17.000 novos doutorados em oito anos. Mas falta transferir conhecimento para economia

Apesar do aumento de novos doutorados, "estão por cumprir os objetivos de inserção profissional de doutorados em contexto empresarial", conclui o relatório que avalia o Portugal 2020.

Em oito anos, entre 2007 e 2015, doutoraram-se quase 17.000 pessoas. Um número em larga escala superior as 14.000 pessoas que se doutoraram nos 46 anos anteriores, entre 1960 e 2006. Daqueles 17.000 novos doutorados, um terço beneficiou de bolsas cofinanciadas por fundos estruturais do Portugal 2020. Mas, apesar do aumento do número de doutorados, há uma “fraca capacidade” de transferir o conhecimento e tecnologia produzidos pelos novos doutorados para a economia e a sociedade em geral, conclui o “Relatório síntese dos resultados das avaliações do Portugal 2020”, divulgado esta sexta-feira pela Agência para o Desenvolvimento e Coesão (AD&C).

“Não obstante a pertinência, a relevância e os impactos alcançados pela estratégia definida para a Formação Avançada, a sua principal fragilidade está relacionada com a fraca capacidade de induzir a transferência, para a economia e sociedade, do conhecimento e da tecnologia produzidos no decurso dos processos de doutoramento apoiados (e não apoiados)” pelos fundos, pode ler-se no documento, considerando que “estão por cumprir os objetivos de inserção profissional de doutorados em contexto empresarial”.

Assim, as modalidades em contexto empresarial (Bolsas de Doutoramento em Empresas – BDE – e Programas de Doutoramento em Ambiente Empresarial – PDAE) tiveram uma expressão reduzida no conjunto das bolsas atribuídas. Registaram-se apenas 2% de BDE no total das bolsas individuais de doutoramento, entre 2010 e 2016, e 7% de bolsas de PDAE no total de bolsas do Programas de Doutoramento FCT, dos concursos de 2012 e 2013.

“Esta situação reflete uma falta de atratividade dos apoios à Formação Avançada em ambiente empresarial junto dos alunos de doutoramento (…), bem como uma desvalorização de uma parte do setor empresarial em relação à mais-valia da Formação Avançada”, conclui o relatório.

“Apesar de a programação do PT2020 preconizar uma reorientação estratégica substancial face aos anteriores períodos de programação, (…) esta não foi acompanhada de condições de operacionalização coerentes, na medida em que o modelo de atribuição de apoios não sofreu alterações com vista a abraçar uma abordagem mais market driven (…). A reprogramação apresenta como solução financiar Programas Doutorais associados a Unidades de I&D em pelo menos metade da FA [Formação Avançada] financiada.”

Colmatar a falha na transferência do conhecimento para a economia e sociedade

De forma a aumentar a valorização económica e social do conhecimento produzido pelos doutorados, o relatório faz algumas recomendações. Entre elas “reduzir substancialmente o montante de recursos financeiros (…) alocados a bolsas de pós-doutoramento, rompendo com práticas de utilização abusiva deste instrumento enquanto forma de substituição de contratos de trabalho e restringindo a sua mobilização a processos devidamente fundamentados”.

Além disso, é sugerido aumentar, de forma progressiva, a parcela de apoios financeiros à Formação Avançada, designadamente através de uma nova geração de “Programas de Doutoramento FCT”. “Esta recomendação justifica-se pelo facto de a avaliação considerar que este modelo é o mais adequado para promover o reforço da cooperação entre instituições de ensino superior, instituições de I&D e empresas.”

Recomenda-se, igualmente, alargar o âmbito das atuais bolsas de doutoramento em empresas, as BDE, para um conceito mais vasto, de Bolsas de Doutoramento em Ambiente Não Académico (BDANA), viabilizando o desenvolvimento de atividades de investigação em temas relevantes para as empresas e outras organizações (públicas e privadas) de natureza não académica.

