Autárquicas: dez ângulos alternativos para ver as eleições de domingo

Não é só quem ganha a maior Câmara, ou o maior número entre as 308, tão pouco basta ver que partido mais cresceu ou perdeu em votos.

Em 2026 cumprem-se 50 anos de democracia autárquica em Portugal. Para lá chegar como presidente de Câmara, há que passar no crivo dos eleitores neste domingo. E se as atenções vão estar centradas nas grandes cidades e nos totais nacionais, o xadrez das autarquias esconde muitos pontos de interesse para além desses focos óbvios.

Conheça aqui algumas realidades alternativas às grandes lutas.

  • Dinossauros no “bloco central”

Se Isaltino Morais vencer o terceiro mandato consecutivo, chegará a 2026 com 77 anos de idade e 33 anos a comandar Oeiras.

Em Elvas, José Rondão de Almeida tem vida autárquica ininterrupta desde 1993 – presidente até 2013 pelo PS, vereador socialista até 2015, independente até 2017 e presidente independente desde 2021. Há quatro anos, arrecadou mais votos, mas os mesmos três vereadores do PS, acabando por convidá-los a juntarem-se ao Executivo, o que conseguiu, culminando na retirada de confiança política a esse trio “rosa”. Na hipótese de eleição, agora, aos 83 anos de idade, seguindo-se nova vitória em 2029, estará na presidência até aos 92 anos.

Mais a norte, Fernando Ruas, nascido em 1949, tal como Isaltino, pode fazer ainda mais um mandato na sequência máxima de 12. Caso seja eleito no domingo, chega ao fim do mandato com 80 anos de idade e 36 na cadeira de presidente da Câmara de Viseu.

  • Aldeia gaulesa do PCP na capital

Carnide, freguesia que é residência para cerca de 3% dos lisboetas, é o último reduto comunista na capital, a sua única conquista em 2021. Naquela presidência nunca houve outra cor.

Em 2013, a população elegeu o jovem Fábio Sousa, que não se pode mais candidatar no bairro de onde é natural. Tal como outros 10 dos 24 presidentes de Junta de Lisboa, atinge limite de mandatos.

O psicólogo e bombeiro de 39 anos tentará ser um dos membros da Assembleia Municipal até 2029: em 2021, a CDU elegeu seis deputados municipais e agora Fábio é o terceiro da lista.

Este “bairro gaulês” da CDU valida a opinião de que no poder local as caras podem valer mais que os partidos: a maioria dos eleitores dá vitória comunista na Junta, mas prefere outros partidos nos boletins da Câmara e Assembleia Municipal. Em 2021, mais de 4.000 dos de Carnide votaram em Fábio Sousa, mas menos de 1.600 deram voto para a eleição de João Ferreira na Câmara.

  • Eanes 1985 e os mínimos para o Chega

Pedro Pinto, coordenador autárquico do Chega, admitiu ao ECO/Local Online que conquistar uma Câmara já será uma vitória para o seu partido, considerando que partem do zero. Contudo, colocar a bitola demasiado baixa para capitalizar qualquer vitória não tem correspondência com a expectativa criada nas legislativas de 18 de maio, quando ultrapassou o PS no Parlamento.

No único exemplo de um partido fora do “bloco central” que tenha rondado os 20% de votos em legislativas, o Partido Renovador Democrático (PRD), apadrinhado por Ramalho Eanes em 1985, alcançou três presidências nas autárquicas desse ano. As vitórias surgiram em Almeirim (Santarém), Belmonte (Castelo Branco) e Lamego (Viseu). Dois dos presidentes do PRD vinham do PS e um do PSD.

A 18 de maio, o Chega ganhou em mais de meia centena de concelhos. A 12 de maio vão a votos 95% dos seus 60 deputados, seja para presidentes de Câmara ou de Assembleia Municipal, ou até “segundas linhas” das listas do partido.

