Nova investigação levanta suspeitas de atividade criminosa no setor financeiro luxemburguês

Uma nova investigação jornalística ao setor financeiro do Luxemburgo mostra a sua dimensão e as ligações a alegadas atividades criminosas. O Governo já veio desmentir o retrato feito pelo artigo.

O Grão-Ducado do Luxemburgo tem apenas 2,6 mil quilómetros (Portugal tem 92 mil quilómetros) e pouco mais de 600 mil habitantes, mas é um dos países do mundo com mais investimento direto estrangeiro, taco a taco com os EUA e a China, segundo o Fundo Monetário Internacional. Uma nova investigação jornalística liderada pelo Le Monde, apelidada de OpenLux, revela o porquê: o centro financeiro do país alberga 55 mil empresas offshore, avaliadas num total de seis biliões de euros, algumas das quais sob suspeitas de atividade criminal.

A investigação tornou-se possível recentemente depois de os países da União Europeia terem chegado a acordo para tornar obrigatório a divulgação do beneficiário efetivo de cada veículo financeiro. A análise a essa lista relativa ao Luxemburgo levada a cabo por um consórcio de jornalistas, que foi publicada esta segunda-feira, revela que estão sediados no país fundos “questionáveis” com suspeitas de atividade criminal ou ligados a indivíduos visados por investigações judiciais.

É o caso de pessoas e empresas ligados à máfia italiana, ao partido italiano de extrema-direita Liga, à Rússia e à Venezuela. Para já, o consórcio só divulgou uma parte da investigação à base de dados, sendo que nos próximos dias serão publicadas peças sobre a relação entre os fundos sediados no setor financeiro luxemburguês e o setor imobiliário, a política e o crime.

Os números são impressionantes: a lista de beneficiários engloba 124 mil empresas e a maioria (quase 90%) controlados por estrangeiros de 157 nacionalidades diferentes. Os mais representados são os franceses com mais de 17 mil empresas. A investigação conseguiu também descortinar que pelo menos 279 dos mais de dois mil bilionários da lista da Forbes têm empresas no Luxemburgo.

A investigação esclarece que o Luxemburgo deixou de dar grandes descontos fiscais às multinacionais após o escândalo do LuxLeaks (outra investigação jornalística) de 2014. Porém, o país “manteve-se um viveiro para o planeamento fiscal de empresas e indivíduos ricos através de regimes fiscais preferenciais”, o que “encoraja, em alguns casos, abusos e, possivelmente, fraude”.

De acordo com Gabriel Zucman, professor da Universidade da Califórnia que estuda paraísos fiscais, os estrangeiros abrem empresas no Luxemburgo por uma razão: “Para separar os ativos de si próprios, criando opacidade financeira e tornando mais difícil a investigação das autoridades“, explica ao consórcio OCCRP, afirmando que esse “é o principal serviço fornecido por este segmento da indústria financeira” como a do Luxemburgo.

A investigação do Le Monde levanta outro problema que é a falta de profissionais entre as autoridades luxemburguesas competentes para fiscalizar estas atividades financeiras: o supervisor financeiro do Luxemburgo (Financial Sector Supervisory Commission) tem “apenas” 900 funcionários para vigiar um setor que corresponde a 25% da economia do país.

Do que se sabe atualmente, não há dados relativos a Portugal nesta base de dados. Pedro Marques, eurodeputado do PS, reagiu ao “novo escândalo” no Twitter, afirmando que este “volta a demonstrar como os esquemas fiscais continuam a minar o espírito europeu de solidariedade e interdependência“.

Governo luxemburguês nega irregularidades e diz que investigação faz um “retrato injustificado” do país

Em reação à investigação, o Governo luxemburguês liderado por Xavier Bettel “refuta as variadas alegações”, assegura que cumpre todas as regras e padrões de transparência da União Europeia e argumenta que os autores “fazem um número de afirmações sem fundamentação” sobre o centro financeiro do país. “Nem a UE nem a OCDE identificaram algum regime ou práticas fiscais prejudicais no Luxemburgo”, garante.

O Luxemburgo não fornece regimes fiscais favoráveis a multinacionais, nem a empresas digitais, as quais têm de obedecer às mesmas regras e legislação que outras empresas“, assegura o Governo do Grão-Ducado, revelando que duplicou o número de funcionários dedicados ao centro financeiro nos últimos sete anos para os atuais mil, o que diz ser um “número elevado mesmo em termos absolutos e compatível com outros grandes centros financeiros”. Segundo o Executivo, a equipa focada na luta contra a lavagem de dinheiro aumentou 46% nos últimos três anos.

O que justifica, então, o elevado número de empresas sediadas no país? O Executivo argumenta que é a eficiência da sua administração, a qualidade dos seus profissionais, o elevado grau de abertura da sua economia e a sua especialização no setor financeiro. Estes são os “ingredientes” que fazem do Luxemburgo um dos países em que as empresas têm sede para “centralizar as suas atividades financeiras internacionais, desde o financiamento de empresas à gestão centralizada de dinheiro”.

Em suma, “o Luxemburgo rejeita as alegações feitas nestes artigos assim como o retrato completamente injustificado do país e da sua economia”.

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