Por outro lado, é incentivado desenho de ofertas de Formação Avançada que contemplem expressamente a existência de “componentes formativas destinadas a dotar os alunos com capacidades e competências em matérias transversais valorizadas pelo mercado de trabalho“.

Bolsas afetam positivamente desempenho académico

No Ensino Superior, a atribuição de bolsas de estudo impacta positivamente o percurso universitário dos estudantes, conclui também o relatório. Para os estudantes que se candidatam a bolsa pela primeira vez no primeiro ano de uma licenciatura, de um mestrado ou de um mestrado integrado, a atribuição da bolsa tem impacto no início do seu percurso universitário. Como? “Reduz a probabilidade de desistência imediata do ensino superior (-1,7 p.p.)” e “aumenta a probabilidade de se manterem inscritos no mesmo curso a que se candidataram (+2,6 p.p.)”.

Já para os estudantes de segundo ano de licenciatura (independentemente de terem ou não beneficiado de bolsa no primeiro ano), o acesso à bolsa também reduz a probabilidade de desistência, mas menos acentuadamente, menos 1 p.p. no início e menos 2 p.p. no final desse ano.

Além disso, a partir do segundo ano letivo, a atribuição da bolsa de estudo não depende apenas do rendimento per capita do respetivo agregado familiar, mas também do sucesso académico no ano letivo anterior. “Por essa razão, a perspetiva de acesso continuado à bolsa constitui um incentivo ao desempenho académico”, refere o relatório. E justifica-o com os dados. Para os estudantes que se candidatam pela primeira vez no primeiro ano de uma licenciatura ou de um mestrado, o acesso à bolsa aumenta a probabilidade de obter 36 ou mais créditos no primeiro ano (+2,6 p.p.) e aumenta a probabilidade de obter todos os créditos em que o estudante está inscrito (+3.8 p.p.).

Adicionalmente, o acesso à bolsa no primeiro ano da licenciatura ou do mestrado influencia positivamente o tempo de conclusão do curso, aumentando a probabilidade de conclusão do curso no prazo estipulado (+5,6 p.p.).

O acesso continuado a bolsa — sobretudo em casos de estudantes que recebem a bolsa três anos consecutivos — potencia ainda mais os bons resultados. “Aumenta a probabilidade de conclusão do curso no prazo normal (+11,5 p.p.)” e “aumenta a nota final do curso (0,268 valores)”.

Os resultados da avaliação sugerem, portanto, um efeito de lock in, ou seja, de incentivo ao início do ensino superior, sobretudo num momento (primeiro ano de licenciatura) em que o compromisso em prosseguir estudos é mais incerto, e para um conjunto de estudantes (regiões menos desenvolvidas) para os quais as vias alternativas (procura de emprego) e o contexto socioeconómico serão menos encorajadores da educação superior.

Ainda assim, verificam-se ainda diferenças ao nível dos efeitos do acesso às bolsas consoante as características dos estudantes, nomeadamente a sua região e o tipo de curso que frequentam. Os efeitos sobre a frequência (redução da probabilidade de desistência) são mais visíveis nos estudantes do sexo masculino, enquanto os efeitos sobre o desempenho académico tendem a ser superiores entre os estudantes do sexo feminino.

É entre os estudantes das regiões menos desenvolvidas (Norte, Centro, Alentejo e Açores), bem como entre os alunos de licenciatura, que se observam os efeitos mais expressivos ao nível da redução das desistências.

“Os resultados da avaliação sugerem, portanto, um efeito de lock in, ou seja, de incentivo ao início do ensino superior, sobretudo num momento (primeiro ano de licenciatura) em que o compromisso em prosseguir estudos é mais incerto, e para um conjunto de estudantes (regiões menos desenvolvidas) para os quais as vias alternativas (procura de emprego) e o contexto socioeconómico serão menos encorajadores da educação superior”, conclui o relatório de avaliação.

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