Da TAP à Efacec. “Pobre” governança em empresas públicas afeta credibilidade política e IPCG faz recomendações

IPCG alerta para fraca governança que tem permitido casos mediáticos em empresas públicas, como TAP e Efacec. Faz recomendações, da avaliação das participações do Estado à maior autonomia da gestão.

O Instituto Português de Corporate Governance (IPCG) avançou um conjunto de 23 recomendações destinadas a melhorar a governança no âmbito do Setor Empresarial do Estado, que vão desde a responsabilização do acionista Estado a uma maior autonomia na gestão da empresa. O presidente do IPCG, João Moreira Rato, salienta que uma melhor governança teria evitado casos mediáticos em torno de empresas públicas como a TAP e a Efacec, que acredita terem tido um impacto negativo no sistema democrático, descredibilizando as instituições.

Até ao momento, o IPCG estava focado em melhorar a governança das grandes empresas, sobretudo cotadas, para as quais desenvolveu o Código de Governo das Sociedades, um guia de boas práticas que promove junto das mesmas e, se interessadas, monitoriza a respetiva aplicação. Contudo, “era importante olharmos para a governance do setor empresarial do Estado”, considera João Moreira Rato, pelo que a lista agora lançada constitui “um ponto de partida para o que devem ser as boas práticas do setor empresarial do Estado”.

“Muitas das questões que acontecem no setor empresarial do Estado têm a ver com pobre governance“, afere, notando que os acontecimentos mediáticos que têm afetado de alguma forma a credibilidade de vários governos e até a credibilidade do sistema político estão à volta de empresas públicas“. TAP, Efacec e a gestão hospitalar são três dos exemplos assinalados pelo líder do IPCG.

Os acontecimentos mediáticos que têm afetado de alguma forma a credibilidade de vários governos e até a credibilidade do sistema político estão à volta de empresas públicas.

João Moreira Rato

Na sua opinião, “muito do folclore, à volta do caso da TAP, teria sido evitado” caso existisse uma melhor governança, já que “queimou” toda a gente envolvida, desde os governantes até à CEO e ao Conselho de Administração. Os próprios visados, acredita, se pudessem voltar atrás, provavelmente prefeririam que existissem regras “muito mais claras”, pois poderiam ter aparecido problemas mas existiriam também explicações. “Toda a gente perdeu e provavelmente até teve algum impacto negativo no próprio sistema democrático”, remata.

O mesmo sublinha que uma má governança permite um nível maior de interferência política, mas também quefacilita uma relação muito próxima do clientelismo partidário com a gestão das empresas públicas” e que a gestão não tenha que prestar contas sobre todos os aspetos do próprio desempenho. A fraca governança “beneficia um certo tipo de sistema, e obviamente que há gestores públicos, do passado muitos deles, e alguns ainda do presente, que têm dificuldades em funcionar num sistema com mais escrutínio“. Entende, por isso, que podem ser criadas algumas resistências à melhoria.

"Muito do folclore, à volta do caso da TAP, teria sido evitado [com boa governança].”

João Moreira Rato

Presidente do IPCG

Tudo isso diminui a confiança do cidadão no sistema“, alerta, por fim, o presidente do IGCP, denunciando que “cada vez que há falhas, o sistema deprecia aos olhos do cidadão. E é um custo grande que se vai pagando”.

Com a lista de 23 recomendações que agora lança, o IPCG pretende “apoiar a definição de políticas públicas mais robustas e sustentáveis” e contribuir para um debate informado sobre o futuro das empresas públicas em Portugal.

Estado deve justificar a participação nas empresas e permitir autonomia

O IPCG faz uma série de recomendações em relação ao papel do Estado como acionista. Em primeiro lugar, entende que “deve ser estabelecida uma estrutura clara no Ministério das Finanças que centralize e coordene a ação do Estado como acionista“, de forma a facilitar a prestação de contas e o objetivo de transparência. Uma entidade “de natureza semelhante” ao Conselho de Finanças Públicas deverá “proceder regularmente” a uma análise do exercício da função acionista pela parte do Estado.

