Contestação à reforma da lei do trabalho já chegou à rua. Vem aí onda de protestos?

Pelo segundo fim de semana consecutivo, há contestação nas ruas contra a reforma da lei do trabalho em curso. Aberto a negociar, Governo já avisou, porém, que não quer paz social a qualquer custo.

O Marquês do Pombal, em Lisboa, e a Praça do Marquês, no Porto, são palco este sábado, dia 20 de setembro, de manifestações convocadas pela CGTP contra a reforma da lei do trabalho que está em curso. Os sindicatos acusam o Governo de atacar os direitos dos trabalhadores. E até a UGT já admite uma greve geral.

Depois de um primeiro ano de governação de Luís Montenegro marcado por uma redução da contestação social, estará agora no horizonte uma nova onda de protestos? Os politólogos ouvidos pelo ECO sublinham que o período eleitoral que se aproxima pode também explicar um potencial crescendo da contestação.

Ao centro, Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP.Lusa

Após, na primeira legislatura, o Governo de Luís Montenegro não ter conseguido concretizar a promessa de revisitar a Agenda do Trabalho Digno (devido à antecipação das eleições legislativas), em julho aprovou em Conselho de Ministros e apresentou na Concertação Social um anteprojeto que prevê mais de 100 mudanças ao Código do Trabalho.

Nesse pacote, estão incluídos, por exemplo, o alargamento dos limites da contratação a termo, o apertar dos limites da dispensa para a amamentação, o fim do travão do outsourcing após despedimentos coletivos e por extinção do posto de trabalho, o regresso do banco de horas individual e a facilitação da recusa de teletrabalho por parte do empregador.

Nos dois meses que se passaram desde que esse anteprojeto foi apresentado, não faltaram vozes a criticar o que está em cima da mesa, com ambas as centrais sindicais com assento na Comissão Permanente da Concertação Social a “chumbar” as intenções do Governo.

A ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, tem garantido ter abertura para negociar, mas já deixou claro que o Governo não está disposto a “comprar” a paz social a qualquer custo. “O Governo está aberto a todas as soluções construtivas, mas devo dizer com toda a clareza: não vai querer a paz [social] a qualquer preço hoje, não vai comprar um consenso hoje para ter um problema maior amanhã. Este Governo é reformista, está cá para resolver os problemas dos portugueses”, sublinhou em declarações à RTP ainda esta semana.

É neste cenário que acontecem este sábado as manifestações convocadas pela CGTP, na sua “jornada nacional de luta contra o pacote laboral”. Já no fim de semana passado tinham acontecido protestos na rua contra estas mexidas à lei do trabalho organizadas nas redes sociais, daí que ecoe a pergunta: vem aí um agravamento da contestação social?

O facto de o Governo ter apostado, tanto no programa, como na definição da sua composição, por um perfil de ‘reforma’ conduz a um sentimento de desconfiança por parte das centrais sindicais e por parte dos trabalhadores.

Bruno da Costa

Professor da Universidade da Beira Interior

Em declarações ao ECO, o politólogo Bruno da Costa, da Universidade da Beira Interior, explica, antes de mais, que o facto de o Governo ter apostado, no seu programa e na sua composição, num “perfil de ‘reforma’ conduz a um sentimento de desconfiança por parte das centrais sindicais e por parte dos trabalhadores“.

“Por outro lado, estando em curso um período eleitoral (autárquicas e presidenciais), é natural que se registe um crescimento das movimentações em torno da contestação a algumas propostas do Governo”, salienta o professor universitário.

Já o politólogo José Palmeira, da Universidade do Minho, admite que, pelo menos, por enquanto, não é certo se haverá uma onda de contestação. Nota, contudo, que, ao contrário do que se pode pensar, “a contestação social ganha, por vezes, maior dimensão em momentos de estabilidade política e numa conjuntura macroeconómica favorável do que em situações de crise“.

“Atribui-se a Mário Soares, quando primeiro-ministro no tempo do bloco central, em meados dos anos oitenta e em plena intervenção do FMI em Portugal, a afirmação de que havia pouca contestação nas ruas porque as pessoas nem forças tinham para se manifestar. Isto é, a falta de contestação não era uma boa notícia, mas, sim, o reflexo da situação económico-social difícil que o país atravessava”, comenta o mesmo.

Protestos influenciam negociação na Concertação?

Reunião Plenária da Conselho Permanente de Concertação Social - 03ABR25

A próxima reunião da Comissão Permanente da Concertação Social sobre a reforma da lei laboral deverá acontecer já em outubro (ainda haverá uma este mês, mas servirá para discutir o Orçamento do Estado). Não é, porém, ainda claro se será possível ou não haver um acordo entre os vários parceiros sociais.

Da parte dos sindicatos, a CGTP defende que o Governo deve retirar, na íntegra, o anteprojeto, enquanto a UGT admite negociar as medidas que estão em cima da mesa e nem descarta um eventual entendimento com as confederações empresariais e com o Governo… Mas só se as medidas mais gravosas forem alteradas (nomeadamente, o banco de horas individual e o travão à reintegração após despedimentos ilícitos).

Por outro lado, a central sindical liderada por Mário Mourão não rejeita também uma potencial greve geral.

Questionado, assim, sobre o impacto desta contestação na negociação em curso na Concertação Social, o politólogo e professor universitário José Palmeira argumenta que “os sindicatos não têm o mesmo poder que tinham no passado“, concentrando-se hoje a sua influência, sobretudo, no setor público e na área dos transportes, “onde, quando há greves, o seu efeito é mais visível em termos de impacto público”.

