Marcelo aponta ausência do “mais poderoso do mundo” na mediação na Ucrânia e em Gaza
Presidente da República apontou a ausência do "mais poderoso do mundo" na mediação das guerras na Ucrânia e em Gaza.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu esta terça-feira que a ONU é insubstituível e apontou a ausência do “mais poderoso do mundo” na mediação das guerras na Ucrânia e em Gaza.
O chefe de Estado falava na 80.ª sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, onde, mais cedo, o Presidente norte-americano, Donald Trump, alegou ter acabado com sete guerras, sem a ajuda da ONU.
No seu discurso, de cerca de 20 minutos, em que falou em inglês, português, francês e castelhano, Marcelo Rebelo de Sousa considerou que “as Nações Unidas enfrentam um momento existencial” e precisam de mudanças, mas nenhuma outra organização as poderá substituir: “Nenhum G1 nenhum G2, nenhum G3, nenhum G1+1, 1+2 ou 2+1 será uma alternativa”.

“Basta pensar na situação na Ucrânia ou na situação no Médio Oriente. Na Ucrânia, há anos e agora há meses, há oito meses, está-se à espera mediação do mais poderoso do mundo. Temos um cessar-fogo? Não, não temos”, apontou.
“No caso do Médio Oriente, esperámos, esperámos e esperámos pela intervenção do mais poderoso do mundo. Tivemos um cessar-fogo? Sem a intervenção multipolar e multilateral de tantos países, aqui, em Nova Iorque, com o reconhecimento da existência do Estado da Palestina — alguns europeus, outros não europeus — não mudaríamos tão cedo”, acrescentou.
Viabilidade da solução de dois Estados deteriora-se perigosamente, diz Guterres
O secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou esta terça-feira, perante o Conselho de Segurança, que a possibilidade de dois Estados no Médio Oriente – um israelita e um palestiniano – está a “deteriorar-se perigosamente“.
“A viabilidade da solução de dois Estados está a deteriorar-se perigosamente, atingindo agora o seu nível mais crítico em mais de uma geração“, disse Guterres numa reunião do Conselho sobre a situação no Médio Oriente, que coincidiu com o primeiro dia do debate de alto nível da ONU.
Mesmo assim, Guterres voltou a pedir esta terça-feira uma Palestina “independente, soberana, democrática e viável”, coexistindo com Israel, assim como um aumento da segurança baseado nas fronteiras anteriores a 1967.
O antigo primeiro-ministro português defendeu que “o dia seguinte” ao conflito seja regido pelo direito internacional e rejeite qualquer fórmula que enfraqueça esse objetivo.
Ainda de acordo com o secretário-geral, a “expansão implacável” dos colonatos de Israel e as anexações, assim como o deslocamento forçado e “ciclos de violência mortal”, resultaram num padrão “horrível” de ocupação.

