A ajudar a Dils a “ir ao encontro de um público cada vez mais exigente”, Marta Silva Carvalho, na primeira pessoa
Marta Silva Carvalho, que não dispensa um livro na sua rotina, diz ser uma pessoa focada nos resultados. Entende também que às vezes há "uma perceção mais ligeira" do que é o marketing.
Embora só tenha começado a trabalhar a comunicação e marketing de empresas de imobiliário há cerca de três anos, Marta Silva Carvalho, head of marketing & communications da Dils Portugal, entendo que o mercado imobiliário e a sua comunicação “tem vindo a credibilizar-se”. “Os consumidores são cada vez mais exigentes, o que também obriga as empresas a garantirem que têm uma comunicação, campanhas e o próprio serviço muito mais explicativos do que são os produtos em si”, diz ao +M.
“Já não basta dizer que nós estamos aqui para ajudar, temos que explicar o como, qual é a nossa mais-valia, qual é a nossa diferenciação, porque é que as pessoas nos devem escolher. Acho que não só a Dils — que veio dar uma lufada de ar fresco e tentar revolucionar com uma comunicação disruptiva –, mas todo o mercado também procura ir ao encontro de um público cada vez mais exigente“, concretiza.
A “lufada de ar fresco” referida por Marta Silva Carvalho é espelhada desde logo pela assinatura da marca, “rewrite de rules“. “Não perdendo a seriedade, até porque é um negócio que mexe na vida das pessoas, tentamos repensar o que é que podemos fazer de diferente e trazer uma mais-valia. Pensamos nisso tanto no negócio em si como também na comunicação, de como é que podemos fazê-lo de uma forma simples e eficaz e que ponha as pessoas também a ver o mundo de uma forma diferente”, explica a head of marketing & communications da Dils Portugal.
Recentemente, a Dils lançou a sua primeira campanha nacional, onde “brincou” de forma criativa com o seu nome e a semelhança com a palavra inglesa “deals” (negócios). “Tendo em conta que a Dils não é uma marca conhecida em Portugal, o desafio passava precisamente por dar a conhecer o nome da imobiliária e o seu negócio“, e para isso “nada melhor do que mostrar qual é a lógica por trás, que é precisamente o negócio”.
“Nós estamos focados em negócios e portanto decidimos puxar por essa força, fazendo logo dois em um: mostrámos qual é o core do nosso negócio e também deixámos o nosso nome na cabeça das pessoas. Toda a campanha foi construída com base nisto, no que podia marcar a diferença quando as pessoas vissem a campanha”, explica a responsável pela comunicação e marketing em Portugal do grupo imobiliário de origem italiana.
A experiência como head of marketing & communications da Dils, iniciada em novembro, está a ser “muito boa”, sendo que a grande diferença em relação à sua anterior experiência profissional passa por estar em causa o lançamento de uma marca no mercado. Embora a marca seja italiana, e exista “muita guideline e suporte que vem de fora”, o trabalho na empresa que se está a expandir na Europa é feito “muito em conjunto”.
“Estamos juntos a construir esta marca, a perceber como a lançamos nos diferentes mercados, quais são os processos mais eficazes, e como é que garantimos que quem vê a marca em Itália ou em Espanha também a vê igual em Portugal. Estou a ajudar a construir os guidelines da marca”, refere a responsável que conta na sua equipa com outras cinco pessoas e com o apoio da agência Wisdom em termos de comunicação.
“De facto, para quem gere negócios, marcas e marketing, é um desafio interessante: definir o que é a marca e como se vai construí-la. E as marcas são como as pessoas, vamos construindo um bocadinho a personalidade das marcas, mas sempre relacionando com o negócio, claro“, acrescenta.
Recuando no tempo, o percurso profissional de Marta Silva Carvalho começou a desenhar-se com uma licenciatura em Comunicação e Marketing na Escola Superior de Comunicação Social, numa altura em que era ainda “muito miúda sem saber muito bem o que gostava e o que não gostava”. “Era um curso relativamente novo, e achei que associava uma parte de gestão também com criatividade e fui lá parar, e acho que bem”, recorda a profissional de 48 anos.
