em janeiro de 2019 o concurso público para a construção da linha circular do metro. Este acabou adiado por duas vezes, de acordo com o Jornal de Negócios. O Ministério do Ambiente e da Transição Energética estimava que as obras de expansão começassem, ainda assim, durante o ano de 2019, mas isso acabou por não acontecer.

Depois de vários travões à linha circular, com sucessivos adiamentos dos concursos para a sua contrução, o “carrossel” começou a descarrilar. Foi em junho do ano passado que, com os votos favoráveis de todos os partidos, à exceção do PS, o Parlamento aprovou uma recomendação do PSD que defendia a suspensão da linha circular e pedia mais estudos para a expansão do metro até Alcântara e Loures. Nesta altura já se apontava 2024 como data de abertura das novas estações.

À segunda, partidos suspendem a linha circular

Um novo — e mais sério — entrave à linha circular surgiu agora na discussão e votação do Orçamento do Estado para 2020. Numa maratona de votações, o Parlamento votou e, por maioria, as obras de construção da linha circular do metro de Lisboa foram suspensas. As iniciativas do PAN e do PCP determinaram ainda que, durante este ano, o Governo realize um estudo técnico que permita comparar a linha circular e uma extensão até Alcântara e que seja dada prioridade à expansão do metro para Loures.

Após este chumbo, o PS apontou o dedo aos sociais-democratas, acusando o PSD de ser responsável pelo adiamento do metro de Lisboa por três anos, pela perda de fundos comunitários e pelo pagamento de indemnizações. “Do PSD esperávamos um pouco mais”, disse o socialista Duarte Cordeiro, apontando que o estudo que a proposta prevê já existe.

Também o ministro do Ambiente e da Ação Climática considerou esta suspensão “completamente irresponsável”, “lesando profundamente a cidade”. João Pedro Matos Fernandes voltou a sublinhar a ideia de que “o estudo que foi solicitado” pelo Parlamento já “foi executado” e que levou, precisamente, “à decisão da construção” da linha circular em detrimento da expansão da linha vermelha desde São Sebastião a Campo de Ourique”. Em resposta, o deputado do PSD, Carlos Silva, afirmou que “verdadeiramente irresponsável foi o Governo quando, durante estes últimos quatro anos, vinha à Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas” e era alertado “para todos estes problemas”.

Apesar da polémica que este tema tem dado, a suspensão da linha circular conseguiu deixar, claro, a autarquia de Loures satisfeita. Para o presidente Bernardino Soares, “o importante agora é que haja uma decisão [de expansão para Loures] e se iniciem os projetos técnicos para que se possa beneficiar do próximo quadro comunitário”, disse, citado pela Lusa.

Governo não desiste. Confia no Tribunal Constitucional

Apesar desta decisão do Parlamento, o Governo não vai desistir e, tal como já tinha dado a entender, vai mesmo contestar esta suspensão da linha circular aprovada no Parlamento junto do Tribunal Constitucional (TC). Na perspetiva do Grupo Parlamentar do PS, a adjudicação e outorga de contratos administrativos, de acordo com a jurisprudência do TC, são “domínios próprios da atividade executiva” e, como tal, “da esfera puramente administrativa do Governo”.

Fernando Medina, que também se mostrou descontente com esta decisão “gravíssima” e espera que a mesma seja revertida. “A decisão que foi tomada, que espero que seja revertida no Parlamento, é uma decisão gravíssima para os interesses de todos aqueles que têm de utilizar os transportes públicos em Lisboa, os que vivem na cidade, os que vêm de fora para trabalhar. É uma decisão que, a concretizar-se, adiará por muitos anos a expansão do Metro na cidade de Lisboa”, disse o presidente da Câmara de Lisboa.

E os fundos comunitários? Afinal, perdem-se ou não?

Uma das consequências apontadas pelo Governo para esta decisão tem a ver com os fundos comunitários. Nas palavras do ministro do Ambiente, logo após a decisão do Parlamento, Portugal poderá perder 83 milhões em fundos, num total que poderá ascender a 100 milhões incluindo potenciais indemnizações a empreiteiros, uma vez que as obras teriam de estar concluídas até 2023 e, com esta suspensão, serão adiadas por três anos. “Por termos tido possibilidade de reprogramar essas verbas [comunitárias], foi possível lançar esta empreitada”, disse Matos Fernandes.

Mas, desde essas primeiras declarações, já muito se tem dito sobre uma eventual perdas de fundos comunitários, com os membros do Governo a contradizerem-se. Enquanto Matos Fernandes alertou para a perda dos 83 milhões, o ministro do Planeamento contradisse essa ideia, referindo que o país iria assegurar a 100% a execução de fundos comunitários do Portugal 2020, afastando qualquer devolução de verbas a Bruxelas.

Horas mais tarde, o Ministério do Planeamento emitiu uma nota a esclarecer que “o projeto da linha circular” do Metro de Lisboa não pode “ser substituído no PT2020 por qualquer outro relacionado com a rede de metropolitano da cidade ou de natureza equivalente”. “Efetivamente, esse eventual projeto alternativo já não será exequível no âmbito do PT2020, dada a complexidade e o grau de maturidade exigido a uma iniciativa deste tipo”, salientou. Ou seja, sem a linha circular, o apoio perde-se.

Um dia depois das declarações de Nelson Souza, na terça-feira, o ministro do Ambiente voltou a pronunciar-se sobre o assunto, afirmando que “é completamente impossível” utilizar os fundos comunitários previstos para a construção da linha circular noutro projeto da mesma dimensão. “É preciso haver um projeto, um estudo de impacto ambiental, um concurso para a obra”, pelo que “é impossível que estas verbas sejam alocadas num outro projeto com esta dimensão e com esta estrutura em Lisboa”, disse Matos Fernandes, à margem de uma audição no Parlamento.

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