  • Vitória com poucochinhos

Os candidatos aos grandes municípios sabem o que é percorrer dezenas de quilómetros a pé para tentar convencer uma ínfima parte da população. Mas há câmaras onde dá para ir falar com todos os eleitores um a um. Acontece numa das 19 câmaras governadas pela CDU, conquistada com apenas 468 votos. Há quatro anos, exatamente 1.000 pessoas foram às urnas em Barrancos.

  • Bloco central autárquico

Na luta de PS e PSD pela Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), cuja liderança é historicamente entregue ao partido com mais câmaras conquistadas, não é só ganhando que se alcança ascendente sobre o adversário. Apoiar uma candidatura independente num concelho onde o partido não tem força por si pode ser uma forma de não só reclamar uma vitória como impedir que o adversário some.

O caso extremo verifica-se em Santiago do Cacém, onde o PCP é o líder nato, mas o presidente não se pode recandidatar. Sem vislumbrarem condições de vitória em Santiago do Cacém, PS e PSD formam um invulgar “bloco central” autárquico em torno de Bruno Pereira. O independente, voz conhecida das rádios Antena 1, Comercial e RFM/Renascença, conta com apoio de ambos os partidos contra Vítor Proença, que viaja desde Alcácer do Sal por estar em limite de mandatos.

  • Os desejados

Isaltino Morais, Maria das Dores Meira e Pedro Santana Lopes são três independentes a quem o PSD recorre para poder reclamar vitórias e impedir o PS de somar câmaras, duas condições para equilibrar a balança que agora pende para os socialistas.

Também no PS se abraçam independentes. Assim é nas Caldas da Rainha, onde o partido apoia Vítor Marques, um ex-presidente de Junta do PSD que se candidatou em 2021 sem símbolos partidários. Na Batalha, Raul Castro, ex-presidente de Leiria pelo partido, optou por se soltar de amarras partidárias em 2021, apesar de o PS optar por o apoiar, e este ano repete-se a fórmula.

Maria das Dores Meira em outubro de 2017, então ainda uma “estrela” da CDU. RUI MINDERICO/LUSARUI MINDERICO/LUSA
  • Os enjeitados

Com 19 câmaras conquistadas em 2021, os movimentos de cidadãos eleitores, comummente designados de independentes, são, a par da CDU, o terceiro “partido” autárquico. Deixados de lado pelos partidos em que militavam, vários dos presidentes de Câmara eleitos em 2021 venceram contra o seu partido. É assim com Isaltino Morais, afastado do PSD há duas décadas por Luís Marques Mendes, Sérgio Costa, preterido na Guarda pelo social-democrata Rui Rio em 2021, ou João Campolargo, eleito em 2021 depois de o PS de António Costa escolher outro nome para aquela corrida em Ílhavo.

Caso mais curioso ocorre em Mafra. Hugo Luís passa de presidente da Câmara de Mafra pelo PSD a oponente independente do social-democrata José Bizarro. O até aqui presidente da Assembleia Municipal foi a escolha de Luís Montenegro para um concelho historicamente “laranja”. Hugo Luís chegou a presidente de Mafra em junho de 2024, aquando da ida para o Parlamento Europeu de Hélder Sousa Silva (que agora é candidato a Almada pelo mesmo PSD). Em novembro desse ano, a estrutura local do partido escolheu Hugo Luís para candidato, mas o PSD nacional inverteu a votação e colocou na corrida José Bizarro. Hugo Luís segue independente.

Hugo Moreira Luís, no Palácio Nacional de Mafra, em setembro de 2024, enquanto presidente da Câmara. MIGUEL A. LOPES/LUSAMIGUEL A. LOPES/LUSA
  • Os reciclados

A Lei que impõe um limite de três mandatos vai obrigar perto de uma centena de autarcas a aceitar baixar na hierarquia da sua Câmara ou pegar na mala e candidatar-se a outra autarquia. Em pelo menos uma dezena de casos é o que sucede, com a CDU a impor-se nesta reciclagem política.