Após o curso começou a sua carreira com um estágio na Nestlé, empresa que diz ter sido a sua “escola primária profissional“. Foi aí que trabalhou grande consumo, o que “dá uma estaleca e onde o marketing é o fundamental do negócio”, e onde esteve durante nove anos como gestora de produtos.
Recebeu depois uma proposta para integrar a Ikea, onde acabou por estar durante nove anos. Foi aí que achou “muito engraçado trabalhar retalho, mas com uma marca própria” e, portanto, com lojas próprias. “E aí tive outra vertente relacionada com o lado mais de operação, da loja em si”, recorda a profissional que esteve ligada à abertura da loja de Loures e de outras lojas.
Foi também durante a sua passagem pela Ikea que a marca começou a trabalhar a sua presença nas redes sociais. “Eu digo sempre por graça que o primeiro post do Instagram da Ikea era uma fotografia do meu telemóvel. Aquilo foi mesmo no início e ainda era visto sem uma base numérica. Mas foi uma mais-valia assistir ao transformar das redes sociais, quando se começou a perceber que não era só uma coisa gira mas que podia ajudar a alavancar os negócios”, refere.
Tendo estado integrada em multinacionais, encarou sempre a hipótese de ir trabalhar para o estrangeiro mas, como tinha filhos pequenos, achou sempre que essa não seria a melhor opção. Nesse sentido, achou que, para se poder continuar a desenvolver, podia ir para outra área, tendo surgido a hipótese de assumir a direção de marketing da Trust in News, na altura em que o grupo de media tinha acabado de ser constituído após a compra do portefólio de revistas — como a Visão, Exame ou Caras — ao grupo Impresa.
“Foi uma adaptação ao mercado local e, pegando em marcas muito fortes, perceber como podia pensar e potenciar os meios de comunicação social“, aponta, acrescentando que foi também criado um departamento de eventos, como fonte de rendimento.
Tendo trabalhado no grupo dono da Visão, Marta Silva Carvalho assiste “com pena” à atual situação da empresa, que viu recentemente ser aprovado um plano de recuperação e os trabalhadores a entrarem em greve por falta de pagamento dos ordenados. “Nunca é só trabalho, criamos sempre ligações com as pessoas no emprego e é difícil assistir a esta situação. Mas percebo que a situação dos meios de comunicação, com a entrada do digital, se tornou muito difícil. É uma indústria difícil por si só, que tem de ser toda repensada, como a rádio o foi. Tem-se vindo a repensar e há casos de sucesso, mas sim, custa-me até porque tenho lá grandes amigos mas espero que recuperem agora e que tenham as medidas necessárias para dar a volta“, diz.
Marta Silva Carvalho acredita que é preciso perceber como se pode tirar proveito de marcas jornalísticas noutras áreas que são importantes, como os eventos ou podcasts. “Acho que passa muito por ser vários formatos, porque hoje em dia já não se é só o jornal ou uma revista, é um monte de coisas. Portanto é preciso construir marcas fortes que depois podem viver em diferentes plataformas“, aponta.
Quase cinco anos depois, e achando que já tinha construído o departamento de marketing e que devia ir então procurar novas oportunidades, surgiu a hipótese de integrar a JLL, onde conheceu o mercado imobiliário durante dois anos, até que surgiu o convite para ajudar a lançar a Dils em Portugal.
Olhando para a sua carreira, Marta Silva Carvalho considera que teve “a sorte” de começar por trabalhar em grande consumo, onde o marketing “é visto sempre como a base de análise para se fazer negócio, como uma ferramenta de negócio que permite vendas”.
“Se forem coisas giras, ótimo, mas nós estamos aqui para fazer ações ou campanhas eficazes que nos ajudem a potenciar o negócio, e acho que o grande consumo nos dá muito essa visão e eu era, e sou, muito orientada para resultados. Acho que há uma perceção do marketing às vezes mais ligeira, mas o marketing é mesmo uma das ferramentas fundamentais para potenciar os negócios e deve ser visto como tal“, acrescenta.
