69% do “mercado cloud” e 90% dos dados europeus estão nas mãos dos Estados Unidos

  • Servimedia
  • 10 Outubro 2025

A Europa procura redefinir a sua política de concorrência e aproveitar o seu capital científico e geográfico para reforçar a sua soberania tecnológica e digital.

A União Europeia continua dependente de terceiros para sustentar a sua economia digital. De acordo com o Relatório sobre Soberania Tecnológica e Digital aprovado pelo Parlamento Europeu em junho deste ano, 69% do mercado europeu de serviços em nuvem é controlado pela Amazon, Microsoft e Google e, segundo um relatório elaborado por Oliver Wyman intitulado «European Digital Sovereignty. Syncing values and value”, 92% dos dados ocidentais são armazenados em infraestruturas americanas.

Numa intervenção na Esade, o ex-diretor do Departamento de Segurança Nacional de Espanha, Miguel Ángel Ballesteros, alertou para a vulnerabilidade da Europa face à concorrência global e apontou a falta de soberania tecnológica como um dos principais desafios. «Se a Europa não canalizar o seu impulso tecnológico, poderá ficar para trás na concorrência mundial», afirmou.

Bruxelas reconhece que, embora o bloco invista cada vez mais na digitalização, a distância em relação às grandes potências tecnológicas não diminui. A Comissão Europeia, no seu State of the Digital Decade 2025, estima em 381,4 mil milhões de euros o gasto total da UE em I&D (2,22% do PIB), ainda 34% inferior ao esforço combinado dos Estados Unidos e da China.

No entanto, a União não parte do zero. Em plena revisão das Orientações sobre o Controlo das Concentrações, Bruxelas procura modernizar a sua política de concorrência para a adaptar a uma economia em que a dimensão, o investimento e a inovação serão essenciais. Ganha cada vez mais força uma abordagem de eficiência dinâmica que tenha em conta a capacidade das empresas para inovar e competir a longo prazo, para além do preço ou das quotas de mercado.

Esta mudança permitiria avaliar as concentrações empresariais não só pelos seus efeitos imediatos, mas também pelo seu potencial para gerar investimento, emprego e resiliência industrial, reforçando setores estratégicos europeus como a energia, a tecnologia ou as infraestruturas críticas.

DEPENDÊNCIA

O Parlamento Europeu é categórico: a soberania tecnológica não consiste apenas em implantar mais fibra, mas em produzir, controlar e proteger a infraestrutura digital. E aí a Europa ainda está para trás.

Em Inteligência Artificial, a UE representa apenas 7% do investimento global, contra 40% dos Estados Unidos e 32% da China, de acordo com o AI Index Report 2025 da Universidade de Stanford. Em semicondutores, o continente fabrica apenas 10% dos chips mundiais, contra 54% de Taiwan e 16% da China, de acordo com a OCDE e a Comissão Europeia.

O relatório europeu alerta ainda para o risco jurídico que representa o facto de grande parte dos dados europeus serem armazenados em servidores norte-americanos, sujeitos a leis como a FISA ou a Cloud Act, que permitem a Washington aceder a informações de empresas europeias, mesmo que os dados estejam fisicamente alojados em território europeu.

Por outro lado, uma conectividade ilimitada, de alta velocidade e segura é a pedra angular da economia digital e, atualmente, a Europa tem 40% menos capital per capita disponível para investimento em redes, em grande parte como consequência da fragmentação do mercado: 90 operadores prestam serviços a 445 milhões de habitantes, enquanto nos Estados Unidos são quatro operadores que prestam serviços a 320 milhões de pessoas.

CAPITAL, REGULAMENTAÇÃO E ESCALA

O défice tecnológico europeu é agravado por uma dupla lacuna: falta de capital privado e excesso de regulamentação. Os fundos de pensões europeus, com ativos superiores a três biliões de euros, destinam apenas 0,02% ao capital de risco, contra 2% dos americanos, de acordo com o Banco Europeu de Investimento.

Além disso, de acordo com o Eurobarómetro 2025, 60% das empresas europeias identificam a complexidade regulatória como um obstáculo ao investimento. Por isso, o Parlamento propõe o princípio «One In, Two Out» — eliminar duas normas por cada nova norma — em setores estratégicos como a IA ou os chips, e incentivar a criação de campeões tecnológicos europeus com capacidade para competir globalmente.

ESPANHA

A Espanha mantém uma cobertura de fibra ótica de 95% — uma das mais altas do mundo, de acordo com a Comissão Europeia — e impulsionou programas como a Estratégia Nacional de Tecnologias Quânticas. Mas, assim como a Europa, o seu desafio está em traduzir essa infraestrutura em talento digital: apenas 33,8% da população possui competências digitais básicas, de acordo com o Eurostat.

O ministro da Transformação Digital, Óscar López, insistiu recentemente no Fórum D9+ de Amesterdão em «simplificar a regulamentação e mobilizar capital privado para não ficar atrás dos Estados Unidos e da Ásia».

EUROPA

A Europa não deve apenas olhar para o que lhe falta, mas aproveitar o que tem. A sua posição geográfica privilegiada — entre a América, África e Ásia —, o seu mercado único de 450 milhões de consumidores, um rendimento elevado e a sua rede de universidades e centros de investigação de ponta conferem-lhe uma vantagem competitiva que poucos blocos podem igualar.

Além disso, o continente conta com um ecossistema de startups em expansão, líderes industriais em setores verdes e digitais e um capital humano altamente qualificado que pode acelerar a transformação tecnológica se acompanhado por um quadro regulatório mais ágil e uma visão comum.

Como aponta o Relatório Draghi, a Europa dispõe do talento, do conhecimento e da capacidade industrial para ser uma potência digital e sustentável. O desafio, ao que parece, não está tanto em alcançá-lo, mas em decidir fazê-lo e fazê-lo com a urgência necessária nos tempos atuais.

Como o próprio Draghi lembrou recentemente no aniversário do seu relatório, é de grande relevância e urgência que a Europa aborde as mudanças necessárias, porque, caso contrário, não poderemos competir em igualdade de condições a nível global, o que, em última análise e num futuro muito próximo, afetará o bem-estar e a segurança dos cidadãos europeus.

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