MNE abre concurso para embaixadas e consulados. Em duas vagas salário é inferior a 200 euros brutos
Apesar de admitir que já foi alcançado um acordo com o Governo na maioria dos países, o STCDE exige melhores salários em ainda 22 países. Sem reunião agendada com o Executivo, não descarta a greve.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) abriu um novo processo de recrutamento de funcionários para os Serviços Periféricos Externos (SPE) do ministério, com o objetivo de reforçar as embaixadas, postos consulares, missões e representações. São mais de 40 posições em aberto para as categorias de assistente técnico, assistente operacional e técnico superior. Em seis das vagas o salário é inferior ao Salário Mínimo Nacional (SMN). O Sindicato dos Trabalhadores Consulares e Missões Diplomáticas (STCDE) exige melhores salários em ainda 22 países e admite avançar com greve. Governo diz que os valores praticados estão de acordo com a lei e garante que tem mantido uma “posição de abertura e diálogo com vista à valorização das carreiras dos funcionários”.
À espera, desde 31 de janeiro, da resposta do Executivo à contraposta de revisão salarial apresentada, o STCDE não descarta avançar com greve. “Já informamos o ministro, em 9 de fevereiro, que exigimos reunir até final de fevereiro, sem o que iremos recorrer à greve, pois todo o nosso esforço de resolução por via do diálogo está a esbarrar na ausência de resposta”, afirma Rosa Teixeira Ribeiro, secretária-geral do Sindicato dos Trabalhadores Consulares, Missões Diplomáticas e Serviços Centrais, em declarações à ECO Pessoas.
Uma ausência de resposta do MNE que a responsável sindical classifica de “incongruente face à urgência da situação”. É que as negociações decorrem “num momento em que são publicitados os avisos de concurso, muitos deles com remunerações indignas”, reforça.
O MNE garante que tem mantido uma posição de abertura e diálogo. “Encontram-se em curso negociações, tendo em vista a atualização das tabelas salariais. O Ministério dos Negócios Estrangeiros tem mantido uma posição de abertura e diálogo com vista à valorização das carreiras dos funcionários que prestam serviço nas missões diplomáticas e consulares“, afirma, sem avançar, contudo, um horizonte temporal para voltar a reunir com o sindicato.
As negociações entre sindicato e Governo decorrem numa altura em que o MNE abriu concurso para o preenchimento de mais de 40 vagas, mas em seis dos casos a remuneração proposta está abaixo do SMN e, em dois deles, abaixo dos 200 euros. Por exemplo, para a posição de assistente de residência na Embaixada de Portugal em Nairobi, a capital do Quénia, o MNE oferece um salário mensal de 130,32 euros brutos. E para a mesma posição na Embaixada de Portugal em Dakar, capital do Senegal, o vencimento mensal ilíquido fixa-se nos 195,14 euros.
Sindicato exige SMN para 22 países
Ainda que, no caso do Senegal, o STCDE adiante que foi alcançado um acordo, “perto do salário mínimo português”, o mesmo não aconteceu no Quénia, nem noutros 21 países. Entre eles está o Cazaquistão, Colômbia, Moçambique, Argentina ou Ucrânia. Neste país em guerra, o salário mínimo dos funcionários é de pouco mais de 600 euros.
“[O Governo] apresentou uma proposta de revisão, país por país, a 20 de dezembro de 2022, antes, portanto, do período natalício. Tivemos uma reunião, para entendimento dos critérios adotados pelo Governo a 11 de janeiro de 2023. Tivemos nova reunião a 16 de janeiro de 2023, em que o STCDE apresentou uma contraproposta, registando o facto de concordarmos com 70% dos valores, mas discordando relativamente aos propostos para alguns dos restantes países, em que é proposto um valor inferior ao salário mínimo na Administração Pública (761,58 euros)”, detalha Rosa Teixeira Ribeiro.
Os casos mais gritantes surgem no Cazaquistão (143,6 euros), no Paquistão (186,66 euros), no Quénia (187,89 euros), em S. Tomé (195,37 euros) e na Etiópia (199,92 euros).
O STCDE propôs que fosse determinado o salário mínimo para estes 22 países, pois trata-se de “trabalhadores, em regime de contrato de trabalho em funções públicas, a trabalhar em território nacional, já que uma embaixada ou um consulado são uma extensão do território nacional”.
Mais, argumentam, as remunerações devem possibilitar a candidatura de nacionais portugueses. “Quem irá candidatar-se com uma remuneração base de 143,60 euros, como no Cazaquistão?”, questiona a secretária-geral do STCDE.
“Relativamente a este país, repare-se que o Governo fixou, em fevereiro de 2017, a remuneração inicial em 900 euros e, agora, vem diminuí-la para 143,60 euros, após se ter verificado naquele país, entre 2017 e 2022, uma inflação de 57%”, acrescenta. “Sem pretender comparar situações incomparáveis, choca-nos que o mesmo ministério tenha fixado em 2022 o abono de habitação de um Secretário de Embaixada, diplomata, portanto, em 1.885,54 euros, portanto em mais de dez vezes a remuneração base que agora propõe, e o abono de representação em 5.967,17 euros, ou seja 41 vezes mais.”