No PS, principal partido autárquico, José Ribeiro transita de Valongo para a Maia e Pedro Ribeiro de Almeirim para Santarém. Vítor Pereira deixa a Covilhã e tenta Belmonte. A sul, António Pina muda-se de Olhão para Faro, onde o atual presidente, o social-democrata Rogério Bacalhau, atinge, também ele, limite de mandatos.

No PSD, Hélder Silva deixou Mafra a pouco mais de um ano do fim dos três mandatos, seguiu para Bruxelas e pouco depois regressa à luta autárquica para se candidatar em Almada, onde governa a socialista Inês de Medeiros. Na Póvoa de Varzim, Aires Pereira sai da cadeira de presidente e assume a posição de cabeça de lista à Assembleia Municipal. A mesma transição farão os centristas José Pinheiro, de Vale de Cambra, e António Loureiro, de Albergaria-a-Velha. No fim dessa “sabática” na AM poderão recandidatar-se ao seu antigo posto, em 2029.

Alcácer do Sal
Arlindo Passos, presidente da União das Freguesias de Alcácer do Sal e Santa Susana, foi remetido pela CDU para candidato à CâmaraHugo Amaral/ECO

A CDU não se fica atrás e transfere Álvaro Beijinha de Santiago do Cacém para candidato a Sines – onde o autarca socialista também sai -, Carlos Sá vai de Évora para Montemor-o-Novo, João Português troca Cuba por Ferreira do Alentejo e Vítor Proença corre pela Câmara liderada pelo seu camarada Álvaro Beijinha, saindo de Alcácer do Sal. Aqui, o candidato é um presidente de Junta em limite de mandatos – embora a União de Freguesias de onde sai esteja em desagregação, pelo que poderia candidatar-se a qualquer uma das novas três. Arlindo Passos surge agora como candidato da CDU à sua terra.

Mas não se pense que esta transumância é uma peculiaridade de 2025. A primeira vez que os autarcas tiveram de meditar sobre o seu futuro imposto pela Lei de limitação de mandatos ocorreu em 2013.

  • Os bastiões invioláveis

Contas feitas pela Lusa mostram que, à chegada a este domingo, 27 municípios nunca mudaram de cor partidária. Em 2021 eram 34. Um vasto lote a acompanhar com especial curiosidade no domingo, com o PSD a deter o maior número. A saber:

PSD: Arcos de Valdevez, Boticas, Calheta, Câmara de Lobos, Mação, Oleiros, Oliveira de Frades, Penedono, Ribeira Brava, Santa Maria da Feira, São Vicente, Valpaços.

PS: Alenquer, Campo Maior, Condeixa-a-Nova, Gavião, Lourinhã, Odivelas, Olhão, Portimão, Santo Tirso, Torres Vedras

CDU: Arraiolos, Avis, Palmela, Seixal, Serpa.

Paulo Silva, presidente da Câmara Municipal do Seixal, é um dos 27 candidatos com uma responsabilidade extra: não perder o bastiãoHugo Amaral/ECO
  • Leitura nacional enviesada

A leitura do resultado autárquico dos partidos enferma, regra geral, de um enviesamento nacional em desfavor dos mais pequenos. Isto porque quanto menor o número de municípios a que um partido ou coligação concorre, menor o potencial de obtenção de votos na contagem nacional.

Reflexo disso, o Juntos Pelo Povo (JPP) – partido de origem madeirense que a 18 de maio chegou ao Parlamento nacional –, teve apenas 0,28% dos votos nas autárquicas de 2021, mas lidera a Câmara Municipal de Santa Cruz. Recuando às primeiras eleições democráticas para o poder local, em 1976, o PPM arrecadou uma Câmara com ainda menos na contabilização nacional: 0,18%.

Também o Bloco de Esquerda, quando conquistou Salvaterra de Magos em 2001, teve um resultado nacional residual, ainda que superior, de 1,8%. Na altura, apresentaram-se em 80 concelhos dos 308 do país, e nalguns casos apenas à Assembleia Municipal ou assembleias de freguesia.

Élvio (à direita) e Filipe. Os irmãos Sousa criaram uma força autárquica com uma votação nacional residual

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