Em paralelo, o Estado deve publicar um relatório anual sobre o Setor Empresarial do Estado, a fim de aumentar a transparência e promover a comparabilidade.

Sobre a relação com as empresas públicas, o IPCG defende que seja definida uma política acionista para cada empresa do setor empresarial do Estado, atualizada “regularmente” e que, nos casos que se justifique, passe por aprovação parlamentar.

“É preciso, por uma questão de bom funcionamento do regime democrático, que esteja claro e bem definido porque é que o Estado entrou no capital daquela empresa, qual é a motivação, porque o Estado tem objetivos que não poderiam ser desempenhados por uma empresa na esfera privada”, explica Moreira Rato. Nos casos “mais importantes e mais materiais”, o próprio Parlamento deve ser ouvido.

“Em muitos casos, não é claro porque é que o Estado interveio na empresa”, considera o mesmo. Aponta como exemplo o caso da Inapa, no qual “pode não ser muito claro para os cidadãos porque é que o Estado tem interesse em intervir”. Refere a lista de participações da Parpública como algo digno de reflexão. “Houvesse uma avaliação independente do setor empresarial do Estado, e essa avaliação deveria ser feita no sentido de qual é o objetivo, por que razão o Estado está na empresa, quais são os objetivos que tem e se esses objetivos estão a ser cumpridos ou não e como é que estão a ser cumpridos”, resume.

Já no sentido de promover a autonomia da gestão empresarial, “deve haver um contrato de gestão entre o Estado, representado pelos ministérios setoriais e o das Finanças, e cada Conselho de Administração”, lê-se nas recomendações. Moreira Rato admite que esta figura já existe nalguns casos, “mas não é generalizada”. Nestes contratos, devem estar vertidos os objetivos que o Governo — ou o Parlamento, em casos “mais materiais” — terão definido para a empresa.

A definição clara dos objetivos que o Estado tem para uma empresa serve também para “não deixar que a empresa fique cativa da própria gestão e dos interesses partidários“. Estes objetivos devem ser definidos consoante a dinâmica eleitoral — se existem mudanças relevantes no Parlamento ou não, que justifiquem uma revisão.

No caso da TAP, Moreira Rato destaca “várias questões de interferência política”, nomeadamente o pedido do ex-secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, para alterar um voo do Presidente da República a Moçambique, que considera um exemplo “anedótico” do não respeito pela autonomia.

O IPCG apela ainda à aprovação atempada dos Planos de Atividades e Orçamento, já que estes últimos documentos, “muitas vezes”, têm sido aprovados depois do ano acabar, o que “é muito difícil depois para a gestão da empresa”, diz o líder do instituto.

Da parte das empresas, deve ser estabelecida “uma política de gestão de conflitos de interesse”, a ser monitorizada pelo órgão de fiscalização de cada empresa, e mecanismos de auditoria e controlo internos, assim como reforçada a transparência. “Um bom controle das partes relacionadas pode ser uma boa forma de precaver até casos de corrupção”, sublinha Moreira Rato.

Contratação pública reforçada e melhores remunerações

O recrutamento de gestores no setor empresarial do Estado deve partir de “mecanismos claros de identificação de características procuradas nos membros do Conselho de Administração, bem como um processo de nomeação transparente e devidamente justificado”, aponta a lista de recomendações.

Um dos problemas identificados pelo líder do IPCG é que existem “muitos casos em que há nomeações por substituição”, as quais acabam por, com frequência, transformarem-se em nomeações mais tarde. “Se se faz uma nomeação por substituição, o risco é maior que a nomeação seja política“, indica Moreira Rato. Uma das soluções para os casos urgentes, nos quais a nomeação por substituição é necessária, é existir um limite temporal muito claro. Por outro lado, situações em que a pessoa no cargo é substituída a cada ciclo político, poderiam ser evitadas caso o contrato de gestão se mantenha e esteja a ser cumprido.

