Empresas fixam salário de entrada acima do SMN. Mas há colaboradores que levam ainda menos dinheiro para casa

Um colaborador solteiro e sem filhos que seja aumentado para os 720 euros levará para casa no final do mês 613,25 euros líquidos, menos 14,20 euros do que se recebesse o Salário Mínimo Nacional.

Do Grupo Nabeiro à Super Bock, passando pelo Pestana Hotel Group ou Spal Porcelanas, são já várias as empresas que têm vindo a anunciar aumentos nos salários de entrada dos seus colaboradores, fixando a remuneração mínima praticada internamente acima do Salário Mínimo Nacional (SMN). A intenção é aumentar a qualidade de vida das pessoas, recompensando o seu esforço, mas casos em que essa recompensa não chega aos bolsos dos colaboradores. Ser aumentado nem sempre significa levar mais dinheiro para casa no final do mês. Pode mesmo significar o contrário.

“Existem de facto situações em que o contribuinte, recebendo um vencimento mensal ligeiramente superior ao Salário Mínimo Nacional, passa a auferir um rendimento líquido mensal menor”, começa por explicar a EY à Pessoas. “De acordo com os cálculos realizados, este efeito concentra-se essencialmente em sujeitos passivos solteiros e sem filhos”, continua a consultora.

Uma vez que deixam de receber o SMN, os colaboradores deixam também de estar isentos de retenção na fonte de IRS, levando assim poucos mais euros líquidos para casa do que se recebessem os 705 euros. Ou passando a receber até um salário líquido mais baixo, apesar do aumento.

Segundo as simulações feitas pela EY para a Pessoas — que refletem a aplicação das novas tabelas de retenção na fonte de IRS para 2022, publicadas pelo Despacho n.º 2390-B/2022 de 23 de fevereiro — um colaborador solteiro e sem filhos que receba o salário mínimo nacional — 705 euros — leva atualmente para casa 627,45 euros (depois de 77,55 euros descontados para a Segurança Social). Neste caso, não há nada mais a descontar pois o indivíduo está isento da componente da retenção na fonte.

Agora, imaginemos que este mesmo colaborador trabalha numa das empresas que decidiu aumentar o salário de entrada para os 725 euros, situando-se 20 euros acima do SMN. Apesar do aumento, em termos líquidos este profissional passa a receber 613,25 euros, menos 14,20 euros do que antes. Isto porque agora, além dos 11% descontados para a Segurança Social, tem de proceder à retenção na fonte.

E mesmo que o seu salário bruto seja aumentado para os 760 euros, este colaborador continuará a receber menos em termos líquidos do que se ganhasse o SMN. Esse efeito penalizador apenas deixa de se verificar em rendimentos mensais brutos acima dos 773,54 euros (627,45 euros líquidos). Ainda assim, neste caso, apesar de a empresa proceder a um aumento de 68,54 euros mensais, o colaborador fica com o mesmo valor que tinha quando recebia o equivalente ao SMN.

Veja aqui as simulações feitas pela EY no caso de colaboradores solteiros e sem filhos, com rendimentos mensais brutos de 705, 725, 760 e 830 euros.

“Cumpre contudo notar que, apesar de o rendimento líquido mensal ser em algumas situações inferior, tal não significa que o sujeito passivo não tenha um rendimento líquido anual superior”, salienta a consultora.

“Notamos que, no cálculo do IRS devido anualmente pelos contribuintes, teremos de atender ao mínimo de existência, nos termos do disposto no Artigo 70.º do Código do IRS, pelo que, em alguns destes casos, os contribuintes irão reaver parte ou mesmo a totalidade das retenções na fonte de IRS praticadas pelo seu empregador”, explica.

Já no caso dos indivíduos que, embora também sem filhos, sejam casados, o cenário não é tão penalizador. Para se verificar de facto um aumento no rendimento líquido bastaria que o seu salário bruto mensal aumentasse para os 760 euros. Neste caso, passaria a colocar 651,40 euros ao bolso, mais 23,95 euros líquidos por mês do que quando recebia o SMN.

Apenas quando se trata de indivíduos com filhos é que esta descida salarial em termos líquidos não se verifica. Quer sejam solteiros ou casados, desde que tenham, pelo menos, um filho, os colaboradores nestas circunstâncias veem, de facto, os seus ordenados líquidos aumentarem com uma eventual subida no salário mínimo de entrada.