Seis vagas com salários abaixo dos 760 euros
No atual concurso que ainda está a decorrer, pelo menos para algumas das vagas publicadas, há seis postos de trabalho com salários abaixo dos 760 euros. É o caso dos já mencionados para assistente de residência na Embaixada de Portugal em Nairobi e para a mesma posição na Embaixada de Portugal em Dakar.
Em Nairobi (Quénia), o assistente de residência contratado, que irá exercer funções de jardineiro na embaixada de Portugal, irá auferir a remuneração mensal ilíquida de 130,32 euros, sendo o valor anual global bruto de 1.824,48 euros, ao qual acresce o montante de 4,86 euros, correspondente ao subsídio de refeição por dia efetivo de trabalho. Terá um contrato em funções públicas por tempo indeterminado, com um período experimental de 90 dias, lê-se na descrição da vaga.
Já o assistente de residência contratado para a Embaixada de Portugal em Dakar vai receber 195,14 euros, o que corresponde a um valor anual bruto de 2.731,96 euros, ao qual acrescem 4,36 euros de subsídio de refeição por dia efetivo de trabalho.
Mas há também algumas vagas para a categoria de assistente técnico e técnico superior cujos ordenados não chegam ao patamar do SMN, precisamente nas mesmas embaixadas.
Em Nairobi, foram abertos dois postos de trabalho, na categoria de assistente técnico, com salários na ordem dos 491,44 euros brutos (6.880,16 euros anuais brutos). A este valor acrescem 4,86 euros de subsídio de alimentação. Entre os requisitos para a função está “conhecimento aprofundado da língua inglesa”, “domínio do português e do swahili”, e “ser titular do 12.º ano de escolaridade ou de curso que lhe seja equiparado”, lê-se na descrição da oferta de trabalho.
Já na Embaixada de Portugal em Dakar estão em causa duas vagas — uma para técnico superior e outra para assistente técnico — cujos vencimentos são de 744,45 euros e 450,56 euros brutos por mês, respetivamente. Ambos com um subsídio de refeição no valor de 4,36 euros e exigência do domínio da língua portuguesa e francesa. No caso da oferta para técnico superior é ainda requisito possuir uma licenciatura ou equivalente.
Com negociações paradas, greve volta a estar em cima da mesa
As negociações com o Governo arrancaram a 5 de dezembro, depois de o sindicato dos trabalhadores dos consulados e embaixadas ter avançado com um pré-aviso de greve de um mês e meio, com início previsto precisamente nesse dia, exigindo a negociação das novas tabelas salariais, bem como a publicação dos acordos que foram feitos com o Governo. Com o início das negociações, a greve foi desconvocada.
Contudo, sem reunião agendada até final de fevereiro, a paralisação dos serviços volta a estar em cima da mesa. “Já informamos o ministro, em 9 de fevereiro, que exigimos reunir até final de fevereiro, sem o que iremos recorrer à greve, pois todo o nosso esforço de resolução por via do diálogo está a esbarrar na ausência de resposta. O que nos parece absolutamente caricato, uma vez que já existe acordo em relação a uma maioria dos países, e os restantes não implicam acréscimo orçamental incomportável”, afirma a dirigente do STCDE.
Rosa Teixeira Ribeiro defende ainda que fazer propostas “desta ordem de grandeza” vai contra a criação de uma carreira atrativa. “Temos de pensar que somos ao todo, neste momento, menos de 1.300 trabalhadores em todo o mundo, uma gota de água na Administração Pública portuguesa”, refere.
Já informamos o ministro, em 9 de fevereiro, que exigimos reunir até final de fevereiro, sem o que iremos recorrer à greve, pois todo o nosso esforço de resolução por via do diálogo está a esbarrar na ausência de resposta.
Por outro lado, muitos dos países em questão envolvem alguma precaução redobrada em questões de segurança. Sobre o Quénia, por exemplo, o Portal Diplomático alerta para risco de ataques terroristas e recomenda aos viajantes que “evitem lugares de manifestações ou demonstrações públicas, avaliem as suas deslocações no país e se mantenham atentos, em especial na estrada e em locais públicos”.
Recomenda-se ainda que a circulação em automóvel seja sempre feita com as janelas fechadas e as portas trancadas, evitar ficar sozinho em áreas isoladas ou ostentar joias e equipamentos eletrónicos de valor, assim como andar pelas ruas das principais cidades à noite, devido aos risco de assaltos e outras formas de violência “Em Nairobi, recomenda-se precaução em deslocações a bairros como Kibera e Mathare“, adverte o próprio ministério no site, na zona de “Conselhos aos Viajantes”.
Também na Argélia, outro dos países onde o sindicato exige novas tabelas salariais, o Portal Diplomático alerta para a ameaça terrorista no país. “Apesar da melhoria da situação, continua a registar-se atividade terrorista no país, sobretudo em áreas rurais. (…) A ameaça de sequestros no sul do país e nas áreas de fronteira é alta. Existem precedentes para o sequestro de estrangeiros. A posição do governo argelino em relação aos sequestros é a de não fazer concessões aos sequestradores e não pagar resgates. (…) Para além da ameaça terrorista tem-se assistido na Argélia ao aumento de delinquência comum.”
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