A docência foi algo que também marcou o seu percurso, tendo sido professora universitária durante seis anos (entre 2012 e 2018). A ligação ao ensino começou logo quando acabou o curso, altura em que foi dar umas aulas “que correram bem”, tendo ficado com a ideia de que seria algo que gostaria de fazer, algo que acabou por se concretizar mais tarde quando um amigo que dava aulas na Escola Superior de Comunicação Social lhe indicou que havia uma vaga.
“É um trabalho que exige mesmo muito esforço e que às vezes as pessoas desvalorizam. Fazê-lo bem feito implica um grande compromisso, mas depois também permite aprender muita coisa. Às vezes tenho saudades e um dia vou voltar, porque nos dá muito trabalho de preparação, em garantir que estamos a ser sérios e com qualidade e também nos obriga a ver case studies, o que funciona. E ao ouvir os alunos, que da área de comunicação e marketing acabam por ser consumidores muito atentos, obrigamo-nos também a inovar”, explica.
Embora costume dizer que gosta de “andar pelo mundo e de ver o mundo”, Marta Silva Carvalho mora em Caxias, onde nasceu. Vive com os dois filhos, de 21 e 17 anos, e com uma cadela. Sendo a sua família de Caxias, cresceu em conjunto com três primos com os quais partilhou “1001 histórias”. “Acho que também foi por isso que fiquei por Caxias, é um sítio que me fez muito feliz e de onde tenho ótimas recordações“, acrescenta.
“Não íamos muito à praia, nos anos 80 as praias ainda não eram tão reconhecidas, pelo que não fazíamos tanto a vida de praia como fazem agora. Mas tínhamos uma vida em conjunto, éramos muito independentes desde cedo, andávamos sozinhos, mesmo nos transportes, e uma das prioridade era logo tirar a carta”, recorda.
Adora ler, pelo que muitas vezes tenta à hora de almoço — “por mais curta que seja” — ter um pouco de tempo para si e para ler o livro que leva todos os dias para o trabalho. Quando precisa mais de relaxar vai mesmo a uma livraria. Recentemente, gostou do “Filho da Mãe”, de Hugo Gonçalves, e da “Trilogia de Copenhaga”, de Tove Ditlevsen. “Nem Todas as Árvores Morrem de Pé”, de Luísa Sobral, foi também um livro para o qual não tinha nenhuma expetativa mas que acabou por ler de rompante nos últimos tempos.
Mas Marta Silva Carvalho gosta também de “tudo o que seja artístico“, seja ir ao cinema ou ao teatro, por exemplo, mas também gosta de ver séries, não percebendo o porquê “de fazerem aquilo de lançarem um episódio por semana, é algo que custa”, confessa, entre risos.
Ir à praia e conviver com amigos e família é algo a que também dá valor, embora reconheça que tem alguma dificuldade em desligar do telemóvel. “Acho que esta área também nos obriga um bocadinho a estarmos sempre disponíveis. E acabo por fazê-lo, se calhar de forma pouco controlada“, reconhece.
Traçando um retrato pessoal e profissional, Marta Silva Carvalho considera-se uma pessoa “otimista, focada nos resultados, que gosta muito de trabalhar com pessoas e preocupada com as equipas”. É também bem-disposta, tentando sempre ter alguma “pitada de humor” no dia-a-dia e tentando “ver sempre o lado positivo” das coisas, que vai conciliando com um “lado um bocadinho impaciente” que advêm da sua faceta mais focada em resultados.
Marta Silva Carvalho em discurso direto
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1. Que campanhas gostava de ter feito/aprovado? Porquê?
Gostei muito, a nível nacional, da campanha da Ikea com o slogan “Os móveis duram mais do que as relações”. Achei a campanha simplesmente brilhante, mas o que me conquistou foi a forma subtil e inteligente como passam a mensagem. Falam da durabilidade dos móveis sem precisarem de dizer “os nossos produtos são resistentes” de forma direta. Usam uma comparação super atual e com a qual todos nos conseguimos identificar. É uma campanha que fala da vida real com humor, sem deixar de reforçar a qualidade da marca. E isso é algo que a Ikea sempre soube fazer muito bem: comunicar com criatividade, proximidade e autenticidade.
