Lyten. A startup que ‘carrega’ os restos mortais da gigante de baterias Northvolt
A Lyten anunciou, em agosto, a compra dos ativos da falida Northvolt na Europa. Conheça esta startup dedicada às baterias e a "supermateriais".
A Lyten, uma startup da Califórnia que desenvolve baterias de lítio-enxofre, colocou-se debaixo dos holofotes ao anunciar a compra de todos os ativos restantes da Northvolt no Velho Continente. Esta última empresa representava a maior aposta europeia no setor das baterias, mas abriu um processo de insolvência no início deste ano, passando agora o negócio para as mãos da empresa americana.
No passado mês de março, a Northvolt declarou falência depois de perder encomendas e o apoio dos investidores. Na altura, a empresa estava a aumentar a produção na unidade sueca, mas acumulava uma dívida de 8 mil milhões de dólares.
Apenas cinco meses depois, a 7 de agosto, a Lyten avançou que tinha comprado com um “desconto significativo” os ativos, avaliados em 5 mil milhões de dólares, que a Northvolt ainda tinha na Europa. Eram eles a Northvolt Ett, Ett Expansion e Northvolt Labs, localizados na Suécia, e a Northvolt Drei, na Alemanha, assim como a propriedade intelectual da empresa. Um mês antes, já havia fechado a compra das unidades polacas da fabricante de baterias falida, assim como uma unidade nos Estados Unidos. Mas afinal, o que se sabe sobre a startup californiana que está a absorver a promessa das baterias europeia?
Dos supermateriais às baterias de lítio-enxofre
A Lyten apresenta-se como uma empresa que produz e aplica “supermateriais” de forma a ajudar à descarbonização. O percurso da empresa começou há 10 anos. Logo no início, esteve o 3D Graphene, um material com base em carbono desenvolvido pela empresa.
Rui Costa Neto, professor na Faculdade de Engenharia da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia, explica que a estrutura deste material lhe confere algumas “propriedades especiais”: a empresa pode criar “milhares de variações do material para diferentes finalidades”, controlando a porosidade, a área de superfície, a condutividade e a energia de superfície; tem uma elevada condutividade elétrica e térmica; é leve e resistente (10 vezes mais forte que o aço) e, finalmente, pode aumentar “drasticamente” a durabilidade e a eficiência da bateria quando o enxofre é o material escolhido para o papel de cátodo.
Dois anos depois do pontapé de partida, em 2017, a empresa assinou “múltiplos contratos” com o Governo dos Estados Unidos para testar a aplicabilidade deste material, lê-se no site da empresa. Em 2019, fechou contrato com um cliente que integra a lista das 50 maiores empresas dos Estados Unidos (Fortune 50), o qual não identifica, para alavancar o uso do 3D Graphene. Em paralelo, foi neste mesmo ano que a empresa lançou o piloto da sua primeira célula de bateria de lítio enxofre.
As baterias de lítio-enxofre (Li-S) são uma tecnologia antiga — o seu uso foi patenteado em 1962 por Herbert Dauta e Juliusz Ulam), mas são pouco comuns nos dias de hoje. Uma bateria tem de ter sempre um cátodo e um ânodo para funcionar, embora os materiais que assumem cada um destes papéis possam variar. As baterias mais comuns são as que têm um cátodo de óxido de níquel-manganês-cobalto lítio (NMC) e as de fosfato de ferro lítio (LFP), que têm diferentes capacidades de armazenamento de energia por quilograma, explica o CEO da Voltalia, João Amaral, ao ECO/Capital Verde.
“Um carro de NMC, com o mesmo peso, terá uma bateria com mais energia (kWh) do que um LFP”, ilustra o mesmo, para depois rematar: “Por isso há vontade de investigar várias composições, onde a dificuldade é garantir que a química consegue aguentar múltiplas cargas e descargas sem degradar muito“. O grafeno é, precisamente, um material distintivo no qual a Lyten está a apostar para ultrapassar barreiras nas baterias de lítio-enxofre. Mas porquê apostar no lítio-enxofre e não nas composições mais comuns? É que este é um mineral mais leve e abundante, explica Rui Costa Neto, em particular em relação ao cobalto, que é muito escasso.
