Nova moda da pandemia é (tentar) fazer pão em casa

Se tentou fazer pão em casa na pandemia, não foi ideia original. Com o confinamento, muitos portugueses compraram farinha e fermento e puseram mãos à obra. E as vendas de máquinas de pão dispararam.

O confinamento levou muita gente a tentar fazer pão em casa. E a tendência também se verifica em Portugal.Pixabay

Juntar a farinha e um pouco de fermento. Acrescentar uma pitada de sal e alguma água. Amassar, amassar, amassar. Sem um forno a lenha em casa, fazer pão caseiro é, para muita gente, uma tradição distante, do tempo dos pais ou avós. E mesmo para quem possa ter um, por vezes, falta a arte e o engenho, porque confecionar pão não é tarefa fácil. Tudo isto era verdade… até que veio a pandemia.

Com o estado de emergência declarado em março, milhões de portugueses ficaram em casa. Uns a trabalhar, outros em lay-off ou mesmo sem emprego. Os hábitos de consumo alteraram-se subitamente. Houve corridas aos supermercados em busca de alguns produtos inesperados, como o papel higiénico e as conservas alimentares. Mas essas foram as tendências visíveis, porque outras só vieram a manifestar-se mais tarde.

Foi o caso do pão caseiro, uma “moda” que ganhou expressão nas redes sociais durante o confinamento e que conquistou o mundo. Não fossem os portugueses apreciadores de pão, essa moda também chegou, naturalmente, a Portugal. Registaram-se aumentos na procura por produtos como farinhas e fermentos, mas também por máquinas de pão, chamadas de panificadoras automáticas. Um pequeno luxo para muitos, ou quiçá uma heresia para os mais puristas da tradição nacional.

“Tivemos muita gente a comprar fermento e até farinha”, revela Luís Gonçalves ao ECO, vice-presidente da Associação do Comércio e da Indústria de Panificação, Pastelaria e Similares (ACIP). “Logo naquela fase inicial, do estado de emergência, passados uns dias, começou a surgir muita gente a pedir fermento de padeiro para fazer pão em casa e a perguntar até as receitas. Estavam a experimentar”, recorda o profissional.

Como muito do que se passou desde o início da pandemia, dificilmente se explica com exatidão a tendência. Para Luís Gonçalves, terá surgido “um movimento na internet”. “Alguém famoso apareceu a fazer pão em casa e parece que começou a espalhar-se”, aposta.

Logo naquela fase inicial, do estado de emergência, passados uns dias, começou a surgir muita gente a pedir fermento de padeiro para fazer pão em casa e a perguntar até as receitas.

Luís Gonçalves

Vice-presidente da ACIP

Efetivamente, no Facebook, é fácil encontrar grupos dedicados a “pessoas que gostam de fazer pão em casa”, não necessariamente portugueses, mas em língua portuguesa. Um deles soma mais de 146 mil pessoas. Outro fica-se pelos 35 mil e o elevado número de interações terá levado os administradores a anunciarem: “Não estamos a aprovar publicações de pães sem receitas.” É que, a cada post, as dúvidas surgem: “Posso usar fermento fresco?”, “Alguém sabe dizer-me como deixar o pão dourado?” ou “Quantos gramas mais ou menos de farinha branca?”

O fenómeno suscitou a curiosidade de Luís Gonçalves. “Pelo que perguntei, a pessoas conhecidas com quem estava à vontade para perguntar, disseram que viram na internet. Também tinham muito tempo livre em casa, algumas com empresas fechadas que quiseram aprender outra coisa. E também por causa dos miúdos, pessoal com filhos.”

Outro fator poderá ter sido o receio da crise sanitária, que pode ter levado algumas pessoas a optarem por fazer o seu próprio pão em vez de pão feito por desconhecidos. Mas não terá sido o fator principal: “Do que falei com as pessoas, não. Pode também ser, mas vinham cá comprar. Pão é manuseado, o fermento é embalado, mas penso que não será por aí. Ou, se calhar, para não terem de sair tantas vezes de casa”, vai elencando.

Vendas de máquinas mais do que duplicaram

Um dos maiores desafios de se fazer pão em casa é a cozedura. Não é fácil de a fazer num forno residencial, e mesmo fazendo, dificilmente se obtém um pão com aquela crosta habitual. “Vai depender muito da pessoa. Se calhar, o maior entrave vai ser o forno mesmo, e a parte da levedação. Há maneiras artesanais: com uma bacia [tapada] com um pano em ambiente húmido e quente é possível. Depois o forno é que pode fazer grande diferença. Tem de ter algum vapor. Em casa não pode ganhar aquela corzinha”, explica Luís Gonçalves.

