“Figital” e omnicanal, as grandes tendências do retalho pós-pandemia

  • Helena C. Peralta
  • 14 Novembro 2021

Apesar da aceleração dos processos com as necessidades criadas pela pandemia, o setor do retalho em Portugal dá ainda pequenos passos no caminho da digitalização.

As restrições sanitárias, foram, em boa parte, responsáveis pela aceleração da transformação digital no retalho, quer em Portugal quer um pouco por todo o mundo. Os últimos meses impuseram novas tendências, como o “figital“, que vieram para ficar.

“A pandemia veio alterar os hábitos de consumo das pessoas e acelerar o processo de transformação digital no setor do retalho. Hoje em dia, fazer compras online é o novo normal e já não vamos voltar atrás nesse aspeto. Atualmente, as empresas e até o pequeno comerciante, estão a adaptar-se à nova realidade porque sabem que só têm a ganhar se tiverem os seus produtos expostos numa montra digital, que chega a muito mais pessoas”, afirma Maria Amélia Teixeira, CEO da Insania.

A Insania é uma plataforma de e-commerce 100% nacional, que nasceu em 2010 e que disponibiliza produtos que vão desde os brinquedos aos artigos de moda, passando pela saúde, fitness e gadgets tecnológicos. Em 2020, esta plataforma ultrapassou os 3 milhões de euros de vendas, detém duas lojas físicas e já iniciou o seu processo de internacionalização para Espanha. Maria Amélia Teixeira defende que, se antes da pandemia o e-commerce já estava a dar sinais de crescimento, hoje em dia, esta forma de fazer compras está consolidada e é até privilegiada por muitos portugueses.

A nível mundial os números relativos a esta nova forma de fazer comércio são muito relevantes. Segundo dados recolhidos pela Statista no seu relatório E-Commerce World Wide 2021, este mercado vai valer, em 2024, cerca de 6,39 biliões de dólares (5,5 biliões de euros) em todo o mundo, num crescimento anual médio de 25%.

O relatório refere ainda que a parcela do e-commerce no negócio total do retalho, que foi de 18% em 2020, deverá ascender a 21,8% em 2024. Estima-se que, no final de 2021, cerca de 2,14 mil milhões de pessoas façam compras online, e os países com crescimentos mais acentuados nesta dinâmica são a Índia, a Espanha e a China.

Na União Europeia as compras online continuam a crescer a bom ritmo, sendo que 72% das pessoas que usaram internet (cerca de 89% do total) em 2020, fizeram compras online. Portugal, segundo mostram os dados da Eurostat, está ainda atrasado face à média europeia, uma vez que de entre as pessoas que usaram internet o ano passado (79%) apenas 45% realizou encomendas online.

Segundo um estudo sobre a economia digital em 2020 divulgado pela ACEPI – Associação Economia Digital, elaborado pela IDC, as empresas portuguesas aumentaram a sua presença online devido à pandemia, atingindo os 60% do universo empresarial, e que cerca de 52% das empresas de grande dimensão venderam online (cerca de 27% do total das empresas). Porém, este estudo também revela que apenas 25% das empresas que fazem comércio eletrónico integraram a loja física com a loja online. O estudo da ACEPI/IDC estima ainda que o valor do comércio eletrónico em Portugal tenha ultrapassado os 103 mil milhões de euros no final de 2020.

São ainda pequenos os passos nacionais nesta demanda, mas é certo que a transformação do retalho está em marcha. “Quem não tinha por hábito comprar online e experimentou durante os confinamentos ficou a conhecer um método alternativo, mais prático e seguro de fazer compras sem sair de casa. Considero que todos estamos mais conscientes desta realidade e, para muitos, já é completamente adquirida”, explica Maria Amélia Teixeira.

"A mudança de mentalidade aconteceu quando os processos se tornaram oleados e o consumidor começou a confiar nesta nova forma de comprar.”

Mara Martinho

Senior consultam da Michael Page

Mara Martinho, senior consultant da Michael Page, assinala que para as empresas foi uma corrida contra o tempo e contra os recursos poucos especializados que detinham para fazer acontecer no momento o que estava planeado a médio-longo prazo. “A mudança de mentalidade aconteceu quando os processos se tornaram oleados e o consumidor começou a confiar nesta nova forma de comprar. Hoje em dia são incontáveis as empresas que, por exemplo, já têm o histórico de compras online, os talões, os dados do consumidor previamente guardados” explica a consultora.

