1 em cada 3 agentes de seguros abandonou atividade em 2021

Muitos mediadores individuais continuam a desistir de fazer seguros. Para outros mediadores e seguradores significa que a profissionalização avança. Veja o que faz agentes desistirem.

 

David Pereira (APROSE), Margarida Aguiar (ASF), Galamba de Oliveira (APS): Um acordo tácito no caminho para uma maior profissionalização dos agentes de seguros.

Os agentes de seguros significam cerca de um terço das vendas em Portugal, um valor estimado em 3,5 mil milhões de euros de negócio que angariam para as seguradoras e o seu desempenho nos ramos Não Vida é por demais evidente. No entanto, o seu número tem vindo a decrescer constantemente há décadas. Em 2021 atingiu-se o valor mais baixo de sempre. Eram 22.048 em 2012 e agora, dez anos depois, são apenas 8.184, só no ano passado a quebra foi de 33% relativamente ao ano anterior.

Num outro sentido aumentaram as empresas de mediação, são agora 3.748, mais 1200 que há dez anos, um aumento de 45%. Este movimento inverso justifica parte deste fenómeno de quebra do mediador individual. Estes são alguns dados do estudo sobre Mediação agora publicado pela ASF, entidade supervisora do setor, que faz um retrato evolutivo do setor dos agentes dos seguros por idade, região, género ou escolaridade.

A ASF, contactada por ECOseguros, explica que “por força da entrada em vigor do regime jurídico da distribuição de seguros e de resseguros (RJDSR), aprovado pela Lei n.º 7/2019, de 16 de janeiro, em 21 de janeiro de 2019, os 8444 mediadores de seguros ligados que, no regime anterior, estavam registados como tal, ficaram automaticamente inscritos no registo como agentes de seguros ou, mas de forma residual, como mediadores de seguros a título acessório”.

A entidade supervisora acrescenta que “passaram a ser aplicáveis a estes mediadores as exigências inerentes à nova categoria, nomeadamente a de terem de dispor de seguro de responsabilidade civil profissional, facto que se aponta como o principal motivo do aumento significativo dos pedidos de suspensão e cancelamento que se verificou em 2019 e que estará relacionado com o valor do prémio a pagar pelo seguro (bem como os demais custos inerentes à manutenção da atividade) não justificar manter carteiras de seguros sem expressão”.

Para David Pereira, presidente da APROSE, a associação que junta os mediadores e corretores em Portugal, explicação de base é só uma: envelhecimento dos profissionais. Pensa que este movimento de redução dos mediadores em Portugal ainda não vai parar: “vai estabilizar – adicionando individuais e empresas – nos 8 ou 9 mil operadores no total”, prevê, à medida que os antigos angariadores vão abandonando a atividade.

As companhias convivem bem com o fenómeno. Segundo José Galamba de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Seguradores (APS), “a quebra no número de mediadores individuais ativos em Portugal é uma tendência já com alguns anos, embora seja evidente que se acentuou com a entrada em vigor da nova lei da distribuição de seguros”. A nova lei – refere o presidente da APS – foca “numa maior profissionalização da profissão e nesse sentido foram criados novos requisitos, como o processo de conformação, a exigência de seguros de responsabilidade civil ou a obrigatoriedade de um conjunto de horas de formação anual”.

Os requisitos legais para exercer atividade de mediação foram aumentados com a Lei nº 7/2019 e a norma regulamentar n.º 6/2019-R, resultado de uma diretiva da União Europeia para regular a distribuição de seguros. Desta nova legislação resultou a necessidade de conformação dos profissionais, ou seja, os mediadores precisaram de voltar a frequentar com êxito módulos de formação o que tem custos económicos e disponibilidade intelectual que nem todos estão dispostos a suportar. Mais, ficam obrigados a, todos os anos, receberem 15 horas de formação e, como diz David Pereira, “não são cursos relacionados com um novo produto de seguro, é mesmo formação fundamental”.

Também a necessidade de dispor de um seguro de responsabilidade civil (RC) com um capital total próximo de 2 milhões de euros, resulta da nova legislação. É um valor muito elevado para uma responsabilidade profissional e implica custos de cerca de 300 euros por ano para um mediador. Acontece que as próprias seguradoras estão a mostrar desinteresse por aceitar esse risco, consideram que a possibilidade de um erro ser atribuído ao mediador, por uma cobertura ou apólice incorreta, são elevadas. A solução que os mediadores têm encontrado é a inscrição na própria APROSE em que um seguro RC faz parte do pacote de benefícios dos mediadores associados.

60% dos desistentes com remunerações inferiores a 100 euros por ano

A ASF também refere essa limitação: “Em 2021 foi cancelado o registo de 4560 mediadores, sendo 3600 desses cancelamentos motivados por falta de seguro de responsabilidade civil profissional”, fazendo notar que “entre os mediadores cancelados em 2021 por este motivo, cerca de 60% tinham remunerações anuais inferiores a 100 euros”.

Outro fator apontado para a diminuição do número de mediadores ativos está na continuidade do negócio para novas gerações que nem sempre valorizam esta carreira. David Pereira confirma existirem profissionais “à procura de uma fusão dos negócios com outros mediadores, a possibilidade de interessarem as corretoras instaladas em Portugal pelas suas carteiras e mesmo de se venderem empresas de mediação cujo negócio apresenta uma dimensão que, não sendo grande nem pequena, não compensa conservar como está”. Também Galamba de Oliveira aponta esse motivo, “a procura de massa crítica das carteiras de modo a obter sinergias de eficiência também justifica a evolução do número de mediadores ativos”, conclui.

O estudo aprofundado e atualizado sobre a atividade de mediação em Portugal publicado pela ASF levanta questões importantes. A primeira é de que a idade média dos mediadores se tem mantido, na última década, entre os 51 e os 53 anos. Outra é que, em 2021, apenas 9% dos mediadores inscritos na ASF tinha menos de 35 anos. Nota-se alguma dificuldade de renovar a classe profissional.

Fontes do mercado contactadas por ECOseguros assinalam que a fraca adesão dos mais jovens ou abandonos de atividade não se devem a falta de atratividade económica ou baixo comissionamento de vendas para os mediadores de seguros, nem sequer a concorrência dos novos canais digitais. A digitalização em si é um problema para alguns mediadores mais antigos, numa altura em que as seguradoras colocam cada vez mais ação digital do lado da mediação tal como emissão de documentos, efetuar simulações, gerir sinistros ou gerir cobranças.

O movimento de redução de mediadores individuais deverá continuar. Depois de um estado de graça concedido pela ASF devido à pandemia Covid-19, o supervisor alerta que está “em fase de conclusão o processo de verificação do cumprimento da exigência de conformação da qualificação adequada aplicável aos mediadores que transitaram do regime anterior, o que levará, a curto prazo, ao cancelamento de um número também elevado de mediadores”. E acrescenta que “também nesta sede se admite que a pequena dimensão das carteiras e os custos associados à formação, sejam os principais motivos para os mediadores não realizarem o curso de conformação”. Para muitos profissionais ainda no ativo cumprir estas obrigações legais deverá ser o motivo que falta para se reformarem da atividade.

David Pereira conclui que é uma seleção natural que fortalece os que ficam, do lado dos seguradores também não esperam que o negócio seja afetado. E, embora se verifique algum aumento da escolaridade média dos agentes, o presidente da APROSE continua a lamentar que ainda não tenha surgido uma licenciatura ou uma especialização superior na área dos seguros.

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