A ver no aumento da concorrência um ‘motor’ para a criatividade, Catarina Brás, da Hyundai, na primeira pessoa
Catarina Brás, que nunca imaginou vir a apaixonar-se pelos automóveis, está desde setembro a liderar a comunicação da Hyundai. Ajudar o mercado a saber soletrar o nome da marca é um dos objetivos.

Os automóveis, que não eram uma paixão que já tivesse antes da sua entrada no setor, foi-se cimentando na vida de Catarina Brás. Ligada à comunicação do setor automóvel há cerca de seis anos, assumiu em setembro a liderança da comunicação da Hyundai. Numa análise à recente evolução do setor, a diretora de comunicação e relações públicas da Hyundai Portugal vê na chegada de outras marcas ao mercado — principalmente chinesas — como um motor ou alavanca para a criatividade.
Num setor “altamente desafiante”, o mercado automóvel europeu é composto maioritariamente por marcas europeias, mas conta também marcas “já bastante consolidadas” de origem japonesa e sul-coreana, onde se inclui a Hyundai. Mas, principalmente a partir de 2023, teve início uma “ofensiva chinesa” e de “outros players que se estão a reiventar“. No fundo, “está a acontecer agora o que aconteceu há uns anos com a entrada das marcas sul-coreanas“, começa por enquadrar Catarina Brás em conversa com o +M.
Numa perspetiva de comunicação, a responsável considera desde logo que “isto é mais giro quanto mais competitivo for“. “Face a quando eu entrei, agora é muito mais competitivo, sem dúvida. Somos muitos mais [players], pelo que temos de ter uma mensagem bastante clara, tudo tem que estar muito alinhado, os investimentos têm que ser muito exímios e justificados. Acho que não existem muitos tiros ao lado, estamos todos bastante cientes. Mas acima de tudo acaba por ser muito mais giro, divertido e desafiante para as equipas. Quando estamos num momento mais desafiante é também quando exploramos mais a criatividade. Acho que temos de fazer um trabalho mais objetivo e com mais imaginação”, explica.
“Eu dizia que éramos os adolescentes e irreverentes do setor automóvel, mas entretanto há uma série de bebés“, diz em jeito de brincadeira. “Mas acredito que nós, mesmo assim, acabamos por ser um bocadinho mais disruptivos do que os modelos tradicionais, comparativamente com outras marcas. Acho que somos criativos e disruptivos, num setor que acaba por ser bastante tradicional e que joga muito pelo seguro. Tudo bem que é preciso vender carros, sim, mas para isso é preciso conseguir diferenciação em relação aos outros players“, acrescenta.
Embora o percurso profissional de Catarina Brás não tenha sido todo percorrido no setor automóvel, a comunicação foi uma constante. Após a licenciatura em Ciências da Comunicação, na Universidade da Maia, fez um estágio na TSF, numa altura em que ainda “sonhava um bocadinho com aquilo que era o jornalismo“. Mas “rapidamente entendi que nesse universo não teria tantas portas, principalmente a partir do Porto, onde as possibilidades [nesta área] eram bastante limitadas”.
Começou depois a trabalhar como communication marketing manager numa startup tecnológica, a ColorElephant, ao mesmo tempo que assumiu o desafio de fazer um mestrado em Comunicação pela Universidade do Porto. A decisão de enveredar num mestrado surgiu uma vez que não via a licenciatura como “suficiente” e que considerava que “precisava de aprofundar alguns conhecimentos, especialmente na componente das marcas“.
“Achei que tinha de me focar mais em empresas e ao nível corporativo, pelo que no decorrer do mestrado acabei por fazer uma dissertação sobre marcas automóveis. O setor automóvel tem muita informação disponível. Tudo aquilo que fazemos, ao nível de campanhas, de edições especiais, de alguns fatores de mercado, os dados são quase todos públicos. Acabamos por ter muita visibilidade, para o bem e para o mal. E peguei nos automóveis como tema precisamente por ter muita informação válida, concreta e de casos bastante objetivos, fazendo uma dissertação sobre marcas de culto, entre a Ferrari e a Toyota. Foi a minha primeira aproximação ao setor automóvel“, recorda.
Mas ainda antes de começar a trabalhar no mundo automóvel iniciou o seu percurso no setor da moda e beleza, tendo trabalhado durante quase dois anos como marketer na Marques Soares, “uma espécie de El Corte Inglês português”, que lhe deu a oportunidade de trabalhar com “uma enormidade de marcas a todos os níveis”.
Tendo sempre tido o “bichinho de querer trabalhar a componente de agência”, acabou por ir trabalhar para a Companhia das Soluções — agência com que já se relacionava na Marques Soares — focando-se principalmente em tudo o que era produção de eventos. Entretanto também foi mãe, pelo que aquela foi uma altura de “desafios muito giros”.
Foi então depois “puxada”, em 2019, para o mundo automóvel, tendo estado durante mais de três anos como brand activation manager da Hyundai, ao que se seguiu um período de um ano e meio como PR manager. “Em comunicação, quando uma pessoa entra no setor automóvel, existe depois aqui um bichinho que nasce tendo em conta a liberdade, atendendo naturalmente a algumas limitações, que temos para fazer parte desta história das marcas“, entende.
Nestas posições esteva sempre muito ligada à componente dos eventos, mas também de marketing de influência, tendo sido a responsável pela gestão do patrocínio a Miguel Oliveira ou da associação com Madalena Abecassis, que “acaba por dar notoriedade a um modelo para o qual não há um plano de comunicação em permanência, mas para o qual acreditamos ser importante trabalhar a notoriedade do modelo”.
