ASF e EIOPA alertam para riscos de rendibilidade e solvabilidade nas seguradoras

  • ECO Seguros
  • 2 Agosto 2020

O impacto global da crise Covid-19 ameaça os lucros e a robustez das seguradoras, alertam a ASF e Supervisão europeia em relatórios separados de avaliação aos riscos da indústria.

O Painel de Riscos do Setor Segurador que a ASF acaba de atualizar mantém o risco macroeconómico no nível “mais elevado da escala” (representado a vermelho – risco alto), enquanto nas restantes categorias de risco – avaliadas com base em indicadores específicos das empresas de seguros até março e complementados com indicadores financeiros de mercado até 14 julho – a alteração mais significativa, face ao painel de riscos publicado em abril, surge na categoria “rendibilidade e solvabilidade”.

De acordo com o gabinete de Análise de Riscos e Solvência, que traça o panorama atualizado pela Supervisão em julho, no que respeita aos indicadores específicos do setor segurador (reportados até final de março), a classificação e as tendências dos riscos de liquidez, interligações e específicos de seguros Vida e Não Vida “mantiveram-se inalteradas”, enquanto a tendência de evolução do risco de rentabilidade e solvabilidade sofreu um agravamento.

“Este agravamento reflete a redução do rácio de cobertura do requisito de capital de solvência para a generalidade dos operadores, justificada pela deterioração dos fundos próprios elegíveis na sequência da turbulência dos mercados financeiros”, sendo que os impactos “mais significativos foram registados nas empresas que exploram somente o ramo Vida, devido ao efeito de desvalorização das suas carteiras de investimentos,” refere o documento.

Para as classes de risco indicados no Painel de Riscos do Setor Segurador, além do risco Macroeconómico (em nível alto), a Supervisão mantém risco baixo para a classe Liquidez; médio-alto, mas descendente para Mercado, médio-alto constante para a classe Interligações (exposição ao mercado de dívida pública e sistema bancário) e igual avaliação para os Riscos específicos Vida e Riscos específicos não Vida.

Fonte: ASF. Julho 2020

Justificando a atribuição de risco Médio-Baixo, mas com tendência “inclinada-ascendente” para Rendibilidade e Solvabilidade, a análise detalhada desta classe de risco mostra que:

  • No global, assistiu-se a uma redução do rácio entre o ativo e passivo, re­petindo uma variação negativa mais expressiva no lado dos ativos.
  • No primeiro trimestre de 2020, o rácio global de solvência registou uma quebra de 27 pontos percentuais para 154%, resultado da redução pronunciada do montante de fundos próprios elegíveis para cobrir o SCR. Este fenómeno foi comum à maioria dos operadores.
  • Verificou-se igualmente uma redução pronunciada da qualidade de fundos próprios na generalidade dos operadores no mesmo período.

Aprofundando a análise, a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), explica que, além das variações negativas decorrentes da queda abrupta dos mercados financeiros “os níveis de rendibilidade e de solvabilidade [no setor segurador] ficaram expostos “a pressões adicionais resultantes dos efeitos económicos, sociais e laborais do COVID-19 sobre as perspetivas futuras de evolução da produção e dos resgates”, lê-se no documento do organismo de supervisão.

Ainda, reforçando que os dados das empresas de seguros incluídos no Painel de Riscos reportam-se ao final do primeiro trimestre do ano e, como tal, “incorporam apenas parcialmente os efeitos do COVID-19”, a ASF considera que o setor já evidencia, em termos de solvabilidade, “uma redução do rácio de cobertura do requisito de capital de solvência” (SCR), justificada pela “diminuição de cerca de 14% dos fundos próprios elegíveis, com o rácio agregado a posicionar-se em 153,8% (116,6%, excluindo a medida transitória das provisões técnicas) no final do primeiro trimestre”.

EIOPA corrobora riscos de rendibilidade e solvabilidade

Em sintonia, o relatório de Estabilidade Financeira – que a autoridade europeia de seguros e pensões acaba de publicar para o conjunto do setor seguros da UE – alerta para riscos cuja materialização recolhe algum consenso na indústria, apontando rendibilidade e solvabilidade como os dois riscos no topo da escala.

No relatório divulgado a 30 de julho (o primeiro de 2020), a European Insurance and Occupational Pensions Authority (EIOPA) reconhece que o setor saiu de 2019 com almofada de capital robusta e confortável – um rácio de solvabilidade (SCR mediano) de 213% – suficiente para absorver choques de mercado graves, como foi o impacto inicial da crise Covid-19. No entanto, refere o documento, o “elevado nível de incerteza sobre a magnitude da perturbação económica” provocada pela crise sanitária aumenta os riscos de abrandamento futuro.

A pandemia (Covid-19) “intensificou ainda mais os desafios preexistentes” colocados pelo longo período taxas de juro baixas (rentabilidade das carteiras de investimento), “um risco fundamental” tanto para os seguros como para o setor das pensões, segundo o regulador europeu. Perante o choque da pandemia, que causou “perturbações nas famílias e empresas e gera uma grande incerteza quanto ao futuro económico”, a EIOPA admite como “provável que as companhias de seguros enfrentem condições difíceis, afetando potencialmente a sua rentabilidade e posições de solvência”.

A fim de avaliar a materialidade de riscos para a estabilidade financeira do setor, o regulador europeu conduziu, em maio, um inquérito qualitativo junto das autoridades nacionais do setor em toda a UE. O questionário qualitativo “EIOPA Covid-19” revelou que “a rentabilidade da carteira de investimentos, a posição de solvabilidade, a exposição aos bancos, rentabilidade da atividade de subscrição, concentração de investimento em dívida pública e cibersegurança” constituem os seis principais riscos e desafios materializáveis para as seguradoras.

