Euronext semeia IPO num terreno cada vez mais árido
Num ano desafiante para a bolsa nacional, o programa IPOready da Euronext surge como motor de esperança para a Euronext Lisboa na tentativa de atrair novas empresas e combater o êxodo do último ano.

A venda do Novobanco ao grupo francês BPCE por 6,4 mil milhões de euros marca mais um revés para a Euronext Lisboa, liderada por Isabel Ucha, que volta a ver escapar uma potencial entrada em bolsa de uma instituição de peso. O negócio do Novobanco, fechado na semana passada, simboliza as dificuldades da praça portuguesa em atrair novas cotadas numa altura em que, simultaneamente, regista um número crescente de saídas, com 2024 a marcar o maior “êxodo” de empresas da bolsa nacional desde 2018.
Foi neste contexto desafiante que decorreu, na semana passada (12 e 13 de junho), em Lisboa, mais uma edição do Campus IPOready, o programa de formação pré-IPO da Euronext. Esta iniciativa, que celebra uma década de existência, reuniu cerca de 160 empresas de 11 países europeus – Bélgica, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Polónia, Portugal, Espanha e Reino Unido.
O programa, que se estende por seis meses e culminou nestes dois dias intensivos de formação, pretende equipar os executivos com as ferramentas e conhecimentos necessários para uma eventual oferta pública inicial (IPO). “Há sempre uma ideia de que o IPO é complexo, apenas para grandes empresas, mas o que nos tentamos mostrar é que, depois de estarem preparados, é possível avançarem”, explicou Mathieu Caron, Group Head of Primary Markets da Euronext, numa mesa-redonda à margem do evento.
Desde o seu lançamento, em 2015, o IPOready já formou mais de 1.080 empresas, das quais cerca de três dezenas acabaram efetivamente por se estrear em bolsa, incluindo três no ano passado – Florentaise (Paris), QEV (Amesterdão) e Yakkyo (Milão) – e uma portuguesa, a Raize, que realizou o seu IPO em 2018 após participar numa edição do programa IPOready.
As empresas tecnológicas dominam claramente o programa, representando 67% dos participantes da edição de 2025, dividindo-se entre 41% de techmedia e telecomunicações, 13% de cleantech e 13% de healthtech. “Trazemos também este network potenciando novas parcerias – isto é o regresso às raízes do que deve ser uma bolsa, unindo pessoas com ideias e pessoas com capacidade de financiamento”, sublinhou Mathieu Caron, destacando que “não procuramos realizar este programa apenas com o IPO em mente, mas com o intuito de plantar sementes para o futuro”.
Empresários portugueses testam as águas
Entre os participantes portugueses na edição deste ano, Jorge Guedes, co-fundador da Magycal, uma tecnológica que promove o desenvolvimento de várias plataformas nos media, refere ao ECO que entre as intenções que o fez participar no programa está a ideia de “saber das possibilidades, conhecer que alternativas temos para crescer”, sublinhando que “estamos aqui para aprender um pouco.”
O empresário refere que não tem qualquer calendário em mente sobre a abertura do capital da empresa a novos investidores, mas admitiu que em conjunto com os seus sócios estão “a analisar todas as opções” relativamente a um possível IPO.
Gonçalo Caeiro, co-fundador da consultora Joyn, foi mais específico nos seus planos. “Não estamos a pensar em fazer um IPO imediatamente, talvez no futuro. Estamos a procurar ter maior presença internacional, e esta é uma possibilidade de alargarmos a nossa imagem internacionalmente.” A empresa já definiu até o segmento de interesse: “Estamos a apontar para o Euronext Growth”, refere o empresário que ainda é co-fundador da DocDigitizer, notando que “estamos confortáveis em apontar a este mercado” e referindo que “pensamos em abrir cerca de 5% do capital e depois talvez 10%.”
Mas para Gonçalo Caeiro, “o capital é a segunda derivada” de um eventual IPO. “Para nós, o importante é a transparência, acredito que temos vantagem para potenciar o nosso negócio”, numa perspetiva que coloca a cotação como ferramenta de crescimento além do mero financiamento.
