E se o controlo da SIC e Expresso deixar de ser português? No caso dos media, a nacionalidade do acionista importa?
No caso dos media, a nacionalidade do acionista importa? Importa que o grupo se mantenha independente e que seja robusto do ponto de vista financeiro, respondem as fontes ouvidas pelo ECO/+M.

Nos próximos dias é provável que o controlo da SIC e do Expresso passe para as mãos dos italianos da MFE, donos da Mediaset Itália, Mediaset Espanha e de mais de 75% da alemã ProSiebenSat.1.
Com o objetivo de se tornar o principal grupo de media da Europa, e vendo a escala como essencial para lutar taco a taco com players internacionais como a Netflix ou o YouTube, o grupo controlado pela família Berlusconi colocou então Portugal no radar e [ao que tudo indica] passará a ser o principal acionista do grupo que nasceu com o Expresso, em 1973, e que é ainda dono do maior jornal do país e também do canal líder – ou que disputa a liderança – na televisão generalista.
Dito por outras palavras, o centro de decisão do grupo de media fundado por Francisco Pinto Balsemão deixará o território nacional. E, no caso dos media, a nacionalidade do acionista importa? Importa que o grupo de mantenha independente e que seja robusto do ponto de vista financeiro, respondem as fontes ouvidas pelo ECO/+M.
Um grupo de média com forte reputação de proteção de jornalismo independente pode ser bem melhor do que um investidor nacional com fortes interesses económicos e sem cultura de independência dos media…
Miguel Poiares Maduro desvaloriza a nacionalidade dos acionistas dos grupos de media. Em sua opinião, há dois pontos fundamentais, e nenhum se prende com esta questão. “Qual a cultura de independência do grupo e se existem ou não potenciais conflitos de interesse. Isso tanto pode ser o caso com nacionais como estrangeiros (os conflitos de interesse até podem ser mais prováveis com nacionais do que estrangeiros)”, começa por enquadrar o diretor da Católica Global School of Law, da Universidade Católica Portuguesa.
“Um grupo de média com forte reputação de proteção de jornalismo independente pode ser bem melhor do que um investidor nacional com fortes interesses económicos e sem cultura de independência dos media…”, reforça o antigo ministro, que tutelou a comunicação social entre 2013 e 2015. “As regras (e a sua aplicação eficaz) em matéria de transparência de propriedade e fluxos financeiros, por um lado, e de garantias editoriais e proteção da independência dos jornalistas por outro. Isto é algo mais importante do que a nacionalidade dos acionistas“, completa Poiares Maduro.
O ponto fundamental, “independentemente de quem são os donos”, é que “temos que ter meios de comunicação social fortes e independentes“, concorda Ricardo Torres Assunção, presidente executivo da Associação Portuguesa de Anunciantes (APAN)
Salvaguardando que não fala do caso da Impresa em concreto, por ainda estar a ser negociado e o desfecho não ser conhecido, o responsável da associação que representa os anunciantes frisa que o mundo é cada vez mais global, pelo que “o importante é que ter órgãos de comunicação social fortes e independentes”. “É fundamental para termos um ecossistema de media e de publicidade saudável. E mesmo para a democracia”, frisa Ricardo Torres Assunção, que em nome da APAN representa tanto empresas nacionais como multinacionais. “Não é tema, queremos é que as empresas estejam cá e apostem no país“, resume.
O importante é que ter órgãos de comunicação social fortes e independentes”. É fundamental para termos um ecossistema de media e de publicidade saudável. E mesmo para a democracia.
A opinião de Alberto Rui Pereira, CEO do grupo IPG Mediabrands vai no mesmo sentido. “A JC Decaux é francesa e não tem um papel importante? A Bauer Media Áudio não tem um papel importante?”, questiona de forma retórica o responsável máximo pelas agências de meios Initiative e UM.
O importante, defende o responsável, é que os grupos que operam em Portugal produzam conteúdos de entretenimento e informação de qualidade e que “tenham capacidade financeira para se desenvolverem e prestarem um bom servido ao mercado publicitário, mas também à sociedade. Se para isso precisarem de grupos estrangeiros – que trazem escala e tecnologia – que venham mais estrangeiros”.
“Já se provou que os portugueses não têm essa capacidade”, constata o responsável.
O importante é que os grupos de media “tenham capacidade financeira para se desenvolverem prestarem um bom servido ao mercado publicitário, mas também à sociedade. Se para isso precisarem de grupos estrangeiros, que venham mais estrangeiros”.
Alberto Rui Pereira lembra também que os conteúdos de entretenimento e a informação vão continuar a ser produzidos em Portugal e que a gestão também terá portugueses. “Costuma-se dizer que o dinheiro não tem cor. Os investidores também não, desde que venham por bem“, reforça.
Para o responsável, mais importante do que a nacionalidade do acionista é a Impresa estar a negociar com um grupo de media, com experiência e know-how. “A Impresa tentou encontrar solução cá e não conseguiu. Esta é muito melhor. Estão mais digitalizados, podem trazer conteúdos, conhecimento, experiência,… e também podemos exportar conteúdos”.
“Ser um grupo de media é bom. Vão investir, não é para vender amanhã. E a estrutura é totalmente transparente, sabemos quem são e como foram constituídos”, refere, até em alusão a situações menos claras em relação ao acionista, como a que aconteceu na Global Media. “Que venham eles”, remata Alberto Rui Pereira.
Na realidade, não é uma originalidade os media serem controlados por grupos estrangeiros. A título de exemplo, os suíços da Ringier Sports Media Group (RSMG) são desde 2023 os donos d’A Bola e, de acordo com Ricardo Peres, CEO da empresa, a marca já saiu do vermelho.
Recuando a 2022, também a Rádio Comercial, a Rádio Cidade, a M80 ou a Smooth FM foram vendidas, por 69,9 milhões de euros, pela Media Capital ao grupo alemão Bauer Media. Salvador Ribeiro, que já era o responsável da Media Capital Rádios, manteve-se como CEO.
O que me interessa é a robustez de cada grupo, não a nacionalidade. Um grupo que pode aportar valor, é bom para todos. Para os ouvintes [no caso da rádio], anunciantes, trabalhadores.
“O que me interessa é a robustez de cada grupo, não a nacionalidade. Um grupo que pode aportar valor, é bom para todos. Para os ouvintes [no caso da rádio], anunciantes, trabalhadores“, diz, sem referir o caso concreto da Impresa, Salvador Ribeiro.
“A nacionalidade não é tema, desde logo porque se parte do princípio que o acionista não tem intervenção nos conteúdos“, começa por enquadrar o CEO da Bauer Media Áudio Portugal para quem, mais relevante do que a nacionalidade do acionista é o seu background.
Continuando a recuar, o próprio Mário Ferreira, principal acionista da Media Capital, liderou a aquisição do grupo aos espanhóis da Prisa, que por sua vez comprou a dona da TVI em 2005 a Miguel Pais do Amaral. Ou seja, entre 2005 e o início da década, o grupo não era detido por portugueses.
Agora, e como avançou no início da semana ao +M, Mário Ferreira aplaude a entrada dos italianos da MFE em Portugal. “É a lei do mercado a funcionar. Vejo de forma muito positiva um grupo desta dimensão ver potencial em Portugal”, diz em resposta ao ECO/+M o acionista principal do grupo dono da TVI e da CNN Portugal.
“Uma concorrência saudável só pode ser bom para todos. Se a Mediaset investir o que vai investir na dívida do grupo, espera ter retorno. Para ter retorno, tem que estar no mercado com uma postura correta e competitiva”, antecipava o principal acionista da TVI e da CNN Portugal.
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