Governo anuncia apoios ao crédito à habitação. O que muda

Se está a pensar amortizar o crédito à habitação, espere pelo próximo ano. Mas se estiver em vias de entrar numa situação de incumprimento, comece já hoje a negociar com o seu banco.

A prestação da casa é a despesa maior no orçamento de muitas famílias portuguesas. E está a ter um peso cada vez maior à medida que as taxas de juro dos contratos de crédito à habitação são atualizadas.

Num crédito à habitação de 100 mil euros a 30 anos indexado à taxa Euribor a 12 meses e com um spread de 1,2%, que tenha sido atualizado no início deste mês, a prestação passou de 308 euros para os atuais 424 euros. Trata-se de um aumento de 116 euros (38%) que, se nada for feito, terá de ser encaixado no orçamento familiar durante os próximos 12 meses até próxima revisão da taxa.

Para ajudar as famílias a mitigar o efeito do aumento da prestação do crédito à habitação no orçamento familiar, por conta de uma contínua subida das taxas de juro, o governo pretende levar avante duas políticas:

  1. Eliminar temporariamente a comissão de amortização antecipada do crédito à habitação;
  2. Criar um mecanismo que promova o dever dos bancos a tomarem a iniciativa de apresentarem uma solução alternativa às famílias quando estas se encontrem numa situação financeira de limite que as coloque próximo de entrarem em incumprimento.

No papel, as medidas explanadas ontem no Parlamento pelo secretário de Estado do Tesouro João Nuno Mendes parecem ir ao encontro do objetivo de gerar maior folga no orçamento das famílias. Mas, na prática, poderão acabar por ser paliativos sem profundidade para servirem de apoio efetivo às famílias que se encontram numa situação de maior aperto. Mas vamos por partes.

Eliminação temporária da comissão de amortização

No plano da gestão das finanças pessoais das famílias, a amortização do crédito à habitação é a solução mais eficaz para baixar a prestação da casa: não só alivia imediatamente o orçamento mensal na mesma proporção que o abatimento da dívida (se amortiza 50% do montante em dívida, a prestação da casa cai também em 50%), o montante dos juros a pagar ao longo do contrato é também reduzido.

E foi por essas vantagens que, no ano passado, mais de 132 mil famílias amortizaram o seu crédito à habitação (mais 28% do que em 2020), segundo dados do Banco de Portugal. E nem o custo associado a esta operação as travou: um crédito à habitação indexado à taxa variável obriga ao pagamento de uma comissão de reembolso antecipado de 0,5% e no caso dos contratos indexados à taxa fixa a comissão é de 2% sobre o capital amortizado.

Com vista a estimular que mais famílias amortizem parcialmente ou totalmente o crédito à habitação, o Governo anunciou a intenção de suspender temporariamente, durante 2023, esta comissão.

No ano passado, segundo dados do Banco de Portugal, o valor médio de cada reembolso total ou parcial do crédito à habitação foi de 43.537 euros. Considerando que no final de 2021 os contratos a taxa variável representavam 91% do saldo em dívida, a ordem de grandeza da comissão de amortização do crédito à habitação foi de 218 euros.

É certo que 218 euros não é um montante irrelevante, mas será que é por deixar de pagar uma comissão de 0,5% (500 euros por cada 100 mil euros de capital amortização) que uma família toma a decisão de resgatar parte substancial das suas poupanças para abater o crédito à habitação? A questão está a montante: Para amortizar o crédito, as famílias necessitam de ter liquidez disponível para pagar a dívida, e as famílias que hoje têm essa liquidez não são as que se encontram numa situação de maior aflição.

Outro argumento do governo para colocar em prática esta medida é que ao suspender temporariamente a comissão de amortização do crédito estará a estimular uma maior concorrência no mercado bancário, pois retira das famílias um encargo que teriam de ter.

Porém, também é certo que hoje já vários bancos assumem este custo, assim como todos os outros custos associados à contratualização do novo contrato de crédito à habitação quando o contrato é transferido para outra instituição. É isso que faz, por exemplo, a Caixa Geral de Depósitos e o Santander, dois dos maiores players neste mercado.

Não há dúvidas que entre as várias alternativas que as famílias têm para baixar a prestação do crédito à habitação, a amortização do crédito é a mais eficaz. O único inconveniente é que para seguir esta estratégia é necessária liquidez. Se for o seu caso, espere pela entrada em 2023 para amortizar o crédito. Pelo menos é menos uma despesa que não tem de pagar.