“Embora alguns retalhistas comecem a dar cada vez mais importância às competências digitais, outros ainda têm um longo caminho a percorrer. Acredito que nos próximos dois anos, o cenário vá mudar significativamente e o nosso país começará a incentivar e a investir na modernização e inovação para que, assim, se comece a aproximar da média europeia no que diz respeito aos números de e-commerce”, considera, por sua vez, a CEO da Insania.

Maria Amélia Teixeira refere que o consumidor é cada vez mais informado e consciente dos seus direitos, e por isso, para além da adaptação necessária face à evolução da sociedade, tem de haver também uma adaptação ao novo consumidor. Assim, as empresas deste setor têm de estar atentas às novas tendências, mas sempre com o foco na definição de estratégias de negócio direcionadas para clientes cada vez mais exigentes.

Transição digital não é apenas e-commerce

O e-commerce, apesar ser muito relevante, é apenas uma das vertentes desta transição digital, já que as lojas físicas estão também elas a adaptarem-se aos novos consumidores. Muitos são os bons exemplos de tecnologias a serem aplicadas às novas formas de comercializar produtos.

O Continente Labs abriu, em maio último, em Lisboa, a sua primeira loja sem caixas, uma espécie de loja laboratório de novas funcionalidades tecnológicas. “Como o nome indica, a loja é uma incubadora de experimentação, em que a tecnologia é posta ao serviço do cliente para tornar a compra mais simples, autónoma e rápida. Após refinarmos as funcionalidades da aplicação Continente Labs com a ajuda dos clientes nestes primeiros meses, vamos agora integrar esses serviços na aplicação Cartão Continente que conta já com mais de 1,5 milhões de utilizadores, que desta forma apenas precisarão desta aplicação para aceder à loja”, explica fonte oficial da Sonae MC.

A Sonae MC abriu em maio a sua primeira loja em que é o consumidor que faz o check out, através do smartphone.

A empresa afirma ainda que “mantemos a missão de criar alternativas viáveis e inovadoras que agilizem o processo de compra sem retirar benefício ao cliente. Orgulhamo-nos da inauguração da loja Continente Labs, a primeira em todo o mundo de uma marca europeia, 100% cashierless, que utiliza um conceito tecnológico onde não são precisas caixas ou qualquer registo dos produtos durante ou após a compra”. Recorrendo à tecnologia da start-up portuguesa Sensei, o carrinho de compras virtual vai sendo montado à medida que o consumidor retira os produtos da prateleira, com recurso a tecnologia machine vision. A loja, inspirada na Amazon Go, está equipada com 23 câmaras e 400 sensores que fazem a deteção dos artigos recolhidos e dos artigos repostos nas prateleiras.

Também a cadeia de supermercados Pingo Doce abriu a sua primeira loja sem caixas em Carcavelos, Oeiras, no campus universitário da Nova SBE, mas esta está centrada no self scanning, ou seja, os clientes usam o seu telemóvel para fazer o scanner dos artigos que levam e podem fazer o pagamento no final da compra com o seu smartphone. Todas estas tecnologias estão a mudar a experiência do consumidor no retalho tradicional. Fazer as compras de supermercado está a tornar-se numa experiência cada vez mais tecnológica.

O “figital” e as tecnologias mais utilizadas

A transformação do comércio passa não só pela venda exclusiva no online — como acontece com os grandes websites mundiais, casos da Amazon, Ali Baba ou Ebay — como pela integração dos marketplaces e pela digitalização das lojas físicas já existentes. Ou seja, deu-se o nascimento de um novo conceito, o “figital“, que remete para uma integração entre as lojas físicas e as digitais.

Os estudam apontam que a grande maioria dos clientes procuram vários canais antes de comprar e que muitas vezes acedem aos catálogos de produtos online para concretizarem a sua compra na loja física. Este conceito de “figital” liga com um outro cada vez mais utilizado, que é o omnicanal, ou seja, uma necessária presença em vários canais de vendas, sejam online ou offline. Os marketplaces são também um fenómeno em ascensão porque facilita a compra aos disponibilizarem o que o consumidor procura no mesmo espaço digital.