Nos últimos anos, após 2021, têm sido anos difíceis para o mercado de IPO, não só em Portugal mas em todo o mundo, por conta do ambiente macroeconómico [e] 2025 não foi o arranque que todos esperavam.
Outros participantes contactados pelo ECO, que preferiram o anonimato, identificaram obstáculos práticos sobre um eventual IPO. “O compliance é uma das coisas mais complicadas”, admitiu uma empreendedora de uma tecnológica dos Países Baixos, enquanto outro empresário sublinhou as potencialidades do programa da Euronext, notando que “o que é bom neste programa é que pessoas especializadas num tópico e numa área ajudam-nos a definir um padrão, a ter uma imagem mais generalizada do processo”.
O contexto não podia ser mais desafiante para os empreendedores e empresários que estão a pensar abrir o capital da sua empresa a novos investidores. “Nos últimos anos, após 2021, têm sido anos difíceis para o mercado de IPO, não só em Portugal mas em todo o mundo, por conta do ambiente macroeconómico”, reconheceu Mathieu Caron, admitindo que “2025 não foi o arranque que todos esperavam.”
Os números confirmam esta realidade. Globalmente, o mercado de IPO registou 1.215 operações em 2024, captando 121,2 mil milhões de dólares, cerca de 10% abaixo dos números de 2023. Na Europa, porém, houve sinais de recuperação: as ofertas públicas iniciais duplicaram em valor em 2024, captando 14,6 mil milhões de euros, comparado com 7,2 mil milhões em 2023, num total de 57 IPO.
Porém, a realidade nacional foi bastante distinta da Europa, com a Euronext Lisboa a enfrentar um panorama particularmente difícil. Em 2024, registou apenas um IPO, a Vila dos Números, e nem sequer foi no mercado principal. Além disso, desde que foi listada a 25 de junho do ano passado que não negociou qualquer ação.
Com a concorrência entre bolsas a intensificar-se e os mercados ainda a recuperar dos choques dos últimos anos, iniciativas como o IPOready podem ser cruciais para o futuro da Euronext Lisboa.
Simultaneamente, a praça lisboeta viu acelerar as saídas, com o abandono de quatro empresas do mercado, marcando assim o maior êxodo desde 2018: Reditus (excluída pela própria Euronext Lisboa depois de mais de três anos no “penalty bench” por incumprimentos nos deveres de informação ao mercado), Lisgráfica (que aprovou a sua saída do mercado em 2022, citando os custos associados à cotação bolsista e a situação económica desafiadora como principais motivos), Inapa (que perdeu quase 95% do seu valor em bolsa nos últimos dias de negociação, culminando com a declaração de insolvência pelo tribunal) e Greenvolt, que abandonou a cotação em novembro após a aquisição pelo private equity norte-americano Kohlberg Kravis Roberts (KKR) no seguimento de uma Operação Pública de Aquisição (OPA).
O caso do Novobanco ilustra mais uma vez os desafios com que se depara a bolsa nacional. Apesar de ter ponderado uma entrada em bolsa e dado seguimento a todo o processo, a instituição acabou por ser adquirida diretamente pelo BPCE francês, num negócio que avaliou o banco em 6,4 mil milhões de euros. “Esta é uma aquisição amigável”, garantiu Nicolas Namias, CEO do BPCE, prometendo manter a atual administração e afastando despedimentos
Face a este cenário, a Euronext intensifica a aposta no IPOready como forma de cultivar um pipeline de futuras cotadas. “Por vezes ser uma empresa pública [cotada] é o único passo possível a seguir”, defendeu Mathieu Caron, argumentando que “tornar a empresa pública é uma forma de garantir a estratégia da empresa”, numa resposta ao receio de perder controlo. O responsável sublinhou ainda que “recomendamos sempre as empresas a cotarem nos seus mercados locais” e que o objetivo final é “gerar mais financiamento para a economia real”, numa referência à União de Poupança e Investimento europeia.
Com a concorrência entre bolsas a intensificar-se e os mercados ainda a recuperar dos choques dos últimos anos, iniciativas como o IPOready podem ser cruciais para o futuro da Euronext Lisboa. Resta saber se estas “sementes plantadas” conseguirão germinar num ambiente que continua a ser pouco hospitaleiro para novas cotações.
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