Vejamos este exemplo: um colaborador solteiro com dois filhos que passa a receber 725 euros brutos mensais leva para casa 645,25 euros (em vez dos 627,45 euros). Uma pessoa casada com dois filhos que tenha recebido o mesmo aumento salarial leva para casa exatamente o mesmo valor (645,25 euros).

Contudo, a partir deste valor bruto, o sujeito casado começa a ficar beneficiado em relação a um colega que, embora com o mesmo número de filhos, seja solteiro.

Aumentos salariais (não chegam) para atrair talento

Os aumentos na remuneração mínima garantida aos colaboradores têm ocorrido, sobretudo, no retalho e grande distribuição, indústria, turismo e construção, aponta Mário Gonçalves, head of Hays Response. “Esta dinâmica assenta na escassez de mão-de-obra disponível para as necessidade que o mercado tem vindo a demonstrar. Por outro lado, a disponibilidade dos profissionais para mudar de emprego está bastante abaixo do número de empresas que querem recrutar, por isso, a atração e retenção de talento tem-se tornando um grande desafio para as empresas”, explica.

Com base nestes pressupostos, a pressão salarial tende a aumentar principalmente em setores onde existe maior escassez de talento. “Isto leva a que as empresas tenham de encontrar novas formas de atrair profissionais e o aumento do salário base de entrada é uma dessas estratégias e que se pode revelar bastante eficaz”, defende Mário Gonçalves.

Apesar de concordar que a componente económica salarial é fundamental na atração e retenção de talento, o diretor da Robert Walters Portugal acredita que o salário emocional pode ser determinante. “As pessoas mudam de emprego quando as suas expectativas de equilíbrio entre projeto, salário, benefícios e vida pessoal são alcançadas. Se algum destes estiver em falta, pelo menos um dos outros aspetos precisa de ser forte o suficiente para compensar. E geralmente, o salário é a variável que pode ser ajustada mais facilmente”, refere François-Pierre Puech.

As conclusões do estudo “What Workers Want”, realizado pelo ManpowerGroup em 2021, apontam precisamente nesta direção. Além de um salário competitivo, os trabalhadores de hoje valorizam também um emprego desafiante, a oportunidade de desenvolverem as suas competências e potenciar as suas carreiras. A isto, alia-se a valorização da formação contínua, com 79% dos trabalhadores de empresas que oferecem formação a colaboradores a afirmarem estarem satisfeitos com o seu trabalho, ao contrário de 61% dos trabalhadores das empresas que não o fazem.

As pessoas mudam de emprego quando suas expectativas de equilíbrio entre projeto, salário, benefícios e vida pessoal são alcançadas. Se algum destes estiver em falta, pelo menos um dos outros aspetos precisa de ser forte o suficiente para compensar.

François-Pierre Puech

Diretor da Robert Walters Portugal

“Segundo o mesmo estudo, os profissionais também encaram cada vez mais a flexibilidade e o controlo sobre os próprios horários como fundamentais ao seu bem-estar. A flexibilidade encontra-se mesmo entre as três principais prioridades para trabalhadores de todas as idades, géneros e geografias, assim como a autonomia, através do recurso a um modelo híbrido que contemple a possibilidade de trabalhar remotamente alguns dias por semana“, acrescenta Rui Teixeira, chief operations officer do ManpowerGroup.

Num mercado que é cada vez mais candidate-driven, todas as medidas que visem melhorar as condições de trabalho dos colaboradores vão certamente contribuir para atrair e reter talento. Mas oferecer um vencimento mais elevado “não é suficiente”. “Muito terá de ser feito”, defende também André Ribeiro Pires, chief operating officer da Multipessoal.

“Hoje em dia, são os colaboradores que escolhem as empresas e não o contrário, e esta mudança de paradigma obriga a que os empregadores encontrem novos desafios no sentido de garantir a sua atratividade e o interesse das funções e benefícios oferecidos. Diria que esta é uma missão contínua para os próximos anos e não pode ser reativa apenas. Desenvolver lideranças, garantir equidade e evoluir continuamente as condições de trabalho são medidas essenciais para a atratividade e competitividade das empresas, e deverão constar na lista prioridades das mesmas para dar resposta à atual realidade do mercado”, resume.

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