Notícias nos jornais e recursos até prescrever. Os cinco casos de polícia na bolsa de Lisboa

Nos últimos dez anos, foram remetidas quase seis dezenas de comunicações ao Ministério Público pela CMVM. Oito foram arquivadas na fase de inquérito, mas muitas outras foram absolvidas.

Manipulação de mercado e abuso de informação foram os dois crimes da bolsa julgados em Portugal, no ano passado. Na última década, chegaram ao Ministério Público (MP) quase seis dezenas de casos de polícia que envolvem o mercado de capitais, segundo os dados do relatório anual da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

“Em 2019, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu dois acórdãos, em dois processos, um deles em que Tribunal Criminal de Lisboa havia proferido uma decisão condenatória pela prática de crime de manipulação de mercado e um outro em que havia proferido decisão absolutória pela prática de um crime de abuso de informação. Nos dois casos, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou as decisões de 1.ª instância. Na fase de inquérito foi ainda proferida, durante 2019, uma decisão de arquivamento num processo de abuso de informação”, anunciou o supervisor.

As suspeitas encontradas levaram a CMVM a decidir 76 processos de contraordenação, dos quais foram aplicadas 26 coimas no valor de 1,9 milhões de euros. Foram ainda feitas três comunicações ao Ministério Público. Assim, entre 2009 e 2019, foram remetidas 57 comunicações ao MP, com apenas oito a serem arquivadas na fase de inquérito (14%).

“Foi deduzida acusação pelo MP em 24 processos, sendo que em oito desses processos houve acordo de suspensão provisória na fase de instrução. Outros 12 processos terminaram também com acordo de suspensão provisória, implicando a integral devolução das mais-valias obtidas e o pagamento de injunções a favor de instituições de solidariedade social e do próprio Sistema de Indemnização de Investidores (SII), por parte dos arguidos, em número superior ao dos processos”, explica o supervisor.

"Em 2019, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu dois acórdãos, em dois processos, um deles em que Tribunal Criminal de Lisboa havia proferido uma decisão condenatória pela prática de crime de manipulação de mercado e um outro em que havia proferido decisão absolutória pela prática de um crime de abuso de informação. Nos dois casos, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou as decisões de 1.ª instância. Na fase de inquérito foi ainda proferida, durante 2019, uma decisão de arquivamento num processo de abuso de informação.”

Relatório Anual 2019

Comissão do Mercado de Valores Mobiliários

Em 2019, estes foram os casos de polícia em Portugal:

Algo aconteceu, apenas não se sabia o quê

O caso começou, em 2016, quando a CMVM considerou suspeita que nas vésperas de divulgação de informação privilegiada de caráter muito negativo, um investidor tenha vendido toda a participação que tinha. O arguido, especialmente habilitado pelo percurso profissional e pela formação académica especializada, detinha informação privilegiada relacionada com a preparação de um evento que originaria a perda total do valor das ações de uma sociedade emitente. O MP considerou que houve abuso de informação, mas não encontrou provas para o condenar.

“Em finais de dezembro de 2019, o MP proferiu despacho de arquivamento, fundamentando a decisão no facto de que não dispunha de «qualquer elemento adicional que permita, com segurança acrescida, afirmar que o arguido tinha informação privilegiada e que a passou nesta mensagem», apesar de ter considerado que «todos os depoimentos recolhidos nos autos» foram «unânimes a transmitir a ideia de que algo estava para acontecer, apenas não se sabia o qu껓, explica a CMVM.

Trocar de banco para cruzar ordens

Também em 2016, houve novo caso de um investidor — com formação académica na área económica e que tinha até sido administrador de uma entidade supervisionada pela CMVM — acusado de manipulação de mercado. Apesar de o investidor até trocar de intermediário financeiro nalgumas ocasiões para lançar as ordens de compra e venda, o padrão de negociação atípico foi identificado pelo supervisor.