Tendo em conta o descrito, a Lyten prosseguiu com a sua aposta. Em 2020, surge a primeira unidade de produção da Lyten, de 3D Graphene e de baterias, em São José, na Califórnia. Em 2022, e já após uma ronda de financiamento de 210 milhões de dólares, a unidade de produção foi alvo de expansão, “para responder à crescente procura”, de acordo com a empresa. No mesmo ano, mais uma inovação: ajustes à fórmula do 3D Graphene ditam que o peso dos materiais em que este é incorporado se reduza em até 35%.
Volvido um ano, a Stellantis, FedEx, Honeywell, Prime Movers Lab e Walbridge Aldinger Company deram um novo reforço à empresa de supermateriais e baterias, numa ronda de financiamento de 200 milhões de dólares. O ano de 2023 terminou com o anúncio de que a Lyten iria abrir a sua sede europeia no Luxemburgo.
E se a Lyten fechou 2023 com o pé direito, foi com o mesmo pé que entrou no ano seguinte: recebeu 4 milhões de dólares do Departamento da energia norte-americano. Este foi também o ano de a Lyten ser reconhecida pela revista Time como uma das “tecnológicas Limpas de Topo” (Top Clean Tech). Uma nova ronda de financiamento da mesma dimensão da primeira, 200 milhões, deu-se em 2025, e elevou o investimento total na empresa até aos 625 milhões de dólares, de acordo com o comunicado de imprensa emitido pela mesma.

A Lyten foi fundada por William Wraith III, Dan Cook, Lars Herlitz e Scott Mobley. Dan Cook assume ao dia de hoje o papel de CEO. De acordo com a página de Linkedin do próprio, este tem-se movido sobretudo no mundo financeiro, tendo integrado diversos fundos de capital antes de se lançar neste projeto. O mesmo é verdade para William Wraith III, que se apresenta como um “fundador e financiador” há 40 anos, dos quais 20 esteve ligado a empresas de mineração, metais e energia. Lars Herlitz, que assume o cargo de presidente da Lyten, apresenta-se por sua vez como “um executivo, empreendedor e investidor” com experiência em tecnologia, e é o sócio-gerente da Herlitz Capital LLC, um fundo de capital de risco.
Futuro incerto
O plano da Lyten, de acordo com a Reuters, é manter a produção de baterias de iões de lítio que eram apanágio da Northvolt, ao mesmo tempo que continua a avançar com a sua tecnologia e produção de baterias de lítio-enxofre. Apesar de esta última tecnologia ser uma alternativa mais barata que reduz a dependência em termos de minerais críticos de países como a China ou o Congo, tem menos maturidade. Especialistas citados pela agência de notícias britânica não creem que a tecnologia seja viável para usar na indústria automóvel até 2030. “A descoberta de Li-S tem várias décadas e não era uma combinação estável. A vantagem da Lyten é que está a combinar materiais para ultrapassar esses desafios“, indica João Amaral, CEO da Voltalia.
De acordo com a Reuters, as compras da Lyten estão a gerar ceticismo entre os fabricantes do setor automóvel, e os especialistas da indústria afirmam que “a produção em larga escala na Europa vai ser incerta durante anos”. Os investidores e clientes da falida Northvolt mantêm-se “cautelosos”, e esperam provas de que a Lyten consegue entregar produção de baterias consistente e em escala. O CEO da startup, Dan Cook, afirma que a Lyten pretende reconquistar antigos clientes da Northvolt, como é o caso da Volkswagen. A própria Stellantis, que de acordo com a Reuters detém 2% da Lyten, afirma que só faz negócio consoante a evolução da produção.
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