Reabertura da economia tira fôlego ao comércio eletrónico

A pandemia acelerou as vendas na internet, mas o desconfinamento pôs um travão. Empresas de pagamentos e de encomendas não estão com medo: quem aprendeu a comprar online apanhou-lhe o jeito.

Que a pandemia acelerou o comércio eletrónico em Portugal e no mundo, disso ninguém tem dúvidas. Mas a reabertura iniciada em abril, depois do segundo confinamento, quebrou o ritmo de crescimento. É intuitivo: com muitas lojas fechadas em fevereiro e março, os portugueses tiveram poucas alternativas à compra online. Após o desconfinamento, deu-se uma quebra nas vendas pelos canais digitais, disseram ao ECO vários operadores deste setor. Os números continuam a ser, ainda assim, muito superiores ao pré-covid.

Dados das transações online cedidos pela HiPay, uma empresa de pagamentos, tanto de numerário como de volume, põem a descoberto essa mesma correção (ver gráficos). Em março, os portugueses gastaram 63,9 milhões de euros em transações via Multibanco (entidade/referência) e mais 6,57 milhões de euros através do MB Way (aplicação de pagamentos) na rede HiPay, o que corresponde, respetivamente, a 1,26 milhões e 136,9 mil transações. Em maio, mês em que o desconfinamento já foi mais marcado, o valor das transações caiu 32% no caso do Multibanco e 21% no caso do MB Way.

“Considerando as transações e volume de vendas no Multibanco e MB Way, que são os dois métodos de pagamento mais utilizados em Portugal, identificamos um decréscimo nas compras online no pós-confinamento. A abertura de lojas desde o dia 5 e 19 de abril teve um impacto negativo nas compras online, como seria expectável”, explica ao ECO o presidente executivo da HiPay, Eduardo Barreto.

Transações na HiPay via Multibanco e MB Way em euros

Dados até 15 de junho. Fonte: HiPay

Volume de transações na HiPay via Multibanco e MB Way

Dados até 15 de junho. Fonte: HiPay

Apesar da queda, o setor está convencido de que muitos dos portugueses que aderiram ao comércio online em 2020 e 2021 não vão deixar de fazer encomendas quando a Covid-19 passar de pandemia a endemia. E a economia agradece. Há vários anos que Portugal surge na cauda da Europa no que toca às vendas pela internet.

Essa melhoria foi confirmada publicamente em maio por Vanda de Jesus, diretora executiva da Portugal Digital, uma estrutura de missão do Governo. Na conferência Advocatus Summit, referindo-se ao índice europeu de digitalização da economia e da sociedade (DESI), citou dados “preliminares”, ainda não divulgados, para indicar que o país melhorou “a posição relativa com a Europa” no que toca às vendas online pelas pequenas e médias empresas (PME), passando de 16.º para 11.º.

Antes disso, já os dados do inquérito anual do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostravam um pulo nunca antes visto no número de adeptos das compras digitais: “A percentagem de utilizadores de comércio eletrónico registou em 2020 o maior aumento da série iniciada em 2002, mais sete pontos percentuais que em 2019. Em 2020, 44,5% das pessoas dos 16 aos 74 anos fizeram encomendas pela internet nos 12 meses anteriores à entrevista e 35,2% nos três meses anteriores”, indicou o INE em novembro.

O instituto referiu ainda que aumentou “significativamente” o grupo de pessoas que fizeram entre seis e dez encomendas, um crescimento de 9,5 pontos percentuais. Mas mesmo os que fizeram entre três e cinco e os que fizeram mais de dez registaram subidas de, respetivamente, 4 e 6,9 pontos percentuais. E não foi só um aumento em volume. O valor médio gasto por encomenda aumentou em mais de 15,7 pontos percentuais para as encomendas entre 100 e 499 euros e mais 8 pontos percentuais para as encomendas de valor igual ou superior a 500 euros.

Para a operadora de pagamentos Sibs, com ou sem abrandamentos pontuais, a aceleração do comércio eletrónico não é uma tendência passageira. Se, antes da Covid-19, o comércio online representava apenas 9% do total das compras eletrónicas, “durante a segunda fase do segundo confinamento, em fevereiro de 2021, este valor atingiu um máximo histórico de 18% do total de compras eletrónicas”, avança ao ECO fonte do Sibs Analytics, o ramo de estatísticas da Sibs.

Não sendo uma tendência exclusiva das compras digitais — o consumo em geral tem vindo a disparar –, são as vendas online a registarem a subida mais expressiva. “Os dados do Sibs Analytics permitem concluir que o número total de compras físicas e online em Portugal atingiram no final de abril, pela primeira vez este ano, valores acima dos registados antes da Covid-19, quer em período homólogo, quer em comparação com os primeiros meses de 2020, caracterizado como o período pré-pandemia. Este crescimento deve-se sobretudo ao comércio online, que tem vindo a registar aumentos significativos ao longo da pandemia”, acrescenta a mesma fonte.

Assim, de acordo com a Sibs, em fevereiro de 2021, comparativamente com o período pré-pandemia, o MB Way chegou a registar quatro vezes mais compras e, na primeira semana da terceira fase de desconfinamento, manteve-se 3,6 vezes acima. “Entre 16 e 30 de maio de 2021, as compras online aumentaram 58% face ao mesmo período de 2020 e este crescimento é ainda mais claro se fizermos uma comparação com o período homólogo de maio de 2019: mais 106% de compras online em Portugal”, frisa fonte oficial da Sibs.