Assim, a outra hipótese são as máquinas de pão, geralmente compostas por uma cuba antiaderente com duas pás, disposta sobre uma resistência. O aparelho faz sozinho todo o processo de amassar, levedar e cozer e, no fim, ao retirar o pão da cuba, basta remover as pequenas pás que ficam no interior do pão. Sem surpresa, as vendas destes pequenos domésticos dispararam durante a pandemia.

“De facto, temos notado um aumento bastante significativo na procura de máquinas de fazer pão, nas lojas Worten, curiosamente desde a altura do confinamento, quando foi decretado o estado de emergência nacional, em virtude da Covid-19”, reconhece fonte oficial da Worten Portugal. “Sem poderem sair de casa, muitos portugueses decidiram dedicar mais tempo à cozinha, sendo a confeção de pão caseiro uma tendência que se foi cimentando no seio das famílias e que, de resto, tem permanecido pós-confinamento”, acrescenta.

No caso da Worten, entre 15 de março e 10 de agosto, “as vendas desse tipo de produtos mais do que duplicaram, em valor, em comparação com o período homólogo de 2019. Estamos a falar, concretamente, de um crescimento na ordem dos 140%”, detalha a mesma fonte.

Também a Fnac Portugal observou um aumento da procura por panificadoras automáticas. “É possível dizer que, em relação a estes equipamentos, que dispõem apenas da funcionalidade de fazer pão, o volume de vendas ficou acima do espectável para o primeiro semestre de 2020. Se alargarmos esta análise a robôs de cozinha com esta mesma funcionalidade, comparando o período de março a junho de 2020 com o ano anterior, as vendas cresceram 70%”, admite fonte oficial da marca. Salienta, no entanto, que não é possível fazer uma comparação direta com o ano passado em termos de máquinas de pão, porque, “durante o mesmo período a que nos estamos a referir, a venda de máquinas de pão foi muito residual, pelo que se torna difícil fazer um comparativo em relação a este ano”.

Já depois da publicação deste artigo, o Lidl confirmou ao ECO que “a evolução da procura de artigos relacionados com o fabrico de pão em casa” registou “um aumento exponencial no início do período da pandemia” nas lojas da marca. A mesma fonte confirma ainda um “aumento significativo” da procura em loja por farinhas, que se estendeu até abril, “com especial ênfase nas duas primeiras semanas de isolamento profilático”. “Neste momento, as vendas mantêm-se em linha com o expectável”, explica fonte oficial da cadeia de retalho.

“Adicionalmente, em março, disponibilizámos em loja, a nossa Máquina de Pão Silvercrest, que teve uma boa aceitação por parte dos clientes. Trata-se de um artigo que permite às famílias fazerem o seu próprio pão, sem terem necessidade de sair de casa tantas vezes para o comprar, ao mesmo tempo que ajuda a criar novas dinâmicas em família”, conclui fonte oficial do Lidl Portugal.

Ameaça ao setor? Nem por isso

Com os portugueses a optarem por fazer pão em casa, estará o futuro do setor sob ameaça? Para Luís Gonçalves, não há motivos para acreditar que assim seja. “Olhando aqui para a venda do pão, não notámos grande diferença”, assegura. A moda será, por isso, uma tendência passageira: “Penso que tiveram curiosidade para experimentar, mas depois vieram comprar, porque o pão nem é caro”, assegura. A diferença é grande face à área da pastelaria, em que a quebra nas vendas provocada pela pandemia “foi brutal”. “Pastelaria caiu muito e cafetaria também. Agora, o pão manteve-se”, diz o profissional.

De facto, os preços relativamente acessíveis do pão de fabrico profissional poderão ditar que esta nova tendência da pandemia não venha a passar disso mesmo. A somar aos custos dos ingredientes, quem quer fazer pão em casa deve contabilizar ainda um gasto com eletricidade ou gás (dependendo do tipo de forno), mais o tempo que tem de investir em amassar, levedar, moldar e cozer o pão.

Mas se a experiência resultar num delicioso pão caseiro, toda a despesa extra pode valer a pena. Ainda mais nos casos de quem pretende passar algum tempo em conjunto, a aprender ou a partilhar aventuras. Se for o seu caso, há inúmeras receitas por toda a internet, incluindo de tipos de pão que não precisam de ser amassados. Basta procurar o nome do pão que deseja, desde o normal ao saloio, pão de amêndoa, de coco ou qualquer outro. Incluindo até massa para pizas.

(Notícia atualizada a 17 de agosto, às 14h28, com mais informações)

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