Em 2018, o Tribunal concluiu que o arguido atuou “ciente da ilicitude da sua conduta, e das consequências da sua atuação”, que existiu uma “formação artificial de preços” e que as operações “foram realizadas sem alteração do seu beneficiário económico”. O arguido foi condenado pelo crime de manipulação de mercado, com pena de multa, tendo sido declarada perdida a favor do Estado, a mais-valia auferida. No ano passado, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso interposto pelo arguido, confirmando na totalidade a decisão condenatória.

Colaborador absolvido porque informação vinha nos jornais

A acusação de abuso de informação contra um investidor, especialmente habilitado, designadamente pelo cargo que exercia à data dos factos numa entidade pública e pela formação académica especializada de que dispunha remete a 2017. Também neste caso, o trigger foi a venda de todas ações de uma sociedade no último dia de negociação antes de divulgação de informação privilegiada de caráter muito negativo, permitindo ao investidor evitar a perda total do respetivo investimento. O problema é que o investidor integrava o conjunto de colaboradores encarregue da preparação do evento que originou a perda total do valor das ações da sociedade emitente e a consequente suspensão da negociação.

O MP considerou que o arguido “(…) bem sabia que, enquanto trabalhador do […] se encontrava sujeito a segredo quanto aos factos cujo conhecimento lhe adviesse exclusivamente do exercício dessas funções, estando-lhe vedada a divulgação ou utilização dessas informações”. No entanto, em 2018, o Tribunal Criminal de Lisboa proferiu sentença que absolveu o arguido, entendendo que a “informação (por mais que (…) a mantivesse classificada como sigilosa) era notícia nos jornais… era pública”. Em 2019, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão, negando provimento ao recurso e confirmando a sentença absolutória.

Assessor vendia… antes de informação ser conhecida

Durante dois anos, um investidor particular comprava ações de uma sociedade e, antes da divulgação de informação privilegiada, vendia, o que permitiu a realização de mais-valias com a subida de cotação provocada pela divulgação da informação. “A análise da CMVM permitiu concluir que o investidor apenas começou a transacionar as referidas ações, após assumir funções de membro do conselho de administração de uma sociedade integralmente dominada pela sociedade”. À data dos factos, exercia, ainda, funções de assessoria da administração da mesma empresa.

Em 2017, o Tribunal Criminal de Lisboa proferiu sentença que condenou o arguido pela prática de quatro crimes de abuso de informação. Em 2018, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que “(…) a sentença efetua uma correta subsunção jurídico-penal dos factos, não existindo razões para considerar não verificados algum dos seus elementos”, confirmando a decisão condenatória proferida em 1.ª instância, apenas revogando a pena acessória de publicação da sentença condenatória. A decisão transitou em julgado no início do ano de 2019.

Banca ganha dez milhões em três dias. Caso prescreveu

Ainda antes, em 2012, a CMVM comunicou ao Ministério Público um caso de indícios de abuso de informação. Um banco comprou ações de uma das cotadas com maior peso no PSI-20, três dias antes da divulgação de informação privilegiada, que provocou uma significativa subida de cotação, gerando uma mais-valia de dez milhões de euros. “À data dos factos, o grupo financeiro a que o banco pertencia detinha informação privilegiada sobre o facto que foi divulgado. As transações tiveram ainda a particularidade de as compras terem sido realizadas em dois negócios bilaterais, tendo sido o banco, enquanto gestor de carteiras de uma empresa de seguros (na qual detinha participação qualificada), a tomar também as correspondentes decisões de venda (decidiu comprar para a sua carteira própria enquanto decidia a venda para a carteira que se encontrava sob sua gestão)”.

Alguns dias depois da divulgação da informação privilegiada, o banco vendeu a quase totalidade das ações que havia comprado, na sua maioria à referida carteira sob gestão (que as recomprou a preço mais alto). Em 2014, o Ministério Público acusou três colaboradores do banco pela prática em coautoria de um crime de abuso de informação. Entre absolvição, recurso, condenação e novo recurso, “foi declarada pelo Tribunal da Relação de Lisboa a prescrição do procedimento criminal, uma vez que haviam já decorrido mais de dez anos e seis meses sobre os factos puníveis“, diz a CMVM. “A decisão condenatória proferida nos autos não produziu, assim, efeitos jurídicos”.

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