Para a empresa, todos estes números só podem dizer uma coisa. Demonstram “uma vez mais o crescimento da alteração estrutural dos hábitos de consumo” no sentido de “uma maior adoção do comércio digital, mesmo em cenário de desconfinamento”.

Sem mãos a medir, mas margem para respirar

Do lado de quem leva as encomendas até às casas dos portugueses, o volume de pacotes continua em forte alta. CTT e DPD, duas rivais no negócio do transporte de encomendas, confirmam-no. Mas se a loucura da Black Friday e das compras do Natal (5,8 milhões de encomendas, segundo cálculos do ECO) só não colapsou as redes por causa da preparação atempada destas empresas, há agora um pouco mais de margem para respirar.

Os CTT recordam que, depois de abril do ano passado, pico da primeira vaga da Covid-19, a correção no volume de encomendas foi “apenas” na ordem dos 15%, “o que demonstra uma manutenção da tendência de compra online“. Mas, mesmo assim, o nível continuou 52% acima da época de pico de 2019. Este ano, as “estimativas” da empresa postal apontam para uma correção mais acentuada. “Tendo como referência o pico da segunda fase de pandemia, em fevereiro/março, o ajustamento no sentido da baixa com o desconfinamento situa-se em cerca de 20-30%”, revela a companhia.

A queda não assusta a empresa, de todo: “Apesar desta redução, a adesão ao e-commerce é muito expressiva. Tendo em conta a série dos últimos dois anos, entre maio de 2019 e maio de 2021, o crescimento foi de cerca de 140%, ou seja, cerca de 54% ao ano”. “Continuamos, assim, claramente num patamar de desenvolvimento do e-commerce em Portugal que foi fortemente acelerado pela pandemia e estimamos que o crescimento no último ano ronde o que se verificou nos últimos cinco anos (entre 2015-2019)”, remata fonte oficial dos CTT.

O grupo centenário tem bons motivos para estar contente. O seu principal negócio, a entrega do correio, foi fortemente castigado pela chegada das mensagens instantâneas e do email na era da internet. Agora, o mesmo fator que o prejudicou significativamente na última década promete alimentar o novo filão de negócio para a empresa: entre janeiro e março de 2021, os CTT obtiveram receitas de 63,4 milhões de euros com o negócio de Expresso e Encomendas, um crescimento de 70,1% face ao mesmo trimestre de 2020. Já falta pouco para as encomendas ultrapassarem o correio: no mesmo período deste ano, os CTT geraram 107,8 milhões com o correio, uma queda homóloga de 1,5%.

A DPD, antiga Chronopost, não entrega correio. Mas é forte nas encomendas. E também confirma ao ECO o abrandamento do comércio eletrónico depois do desconfinamento deste ano. “Este segundo trimestre tem sido pautado por uma redução efetiva do número de encomendas face ao anterior”, diz ao ECO o presidente executivo, Olivier Establet. “Mas sempre em valores acima do período pré-covid”, acrescenta.

Recuando um pouco, entre janeiro e março, a DPD registou um crescimento da atividade de 40% em volume e de 35% em receitas, “sendo que o segmento B2C [consumidores] mais do que duplicou de um ano para o outro”, acrescenta o gestor, revelando ainda que o segmento de B2B (empresas) “está próximo do nível pré-pandemia do ano passado”, inferior em apenas 5%.

“Desde o início da pandemia em Portugal que a DPD sentiu uma evolução rápida de diminuição dos fluxos B2B com o fecho das lojas de rua e nos centros comerciais, mas em contrapartida um acréscimo significativo dos fluxos de B2C, sobretudo para bens essenciais. Este aumento resultou do facto de que mais consumidores passaram a ficar em casa e a evitar sair para efetuar compras”, explica Olivier Establet. Nesse sentido, após o desconfinamento, houve de facto uma “redução” nas encomendas, mas o volume continuou “bastante acima” da era pré-Covid.

“No final do ano, período tradicionalmente mais forte de atividade entre a Black Friday e o Natal, houve um novo acréscimo muito mais significativo que o de anos anteriores, tendo ocorrido um inesperado incremento do número de encomendas que transitaram na nossa rede, oriundo do segundo confinamento já no primeiro trimestre de 2021”, conclui o responsável.

Numa altura em que duas em cada três empresas portuguesas já têm um site na internet, a tendência das vendas digitais só tem como continuar a crescer. Os dados do INE mostram que o consumidor médio de compras online é homem, tem idade entre 25 e 34 anos, vive na Área Metropolitana de Lisboa e frequenta o ensino superior. A principal categoria de produtos adquiridos pela internet é, de longe, “roupa, calçado ou acessórios de moda”, mas a das “refeições entregues ao domicílio ou levantadas em loja” está a ganhar terreno, à boleia, sobretudo, dos estafetas da Uber Eats e Glovo, no contexto do encerramento dos restaurantes.

Feitas as contas, muitos portugueses aprenderam a comprar online com a chegada da pandemia. E apanharam-lhe o jeito. Mas, para gáudio dos comerciantes de rua e das marcas de retalho, a ânsia de voltar às lojas não desapareceu por completo.

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