Os resultados do questionário qualitativo mostram que “a rentabilidade de carteira de investimento é o risco mais elevado para a setor dos seguros em termos de materialidade” (representando “quase metade das respostas”), com mais de 10% dos inquiridos a assinalarem também “a necessidade de reforçar a medidas existentes.” Apesar das posições de capital adequadas das seguradoras antes do choque da Covid-19, a solvência é classificada como o 2º maior risco para o setor dos seguros. No entanto, como também concluiu o inquérito, a redução e/ou cancelamentos de pagamento de dividendos poderá ajudar a mitigar o risco de solvência de algumas seguradoras, ajudando-as a preservar capital.

Antes de análise detalhada à situação do setor com avaliação do impacto direto e indireto, mais os efeitos e curto e médio prazo da pandemia sobre a atividade seguradora e o setor europeu de resseguros, o documento recorda que, antes da Covid-19, o setor apresentava-se lucrativo, com liquidez suficiente para progredir na atividade de subscrição: o retorno sobre capitais próprios (RoE) quase duplicou num ano, situando-se em torno de 9% no final de 2019.

Mas, o choque pandémico também aumentou o risco de crédito, justificando maior rigor na avaliação ao lado dos ativos das seguradoras e, em consequência, dos níveis de solvência. Agora, assumem-se receios de que a recessão do grande confinamento “afete negativamente a rentabilidade do setor empresarial”, resultando em descidas de rating (notações de crédito), aumento de incobráveis (incumprimento em pagamentos) e mais desemprego na zona euro.

Finalmente, a “elevada interligação das seguradoras com os bancos” poderá potenciar ainda mais as repercussões dos referidos riscos da economia real para os seguros e fundos de pensões, materializando-se nos balanços das seguradoras. Por isso, relativamente à exposição da indústria seguradora ao sistema financeiro (bancos e mercado de valores mobiliários), o relatório do supervisor europeu refere a exposição direta dos seguros à banca como o 3º risco que mais preocupa, conforme resulta do inquérito conduzido pela EIOPA há apenas dois meses.

Sobre o grau de exposição aos mercados, o relatório europeu de estabilidade financeira dos seguros descortina outro exemplo: no último trimestre de 2019, só em fundos de investimento coletivo, o setor de seguros detinha cerca de 3,5 biliões de euros investidos, o equivalente a 30% do total dos investimentos. Desse montante, mais de metade ou perto de dois biliões de euros (1.97 trillions lê-se no documento, em inglês) representavam investimento em unit-linked (seguros Vida ligados a fundos, também conhecidos como produtos estruturados ou simplesmente “unidades de conta”).

Estes produtos, em situações de maior pressão e instabilidade nos mercados, com vendas massivas por parte de alguns operadores, podem, segundo a EIOPA, “potenciar riscos de liquidez” para as seguradoras.

Neste contexto, citado no comunicado de imprensa que apresenta o relatório semestral, Gabriel Bernardino, presidente da EIOPA, não tem dúvidas: “a economia irá experimentar uma recessão profunda e sem precedentes”. E, em termos prospetivos, uma “avaliação adequada do risco” não pode deixar de ter presente o “elevado grau de incerteza” na trajetória da recuperação. Isto significa que, “na preparação dos testes de esforço (stress tests) dos seguros do próximo ano”, à escala da União Europeia, “deverão ser considerados diferentes cenários de recuperação,” antecipa Bernardino.

Painel de Riscos do Setor Segurador: âmbito e breve nota metodológica

Para avaliar o risco de rendibilidade da indústria seguradora portuguesa, a ASF considera uma série de indicadores do setor segurador (lucro e resultados integral em função dos capitais próprios; resultados técnicos de Vida e não Vida em função dos prémios por cada segmento de negócio). Na aferição da solvabilidade, a análise incide nos reportes das seguradoras ao nível de Solvência II (com e sem impacto da utilização da medida transitória de provisões técnicas), como rácios sobre a relação entre passivo e ativo e a qualidade dos capitais próprios.

Na introdução aos dados do Painel de Risco, o relatório da ASF passa em revista a evolução da atividade setorial até março. Face a igual período de 2019, a produção do ramo Vida revelou compressão próxima de 45%, refletindo impacto do ambiente de baixas taxas de juro, vindo já da fase pré-COVID-19. Em matéria de resgates, verificou-se acréscimo a rondar 6%, em montantes, em grande medida refletindo a evolução nos seguros ligados não PPR. Segmentando a evolução da atividade, a ASF refere que, por sua vez, a produção dos ramos Não Vida cresceu 8% até março, registando “ligeiras melhorias nas taxas de sinistralidade de Acidentes de Trabalho, Automóvel e Doença, refletindo abrandamento dos custos com sinistros”, sendo que o impacto das medidas excecionais e temporárias implementadas ao longo do estado de emergência “ainda não é plenamente visível”.

O enquadramento e desenvolvimento da atividade seguradora está fortemente ligada à envolvente macroeconómica. O encarnado no risco macroeconómico reflete a condição de indicadores como PIB, desemprego, contas públicas (défice e dívida), taxas de juro, endividamento de particulares e outros, sendo que, para parte destas variáveis, a ASF prevê agravamentos futuros, nomeadamente o endividamento. O pessimismo do regulador poderia até justificar-se com os dados mais recentes do PIB, e do desemprego.

Globalmente, o painel de risco da ASF assenta em 53 indicadores agrupados em até 8 categorias de risco. Sendo analisados separadamente, o painel não constitui um índice composto de risco setorial. Entre variáveis não discretas e outras mais precisas, o Painel de Riscos da ASF visa identificar, monitorizar e medir os riscos que podem afetar o setor de seguros numa perspetiva macroprudencial.

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