Exclusivo Câmaras aumentam dívida e perdem independência financeira em 2021

Anuário Financeiro dos Municípios identifica 20 câmaras que furaram limites de endividamento em 2021. Ainda assim, dívida total dos 308 municípios estão abaixo dos limites fixados na lei.

As contas das autarquias sofreram o ano passado uma ligeira degradação. A dívida total aumentou e a independência financeira diminuiu face a 2020, apesar de o setor autárquico ter dado um contributo positivo para o equilíbrio orçamental das contas do Estado. O Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses revela que a dívida total das câmaras ascendeu a 4,12 mil milhões de euros em 2021, um agravamento de 48,7 milhões de euros face ao ano anterior. Nestas contas não estão, contudo, incluídas as dívidas de outras entidades do grupo autárquico, nem são excluídas as exceções que não relevam para o limite da dívida.

O estudo, que é apresentado esta segunda-feira, revela que ainda persistiram 20 municípios que poderão ter furado o limite do endividamento previsto na lei. A dívida total de operações orçamentais do município, incluindo serviços municipalizados e intermunicipalizados, não pode ultrapassar, a 31 de dezembro de cada ano, 1,5 vezes a média da receita corrente líquida cobrada nos três exercícios anteriores. O valor é exatamente o mesmo que em 2020.

A essas câmaras deveria “ter-lhes sido reduzido, no exercício subsequente, pelo menos 10% do montante em excesso, até que aquele limite fosse cumprido“. Além desta sanção, estes municípios deveriam “contrair empréstimos para saneamento financeiro, tendo em vista a reprogramação da dívida e a consolidação de passivos financeiros”, defende Maria José Fernandes, que coordena este estudo.

Oito municípios entre os 20 identificados apresentaram em 2021 “um montante da dívida, excluindo empréstimos, superior a 0,75 vezes a média da receita corrente líquida cobrada nos três exercícios anteriores”, e por isso também deveriam “ter requerido o saneamento financeiro, com aplicação do respetivo plano de saneamento e a obrigatoriedade de contrair um empréstimo para este fim”.

Outros “três [municípios], em 2021, deveriam ter sido compelidos a contrair empréstimo para saneamento financeiro, pois demonstraram, em dezembro de 2020, um valor da dívida total entre 2,25 e três vezes a média da receita corrente cobrada nos três anos anteriores”.

O estudo realizado com o apoio da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) e do Tribunal de Contas alerta ainda para “situações de alerta precoce” relacionados com a dívida ou com desvios na execução da receita. “Em dezembro de 2021, 39 municípios apresentaram sinais de alerta precoce”. “Efetivamente, àquela data, estes municípios apresentaram um valor de dívida total igual ou superior à média da receita corrente líquida cobrada nos últimos três exercícios, o que lhes permitiria a contração de empréstimos para saneamento financeiro”, pode ler-se no documento. E 114 municípios apresentaram, em dezembro de 2020, uma taxa de execução da receita prevista inferior a 85%, um indicador de fragilidade financeira

Progressiva melhoria da situação global de endividamento

Mas a fragilidade não é generalizada. O estudo coordenado pela especialista do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, sublinha que, no ano passado, considerando o universo dos 308 municípios, o valor da dívida total ficou a 45,2 pontos percentuais (p.p.) do limite máximo da dívida total determinado pelo regime financeiro das autarquias locais, “aumentando esse distanciamento em +0,4 p.p. relativamente ao verificado em 2020”.

“Mantém-se a afirmação dos anteriores Anuários de que “os sucessivos decréscimos, verificados desde 2013, do valor do índice do limite à divida total (razão entre a dívida total das autarquias e o valor de 1,5 vezes a média da receita corrente liquidada nos últimos três exercícios) é um ótimo indicador da progressiva melhoria da situação global de endividamento das autarquias”, pode ler-se no documento.

Aliás, em 2021, o excesso (superavit) da receita (incluindo saldo da gerência) sobre as obrigações constituídas foi de 1.770,4 milhão de euros, tendo sido este o contributo do setor autárquico para o equilíbrio orçamental das contas do Estado, revela o documento.

Mas há um senão. Este excedente apenas é conseguido graças aos saldos da gerência. “Confrontando os níveis de variação da despesa com os níveis de variação da receita verificados em 2021 e constatando-se que a receita liquidada cresceu 11,4% (+1.141,1 milhões de euros) e a receita cobrada cresceu 13,1% (+1.145,8 milhões de euros), verifica-se que a despesa cresceu mais que a receita pelo que, nos fluxos de caixa, o volume das despesas pagas superou em 27,8 milhões de euros o volume de receitas cobradas. O equilíbrio de caixa ocorre com a mobilização do saldo da gerência anterior”, lê-se no anuário.

“A conjugação dos encargos por pagar no ano, com os compromissos para anos futuros no total de 12,7 mil milhões de euros, reforça a chamada de atenção para a necessidade de uma efetiva contenção de despesa nos anos subsequentes e uma gestão mais cuidadosa de assunção de encargos, de modo a poder garantir-se a cobertura financeira da despesa assumida, bem como o enquadramento da despesa pública quanto à sua eficácia e eficiência”, defendem os autores do estudo.

Ainda assim, é deixada uma nota positiva para facto de esta ser a sétima vez consecutiva no conjunto dos municípios que é apresentado saldo efetivo e saldo primário positivos (a diferença entre receitas liquidadas e compromissos assumidos). “Entre 2011 e 2021, o saldo corrente cresceu 31.697,5% (+3.272 milhões de euros), tendo em 2021 face a 2020, apresentado um decréscimo de 5,4% (-188 milhões de euros)”, diz o estudo, acrescentando que 292 municípios contribuíram para um saldo corrente positivo, o ano passado.