Efeito na prestação da amortização

A prestação da casa cai na mesma proporção do abatimento da dívida. Num crédito à habitação de 100 mil euros a 30 anos indexado à taxa Euribor a 12 meses e com um spread de 1,2%, a prestação do crédito é de 424 euros. Por cada amortização de 10 mil euros (10% do montante em dívida), a prestação tem um alívio de 10%.

Nota: Para efeitos de cálculo considerou-se uma taxa Euribor de 1,851%.

Renegociação dos contratos por iniciativa dos bancos

A segunda medida anunciada pelo secretário de Estado do Tesouro no Parlamento promove a renegociação dos contratos de crédito à habitação de famílias com maiores dificuldades financeiras.

O diploma que o Governo colocou à discussão assenta no princípio da criação de um mecanismo que coloque a iniciativa do lado dos bancos, na disponibilização de uma solução mais vantajosa para os seus clientes que se encontrem numa situação periclitante de entrarem em incumprimento, sem prejuízo de isso gerar um agravamento do custo do crédito no futuro.

O “ponto de alarme” para se avançar para esta situação poderá passar pela definição de um limite da taxa de esforço (rácio entre o rendimento mensal da família e as suas despesas), que o Banco de Portugal recomenda que não ultrapasse os 50%.

No âmbito desta medida, os bancos podem, por exemplo, propor um alargamento temporário da maturidade do contrato, baixando assim a prestação do crédito. Por exemplo, num crédito à habitação de 100 mil euros a 20 anos indexado à taxa Euribor a 12 meses e com um spread de 1,2%, a extensão de mais 10 anos no contrato traduz-se num alívio mensal de 133 euros.

A renegociação do crédito à habitação por via da extensão das maturidades é algo que já existe e os bancos até têm mostrado alguma abertura nesse sentido, sobretudo após o fim das moratórias, não carregando nem penalizado mais os clientes com revisões de taxas ou pagamento de comissões. O que esta medida traz é uma maior responsabilização por parte dos bancos para evitarem que as famílias entrem em incumprimento.

Esta mudança não é apenas um pormenor de semântica. Entre 2019 e 2021, segundo dados do Banco de Portugal, 12% dos contratos de crédito à habitação que foram renegociados apresentavam situações de incumprimento no crédito à habitação ou noutro crédito na mesma instituição bancária. Só no ano passado, o número de contratos de crédito à habitação renegociados em que o mutuário estava em situação de incumprimento aumentou mais de 26,6%. Foram quase 3770 contratos nestas situações.

No entanto, o efeito prático desta medida pode ter um efeito menor do que seria esperado, em função das medidas macroprudenciais emitidas este ano pelo Banco de Portugal, que estabelecem, entre outras, limites de idade dos mutuários na contratualização dos créditos.

De acordo o regulador, o prazo máximo dos contratos de crédito à habitação e de outros créditos com garantia hipotecária ou equivalente celebrados a partir de 1 de julho de 2018 não devem ser superiores a 40 anos, no caso de clientes com idade inferior ou igual a 30 anos; 37 anos, no caso de clientes com idade superior a 30 anos e inferior ou igual a 35 anos; e 35 anos, no caso de clientes com idade superior a 35 anos.

Considerando que, segundo o Banco de Portugal, no final de 2021, a maioria dos contratos de crédito à habitação (64,4%) tinha prazos iniciais entre os 25 e os 40 anos e que, por norma, as famílias procuram contratualizar o crédito pelo prazo máximo permitido, a limitação de idade dos mutuários apontada pelo Banco de Portugal pode travar um efeito maior desta medida.

A novidade que pode surgir do diploma do Governo, que começa agora a ser discutido com os partidos políticos e regulador, é a abertura temporária destas balizas de tempo, por forma a alongar a maturidade para lá do valor máximo permitido e, assim, as famílias pagarem uma prestação mais baixa.

Impacto do alongamento da maturidade

Num crédito à habitação de 100 mil euros a 20 anos indexado à taxa Euribor a 12 meses e com um spread de 1,2%, a prestação do crédito é de 557 euros. Alongar a maturidade do contrato em 20 anos pode valer uma poupança mensal de 35%.

Nota: Para efeitos de cálculo considerou-se uma taxa Euribor de 1,851%.

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