Após este período em que trabalhou em ativação de marca e relações públicas na Hyundai, foi desafiada pelo grupo Salvador Caetano — grupo automóvel que detém negócios como a importação automóvel, onde se inclui a Hyundai Portugal — para criar uma unidade integrada de comunicação. Nos últimos dois anos esteve com essa unidade que criou. “Batizei a criança, criei e fi-la crescer”, diz sobre o desafio e posição que desempenhou até setembro, altura voltou a juntar-se à Hyundai para assumir a direção de comunicação da marca “com muita vontade de fazer muita coisa”.
“Por um lado, conheço tudo aquilo que é marca, naturalmente, mas tenho agora uma responsabilidade totalmente distinta. Além disso, já há também uma realidade de mercado diferente. No setor automóvel nunca tive um ano sequer parecido com o anterior“, diz.
No novo cargo, um dos objetivos que Catarina Brás impôs a si mesma foi a de conseguir que quando refere o nome da marca, não tenha de o soletrar, uma vez que as pessoas geralmente escrevem “Hyunday”. “Gostava efetivamente que as pessoas soubessem o que é que é a Hyundai e que soubessem escrever bem a marca, o que acaba por ser bastante exemplificativo disso. As pessoas associam muito o “dai” a “day” [do inglês] de uma forma quase natural. É esta notoriedade de marca que, na minha passagem, gostava de obter“, resume.
Apontando que tudo o que a Hyundai faz “gira em torno daquilo que é a experiência do cliente”, Catarina Brás diz que o seu papel passa por “tentar fazer chegar estes valores da marca aos consumidores, das formas mais curiosas e caricatas, para as pessoas efetivamente terem um brand awareness da marca“.
“Ao nível de comunicação, isto vai ser um desafio para mim, até porque que estamos num mercado e numa realidade totalmente distinta. Vamos ter que inovar muito mais porque também estamos a viver uma era de transformação com a inteligência artificial (IA), um bocadinho à semelhança daquilo que aconteceu quando apareceu a internet. Vamos estar sempre todos a tentar perceber o que está a ser feito, porque todas as semanas há novidades”, diz a diretora de comunicação e relações públicas que conta com o apoio de seis pessoas na sua equipa e das agência Caetsu (criativa) e LPM (assessoria).
A viver em Vila Nova de Gaia, com o marido, a filha de sete anos e uma gata, uma das coisas que Catarina Brás mais gosta é de praia, sol, mar e caminhar, pelo que costuma conjugar estes gostos com caminhadas à beira do mar, para as quais leva toda a família “a reboque”. “E sempre que preciso de pensar, é para a praia que vou”, confessa.
Fazer trilhos e caminhadas de média/longa distância é outro dos seus hobbies. O último que fez, no Parque Nacional da Peneda-Gerês, reservou-lhe a surpresa de a filha ter aguentado o percurso de 12 quilómetros, algo que nunca imaginou que pudesse acontecer.
Outra coisa que adora fazer com a filha é passar as manhãs de sábado no ginásio, onde a filha vai para a aula de natação enquanto a mãe se dedica ao pilates. “Como costumo dizer, eu sou melhor pessoa quando vou treinar de manhã”, diz entre risos.
Catarina Brás em discurso direto
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1 – Qual é a decisão mais difícil para um responsável de comunicação?
Saber quando falar e, sobretudo, quando se deve ficar em silêncio. No setor automóvel, onde tudo está sob escrutínio [segurança, sustentabilidade, inovação] cada mensagem tem um peso enorme. Tomar decisões estratégicas sobre o que comunicar, quando e como, pode ser determinante para a reputação da marca.
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2 – No (seu) top of mind está sempre?
A experiência do cliente. O cliente pode esquecer o que dissemos, mas não esquece de como o fizemos sentir.
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3 – O briefing ideal deve…
Ser objetivo, ambicioso e com espaço para respirar criatividade, ou seja, um bom GPS. Um bom briefing dá-nos direção, mas não limita a viagem. Se for demasiado técnico ou fechado, condiciona a criatividade antes de este arrancar.
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4 – E a agência ideal é aquela que…
Não diz sempre “sim”, mas que sabe dizer “e se…?”. Aquela que percebe onde queremos chegar, mas também nos surpreende com caminhos que ainda não tínhamos explorado.
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5 – Em comunicação é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?
Arriscar. Sempre com estratégia, mas sem medo. As marcas que marcam tendem a ser as mais ousadas… e o consumidor português valoriza quem tem coragem de sair “do normal”, mas no nosso caso, sem perder o volante.
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6 – Como um profissional de comunicação deve lidar e gerir crises?
Acima de tudo com calma e um discurso transparente. Em momentos destes, não há tempo para improvisos.
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7 – O que faria se tivesse um orçamento ilimitado?
Ao contrário do que poderia pensar… não é muito fácil de responder a esta questão, há tantas coisas que poderíamos fazer… mas acho que na Hyundai investiria numa comunicação hiperpersonalizada através da inteligência artificial.
Hoje, os consumidores esperam experiências feitas à medida, não apenas em produto, mas em toda a forma como a marca comunica com eles. Imaginem campanhas digitais que se adaptariam em tempo real ao perfil e comportamento de cada utilizador, assistentes virtuais que acompanhariam o cliente desde a descoberta da viatura ideal até ao após-venda, oferecendo sugestões e conteúdos personalizados.
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8 – A comunicação em Portugal, numa frase?
Criativa por natureza, mas ainda q.b. conservadora [ainda jogamos muito pelo seguro].
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9 – Construção de marca é?
É consistência. Consistência ao longo do tempo. É a soma de todas as experiências, mensagens e valores que transmitimos… e que os consumidores absorvem, muitas vezes, sem darem por isso.
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10 – Que profissão teria, se não trabalhasse em comunicação?
Talvez arquitetura pela combinação entre estética e visão de futuro.
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