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2. Qual é a decisão mais difícil para um marketeer?
Uma das decisões mais difíceis para quem trabalha em marketing (e não só) é saber quando seguir os dados… e quando seguir o instinto (quando não temos dados). Quantas vezes olhamos para os números, fazemos análises, cruzamos tudo o que é métrica — e, mesmo assim, cá dentro, há aquela voz que diz: “Não é por aí.” E às vezes, essa voz está certa. Claro que os dados são fundamentais. Ajudam-nos a perceber comportamentos, tendências, padrões. Mas há decisões que não vêm com gráfico, nem com KPI. Vêm da experiência, da sensibilidade, de conhecer bem o público e o contexto. Vêm de viver a marca por dentro. A verdade é que o bom marketing vive nesse equilíbrio: entre a razão e a intuição, entre o Excel e a experiência. E a magia, muitas vezes, acontece mesmo quando conseguimos juntar os dois mundos.
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3. No (seu) top of mind está sempre?
Uma das coisas mais importantes (e muitas vezes subestimadas) em marketing é garantir que temos as pessoas certas — não só dentro da equipa, mas também do lado das agências com quem trabalhamos. Porque uma boa estratégia até pode vir no papel, mas é nas reuniões, nos ajustes de última hora e nos “e se experimentássemos isto?” que as ideias ganham vida. E isso só acontece quando há empatia, confiança, abertura e respeito mútuo.
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4. O briefing ideal deve…
O briefing ideal? Claro, direto ao ponto e com contexto. Sem rodeios, mas com informação suficiente para quem recebe perceber o “porquê” e o “para quê”. Um bom briefing poupa tempo, evita mal-entendidos e abre espaço para ideias melhores.
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5. E a agência ideal é aquela que…
A agência ideal é aquela que trabalha connosco, lado a lado — como parte da equipa. Que vai à luta, mete as mãos na massa, desafia e é desafiada. Mas também é aquela com quem nos rimos, com quem nos divertimos. Quando o trabalho deixa de parecer trabalho, sabemos que estamos no sítio certo.
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6. Em publicidade é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?
Diria que arriscar é mesmo o mais importante. Num mundo cheio de comunicação, onde tudo grita por atenção, para nos destacarmos temos de sair da zona de conforto e tentar coisas novas. Mas claro, arriscar não é fazer tudo à toa — é garantir que o que fazemos faz sentido para a marca e não ultrapassa limites. É um equilíbrio entre ser ousado e manter a autenticidade.
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7. O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?
Acho que marketing e publicidade são, no fundo, um exercício de gestão. E, por isso, o budget é sempre uma parte essencial da equação. Temos de ter um valor definido para conseguir medir o investimento e perceber o que realmente está a contribuir para os resultados. Sem isso, não consigo mesmo dizer “faz assim” ou “faz assado” — tudo tem de ser analisado e justificado. Por essa razão, fico sem saber bem o que responder quando me pedem ideias sem limites. Mas, se pudesse pensar sem restrições, talvez arriscasse numa série com uma super produção que encaixasse direitinho no posicionamento da marca.
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8. A publicidade em Portugal, numa frase?
A publicidade em Portugal está numa fase mais local, focada nas necessidades e referências do nosso público.
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9. Construção de marca é?
Como conhecer uma pessoa. Tem comportamentos, personalidade, uma forma de estar. Vai mostrando aos poucos quem é, tanto para o mundo como para os amigos, e naturalmente vamos gostando mais de umas do que de outras. Tem de manter uma coerência e ser fiel à sua base e aos seus valores. É esse processo que torna a relação com a marca mais genuína e duradoura.
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10. Que profissão teria, se não trabalhasse em marketing?
Se não trabalhasse em marketing, acho que gostava de ser psicóloga. Perceber o comportamento das pessoas é algo que me fascina — e, no fundo, trabalhar numa equipa de marketing é quase isso: tentar perceber o que as pessoas precisam e pôr a marca exatamente onde faz sentido para elas.
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