“O saldo orçamental, entre 2011 e 2021 cresceu 2.483 milhões de euros, ao passar do valor negativo de -2 332 milhões de euros para o valor positivo de 151 milhões de euros”, diz o estudo, frisando que 2021 foi o sexto ano económico consecutivo em que, as receitas totais liquidadas foram superiores ao valor total dos encargos assumidos. Foram 145 os municípios que contribuíram para um saldo orçamental positivo.

De sublinhar também que, o ano passado, 146 municípios não recorreram a empréstimos bancários, mais seis que no ano anterior. Sendo que 92 eram municípios de pequena dimensão, 11 de grande dimensão e 43 de média dimensão. “Porque prescindiram do recurso ao crédito bancário, ou porque não teriam condições para acesso ao mesmo”, admite o estudo.

Lisboa foi o município com maior volume de empréstimos contraídos em 2021 (50,5 milhões de euros, +274,1% relativamente a 2020), seguida do Seixal (32,5 milhões, mas em 2020 não recorreu a esta receita) e Porto (16,7 milhões, +133,2% que no ano anterior). Os municípios no seu conjunto amortizaram, o ano passado, 419,5 milhões de euros, menos 3,2% do que no ano anterior. E o volume de novos empréstimos, ascendeu a 393,2 milhões de euros (mais 74,7% face ao ano anterior). Mais uma vez as amortizações foram suficientes para contrariar o volume de empréstimos assumidos. “No período entre 2011 e 2021, só em 2013 é que o total de novos empréstimos foi superior ao volume de amortizações em 136,4 milhões de euros”, sublinha o anuário.

“A diferença entre o volume de amortizações de capital em dívida e o montante de novos empréstimos foi positiva e de 26,3 milhões de euros, contribuindo, assim, o setor autárquico para a diminuição líquida do passivo financeiro do Estado”, acrescenta o documento.

Por outro lado, só três câmaras (Nazaré, Vila Franca do Campo e Vila Real de Santo António) utilizaram empréstimos ao abrigo do Fundo de Apoio Municipal (FAM) em 2021, de entre os treze beneficiários deste Fundo.

Quebra na independência financeira

O anuário concluiu que, em 2021, houve “uma descida de -1,4 pontos percentuais do índice médio de independência financeira ao atingir o valor médio de 35%”. Este índice é calculado com base no rácio que relaciona as receitas próprias com as receitas totais. “Considera-se que existe independência financeira nos casos em que as receitas próprias representam, pelo menos, 50% das receitas totais”, explica o documento.

Tanto nos municípios de grande dimensão como nos de média, a descida do nível de independência financeira “esteve associada, essencialmente, à subida do peso das transferências” e, no caso dos grandes, também a um aumento dos passivos financeiros.

“Foram identificados 51 municípios (mais dez que em 2020) com grande dependência das transferências para o equilíbrio do seu orçamento, ao representarem esta receita com um valor superior a 80% das receitas totais, sendo que, todos eles pertenciam ao grupo de municípios de pequena dimensão”, precisa o anuário. Além disso, 64 municípios (mais um que em 2020) tiveram receitas próprias com níveis inferiores a 20% das receitas totais, sendo todos eles também de pequena dimensão.

Assim, o município de Lagoa, no Algarve, lidera o ranking de maior independência financeira, com o rácio de 88,5% (um acréscimo de +1,3 pp face a 2020) seguido de Albufeira, Loulé, Vila Real de Santo António e Cascais. Lisboa surge na sétima posição e o Porto em 16.ª.

No extremo oposto, as câmaras que têm o pior rácio de receitas próprias face às receitas totais são o Corvo (com um rácio de 3,3%), Pampilhosa da Serra, Lajes das Flores, Barrancos e Santa Cruz das Flores.

Apesar desta quebra, a receita dos municípios teve um bom desempenho o ano passado. “O montante de 9,48 mil milhões de euros de receita efetiva assinalado em 2021 foi superior a qualquer das receitas efetivas registadas entre 2011 e 2020, representando 95,6% da receita total auferida pelos municípios (+1,8pp que em 2020), mantendo assim, a sustentabilidade do sector autárquico considerado na sua globalidade”, pode ler-se no estudo coordenado por Maria José Fernandes.

Ainda que a receita inicialmente estimada tenha sido corrigida no sentido negativo — o impacto no orçamento final foi de cerca de -431,3 milhões de euros – a razão subjacente é positiva porque, em 11 anos, a diminuição significativa do total de receita prevista (-11,6%), significa que houve um “deflacionamento dos orçamentos” e “um maior ajustamento da receita cobrada à receita prevista”.

No período de 11 anos, entre 2011 e 2021, a receita total dos municípios cresceu 27,6% (+2,14 mil milhões de euros) e a receita efetiva aumentou 30,2% (+2,2 mil milhões de euros). De notar que os 9,48 mil milhões de receita efetiva em 2021 foi o valor mais elevado desde 2011, “mantendo, assim a sustentabilidade do setor autárquico considerado na sua globalidade”, concluiu o anuário coordenado pela investigadora do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave. A receita efetiva corresponde à soma dos capítulos da classificação económica de receita orçamental, com exclusão dos “ativos financeiros” e “passivos financeiros”.

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