Inteligência Artificial, Machine Learning, Cloud Computing, Internet das Coisas (IoT) e Realidade Aumentada, são algumas das tecnologias que estão a facilitar toda esta integração. Além disso, a adopção da tecnologia tem também impacto positivo na sustentabilidade do planeta. Por exemplo, a Worten anunciou recentemente que vai apoiar o projecto europeu SATO – Self Assessment Towards Optimizations Of Building Energy para a melhoria da eficiência energética. Assim, através de Inteligência Artificial, a insígnia vai realizar análises autónomas de avaliação e otimização dos equipamentos existentes nos seus edifícios e lojas para, assim, reduzir o consumo energético. Será possível desta forma antecipar avarias, o desgaste de equipamentos e até resolver problemas mais complexos com equipamentos.

A inteligência artificial e o big data são tecnologias que estão a ser aplicadas no setor do retalho e têm, sem dúvida, um papel importante na gestão dos negócios e no crescimento das operações.

Maria Amélia Teixeira

CEO da Insania

Também os dados são hoje vistos como um dos principais ativos dos retalhistas e contribuem para a valorizar e aproximar cada vez mais a relação com o cliente. “A inteligência artificial e o big data são tecnologias que estão a ser aplicadas no setor do retalho e têm, sem dúvida, um papel importante na gestão dos negócios e no crescimento das operações”, explica Maria Amélia Teixeira. É esperado que as empresas de e-commerce comecem a apostar neste tipo de estratégias para prever o comportamento dos utilizadores nos sites, com o objetivo de otimizar a experiência de compra, com base nos hábitos e informações disponibilizados pelos consumidores.

Devido ao aumento da utilização de dispositivos móveis, e para garantir uma melhor experiência de compra ao utilizador, o investimento em aplicações é fundamental, acrescenta. Por exemplo, a cadeia de supermercados Lidl está a fazer uma forte campanha em parceria com a consultora imobiliária Remax, para a oferta de cheques oferta no valor de 150 a descontar em imóveis, concurso que é destinado a promover a utilização da app Lidl Plus.

Entre as várias tendências no retalho que se instalaram nestes últimos dois anos, Mara Martinho sublinha que “o click&collect é uma realidade que veio para ficar, os projetos 3D na compra de cozinhas, roupeiros ou similares, também, e se não olharmos só para Portugal, temos mesmo várias derivações da realidade aumentada que têm sido adotadas pelos retalhistas”.

A senior consultant da Michael Page sublinha que as mudanças deste setor estão assentes em dois pilares: comunicação e comodidade. “É notória a preocupação de uniformizar e agregar informação, além de a tornar rapidamente acessível e de simples leitura na relação retalhista-consumidor, mas também entre organização e retalhista”, afirma. Refere ainda que é, pois, importante, tornar cómodo todo o processo, não só de compra como de esclarecimento de dúvidas, de trocas e devoluções, entre outros.

Temos a certeza que o 5G irá revolucionar, para melhor, a experiência de compra do utilizador.

Maria Amélia Teixeira

CEO da Insania

“Não é preciso ir a muitos anos atrás para perceber que, por exemplo, houve uma clara aceleração nos prazos de entrega e isto deve-se muito a um sistema de transportadoras já bastante mais evoluído, mas também a procedimentos logísticos mais evoluídos, com suporte tecnológico por detrás”, detalha Maria Martinho. Outro exemplo da tecnologia aplicada à transformação do retalho resulta do crescimento das fintech, que trouxeram alterações nas formas de pagamento e tornaram este processo mais rápido, seguro e flexível, quer para quem compra quer para quem vende.

A quinta geração e comunicações móveis vai representar também uma mais-valia para o setor. “Infelizmente o 5G ainda não é uma realidade para Portugal. O nosso país está muito atrasado no que concerne a aplicação e regulamentação desta tecnologia. Temos a certeza que o 5G irá revolucionar, para melhor, a experiência de compra do utilizador, permitindo um novo mundo de possibilidades. Alguns players do mercado já estão a preparar-se nesse sentido e, por isso, acreditamos que, a seu tempo, todos teremos de estar preparados”, remata Maria Amélia Teixeira.

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