Além de tudo isso, a Autoridade Palestiniana enfrenta pressões fiscais, políticas e institucionais que prejudicam a sua capacidade de funcionar, acrescentou.
“A colonização deve cessar. O Tribunal Internacional de Justiça deve intervir, inclusive no caso de Israel, para ordenar a cessação imediata das atividades de colonização”, acrescentou.
Também enfatizou que o conflito israelo-palestiniano está a passar por um dos “episódios mais sombrios da história”.
No sábado, o Governo do Hamas na Faixa de Gaza estimou que cerca de 900.000 pessoas permanecem na capital e que outras 270.000 deixaram a cidade, um número que entra em conflito direto com a estimativa do Exército israelita de que conseguiu deslocar 480.000 pessoas.
Além de Guterres, ministros das Relações Exteriores como Cho Hyun, da Coreia do Sul, falaram na reunião desta terça-feira do Conselho de Segurança, denunciando a operação terrestre lançada por Israel para tomar o controlo da Cidade de Gaza.
Toda essa situação, argumentou, eleva o risco de agravar ainda mais “uma crise humanitária já catastrófica”.
Hyun afirmou que o seu país está comprometido com o reconhecimento do Estado palestiniano no momento “apropriado” para a consolidação dos dois Estados.
Nos últimos dias, países como Portugal, França, Bélgica, Reino Unido e Canadá reconheceram o Estado palestiniano, elevando para 157 o número de nações que já reconhecem este Estado árabe.
Comissão da ONU conclui que Israel tem “intenção clara” de controlar Gaza
Uma comissão de investigação da ONU determinou que Israel tem uma “intenção clara e consistente” de exercer “controlo permanente” sobre a Faixa de Gaza e possivelmente anexar todo o território palestiniano, segundo um relatório divulgado esta terça-feira.
Isso, após deslocar à força a população palestiniana tanto da Faixa de Gaza como da Cisjordânia, onde continua a expandir os seus colonatos em território ocupado, todos ilegais à luz do Direito Internacional.
No relatório, a comissão de investigação sobre a Palestina sublinhou que não conseguiu encontrar “qualquer argumento razoável” que justifique a definição pelo Exército israelita de corredores como o de Filadélfia e o de Morag e de uma zona tampão alargada em Gaza — que constitui 75% do território do enclave palestiniano.
A redução do território palestiniano na Faixa de Gaza, em consequência da criação dessas zonas de segurança, afirmou a comissão, tem “implicações significativas” para a capacidade da população de “exercer o seu direito à autodeterminação”.
Do mesmo modo, salientou que “a vasta destruição e fragmentação do território” de Gaza, bem como a destruição de recursos naturais e infraestruturas essenciais devido aos “ataques sistemáticos” ao enclave, impediram os habitantes de regressar às suas casas, o que abriu caminho para que numerosos responsáveis israelitas argumentassem que a população palestiniana tem de ser deportada para países terceiros.
Por outro lado, a comissão indicou que as políticas aplicadas por Israel desde o ataque de 07 de outubro de 2023 do movimento islamita palestiniano Hamas a território israelita, que desencadeou, horas depois, a retaliação de Israel – ainda em curso -, demonstram uma “clara intenção de deslocar à força os palestinianos” da Cisjordânia, expandir a sua presença e “anexar a totalidade” do território palestiniano para impedir “qualquer possível autodeterminação e criação de um Estado palestiniano”.
As recentes operações militares de Israel nos campos de refugiados de Jenin, Tulkarem e Nur Shams “alteraram significativamente a paisagem geográfica através da destruição de edifícios e infraestruturas”, denunciou.
A comissão das Nações Unidas também classificou como “punição coletiva” a destruição de habitações de alegados terroristas em diversos pontos da Cisjordânia.
“Estou particularmente consternada com o recente anúncio do ministro das Finanças israelita, Bezalel Smotrich, de anexar 82% da Cisjordânia ocupada, e com a aprovação de um plano que consolida a expansão dos colonatos E1”, declarou a presidente da comissão, Navi Pillay.
Segundo a responsável, tais políticas “corroboram as conclusões do relatório”.
“A invasão israelita da totalidade da Cisjordânia e a expropriação e realocação de múltiplas comunidades palestinianas são agora objetivos explícitos, dos quais os responsáveis israelitas se orgulham. Tais planos e declarações são abomináveis e devem ser amplamente condenados”, sustentou.
A comissão também apontou que há “semelhanças entre as operações israelitas na Cisjordânia e as operações na Faixa de Gaza”, o que “levanta a preocupação de que Israel esteja a atacar o povo palestiniano no seu conjunto”.

“A comissão conclui que as autoridades israelitas infligiram deliberadamente condições de vida aos palestinianos de Gaza com o objetivo de destruir, total ou parcialmente, os palestinianos de Gaza, o que constitui um ato subjacente de genocídio”, vincou.
A guerra declarada em Gaza para “erradicar” o Hamas – depois de o seu ataque a Israel fazer cerca de 1.200 mortos e 251 reféns – fez, até agora, pelo menos 65.382 mortos, na maioria civis, e 166.985 feridos, além de milhares de desaparecidos, presumivelmente soterrados nos escombros e também espalhados pelas ruas, e mais alguns milhares que morreram de doenças e infeções, segundo números atualizados das autoridades locais, que a ONU considera fidedignos.
Prosseguem também diariamente as mortes por fome, causadas por mais de dois meses de bloqueio de ajuda humanitária e pela posterior entrada a conta-gotas de alguns mantimentos, distribuídos em pontos considerados “seguros” pelo Exército, que regularmente abre fogo sobre civis famintos, tendo até agora matado 2.526 e ferido pelo menos 18.511.
Há muito que a ONU declarou o território em grave crise humanitária, com mais de 2,1 milhões de pessoas numa “situação de fome catastrófica” e “o mais elevado número de vítimas alguma vez registado” pela organização em estudos sobre segurança alimentar no mundo, mas a 22 de agosto emitiu uma declaração oficial do estado de fome na cidade de Gaza e arredores.
Já no final de 2024, uma comissão especial da ONU acusara Israel de genocídio em Gaza e de usar a fome como arma de guerra, situação também denunciada por países como a África do Sul junto do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), e uma classificação igualmente utilizada por organizações internacionais e israelitas de defesa dos direitos humanos.
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