Os sindicatos não têm o mesmo poder que tinham no passado e hoje a sua influência concentra-se, sobretudo, no setor público e na área dos transportes.

José Palmeira

Professor da Universidade do Minho

Afirma também que questões salariais ou fiscais (como a Taxa Social Única, que gerou as históricas manifestações no Governo de Passos Coelho) tendem a ser mais mobilizadoras do que alterações legislativas, ainda que com impacto na precariedade no trabalho. Isto porque as primeiras são mensuráveis e imediatas, e as segundas não têm efeitos automáticos.

A isto, o politólogo Bruno da Costa acrescenta que, com a atual composição parlamentar e o enfraquecimento de alguns dos partidos na Assembleia da República, “existe margem para o Governo ‘forçar’ a sua agenda e alcançar alguns dos consensos que pretende“.

Ou seja, admite que a contestação social tem sempre algum peso nas negociações, mas, com o atual cenário, o Governo tem margem para, apesar dos protestos, negociar e potencialmente viabilizar as suas propostas.

Depois da Concertação, o Parlamento

Chega deverá ficar com viabilização da reforma laboral nas mãos.Hugo Amaral/ECO

Desde que o anteprojeto de reforma da lei do trabalho foi apresentado que o PS não tem parado de o criticar. Aliás, o próprio secretário-geral socialista, José Luís Carneiro, já disse que entende que “é mesmo necessário um grande sobressalto cívico“, classificando as propostas em causa como um “retrocesso civilizacional“.

Sem maioria absoluta no Parlamento, o Governo da AD terá, no entanto, de procura na oposição quem viabilize estas mexidas à lei do trabalho, tendo o Chega já mostrado abertura para analisar o que está em cima da mesa.

Porém, o líder desse partido, André Ventura, anunciou, entretanto, que se irá candidatar à Presidência da República, o que poder levar “o próprio e o partido a adotar agora uma postura mais crítica face a determinadas medidas e propostas“, antecipa o referido politólogo da Universidade da Beira Interior.

O avanço de André Ventura na corrida presidencial pode levar o próprio e o partido a adotar uma postura mais crítica face a determinadas medidas e propostas, bem como adotar uma posição mais dura na negociação do OE para 2026.

Bruno da Costa

Professor da Universidade da Beira Interior

“No entanto, o Chega segue um caminho de procurar demonstrar alguma responsabilidade, apresentando o partido com a ‘aura da governabilidade’ e do diálogo“, ressalva Bruno da Costa.

No mesmo sentido, o professor José Palmeira realça que “o Chega, como qualquer outro partido, é sensível ao que acontece nas ruas”. “Mas a contestação social nunca é unânime e gera, muitas vezes, descontentes. Um partido de natureza populista pode tirar partido disso, colando os sindicatos ao sistema que diz combater. Em contrapartida, tende a convergir com movimentos ditos inorgânicos, aparentemente espontâneos e mais imprevisíveis em termos da dimensão dos seus atos, como assistimos há poucos anos”, esclarece.

Protestos impactam eleições no horizonte?

Há duas idas às urnas no horizonte: as autárquicas já em outubro e as presidenciais no próximo ano.ANDRÉ KOSTERS / LUSA

Falta menos de um mês para os portugueses voltarem às urnas. Desta vez, para eleições autárquicas. E no próximo ano será o momento de escolher um novo Presidente da República. Tudo isto num cenário, como já mencionado, marcado por críticas e tensões (na rua e não só) em torno da lei do trabalho.

No caso das eleições marcadas para 12 de outubro, o politólogo José Palmeira refere que as autárquicas tendem a ser mais influenciadas por fatores locais. “No entanto, sobretudo nos grandes centros urbanos, pode acontecer alguma tendência para penalizar (ou beneficiar, quando é o caso) o partido ou os partidos responsáveis pelas políticas nacionais“, alerta.

Também Bruno da Costa sublinha que, nas autárquicas, regra geral, conta mais o perfil do candidato e o histórico do partido no município do que o contexto nacional. Mas avisa: “face à atual composição parlamentar e ao peso eleitoral do Chega, bem como de diversos movimentos independentes, pode verificar-se um contexto de maior penalização aos partidos que têm feito parte do ‘arco da governabilidade’. Uma parte do eleitorado pode reagir com um ‘voto de contestação’, mas isso vai depender, em forte medida, da taxa de participação nestas eleições”.

No caso das eleições presidenciais a contestação social pode ter outro efeito, favorecendo, por exemplo, candidatos que expressem uma maior sensibilidade social (no caso dos contestatários) ou os candidatos com um perfil de maior autoridade (nos eleitores que preferem a estabilidade à contestação).

José Palmeira

Professor da Universidade do Minho

Já no caso das eleições presidenciais, o professor da Universidade da Beira Interior não antecipa um impacto imediato da contestação em torno da lei do trabalho. “O número de candidatos e o afastamento de parte deles das lideranças partidárias poderá fazer com que os eleitores se sintam ‘menos conectados’ a um voto ligado ao percurso do Governo ou de algum partido da oposição”.

Já José Palmeira prevê que, nas eleições presidenciais, a contestação social pode favorecer, por exemplo, os candidatos que “expressem uma maior sensibilidade social (no caso dos contestatários) ou os candidatos com um perfil de maior autoridade (nos eleitores que preferem a estabilidade à contestação)”.

Nas manifestações da semana passada, estiveram presentes o candidato presidencial pela CDU, António Filipe, e a candidata pelo Bloco de Esquerda, Catarina Martins, segundo relatou a Lusa. O candidato comunista até já admitiu que, a ser eleito, recorreria a um veto para travar as muitas mexidas à lei do trabalho que o Governo quer levar a cabo.

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