João Moreira RatoHugo Amaral/ECO

“A opinião pública e os cidadãos têm uma desconfiança enorme, neste momento, à volta deste sistema, desta questão das nomeações. E isto não ajuda o sistema, não ajuda os partidos políticos e não ajuda o próprio sistema democrático”, reforça Moreira Rato, ao mesmo tempo que considera a questão das nomeações e lideranças das empresas públicas “um dos principais problemas” que advém da fraca governança nesta esfera.

“É importante que a Cresap [Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública] tenha capacidade”, tanto para avaliar currículos como, se for preciso, “trazer gente de fora”, continua Moreira Rato. Uma das recomendações é que esta seja fortalecida e tenha um papel ativo na identificação de candidatos.

Por fim, “o Setor Empresarial do Estado deve ter a capacidade de atribuir remunerações competitivas, bem como de premiar o mérito e a produtividade”, recomenda o IPCG, de forma a promover a atração de talento.

Melhor governança torna ímpeto de privatizar “menos provável”

Confrontado com a hipótese de se, perante a aplicação de melhor governança e maior transparência, poder acender-se uma insatisfação com os resultados que incentive à privatização de empresas, Moreira Rato contraria: “Uma melhor governance diminuiria esse risco, porque estaria mais claro para o cidadão porque é que aquela empresa não é privada, [e que] portanto, está a desempenhar o seu papel”.

Ademais, “pode haver até mais razão para privatizar se a empresa estiver realmente a ser mal gerida por gestores incompetentes, mal escolhidos, que não prestam contas e que perdem dinheiro sistematicamente“, pelo que vê como “menos provável” que os cidadãos defendam uma política de privatização uma vez que sejam aplicadas as recomendações. Contudo, concede que as propostas contidas na lista ajudam a fazer-se uma triagem de que empresas faz sentido manter ou não na esfera do Estado.

Uma das recomendações previstas na lista é que sejam “claramente definidos os processos a seguir caso seja decidida a privatização parcial ou total de empresas do setor empresarial do Estado”, sendo que estas operações podem pedir ratificação parlamentar, consoante a relevância.

Monitorização de empresas públicas na calha

O IPCG considera essencial que estas propostas sejam amplamente debatidas pela sociedade civil, contribuindo para uma governação mais moderna, transparente e orientada para resultados nas empresas do setor público.

De momento, o instituto não está em conversações para acompanhar nenhuma das empresas do setor empresarial do Estado, à semelhança da monitorização que tem vindo a fazer junto de grandes empresas através do Código de Governo das Sociedades. A exceção é a Caixa Geral de Depósitos, que já é acompanhada no âmbito deste último código. A Águas de Portugal também já recebeu formação em governança. Contudo, o líder do IPCG admite que as recomendações possam vir a ser aprofundadas, criando um código próprio para o setor empresarial do Estado, e evoluindo para o acompanhamento das empresas desta esfera.

"Eu acho que o Governo tem que tomar a iniciativa [quanto às recomendações]. E os grupos parlamentares têm de pressionar. Mas acho que as empresas em si também têm de mostrar interesse.”

João Moreira Rato

Presidente do IPCG

Foi há dois anos que o instituto iniciou o esforço de criar a lista de boas práticas, que apresentou ao Governo e a grupos parlamentares do PSD e PS no ano passado (embora tenha mostrado disponibilidade para falar com todos os partidos com representação parlamentar). As recomendações também foram partilhadas com o Conselho de Finanças Públicas. Agora, o IPCG entende que faz sentido apresentar as recomendações também a entidades como a Inspeção Geral das Finanças ou o Tribunal de Contas.

Eu acho que o Governo tem que tomar a iniciativa [quanto às recomendações]. E os grupos parlamentares têm de pressionar. Mas acho que as empresas em si também têm de mostrar interesse“, defende o presidente do IPCG.

O grupo de trabalho responsável por este conjunto de recomendações integrou personalidades como Duarte Calheiros, Filipe Morais, Gonçalo Reis, João Moreira Rato, José Furtado, Raquel Sabino Pereira, Rui Pereira Dias e Vítor Bento.

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