Sem o Sifide indireto “uma empresa como a Tekever não existiria em Portugal”

Fundos VC estão preocupados com o fim do Sifide indirecto proposto pelo Governo no OE2026. Crédito fiscal era um dos grandes mecanismos de captação do investimento privado para o ecossistema.

“Uma medida extremamente negativa” e “preocupante” para a liquidez de financiamento do ecossistema de empreendedorismo é como os fundos estão a classificar o fim do Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (Sifide) Indireto, ou seja, através de fundos de investimento, que o Governo anunciou estar a preparar na proposta de Orçamento do Estado para 2026. Sem o Sifide indireto, “uma empresa como a Tekever não existiria em Portugal”.

“O Sifide indireto não é nem foi perfeito, mas é indubitável que mudou o paradigma do financiamento de startups e scaleups no país. Numa altura em que se discute a emigração de jovens qualificados, o emprego em startups é sem dúvida uma forma muito interessante de os manter e atrair de volta. Basta ver a idade média dos trabalhadores nestas empresas. É óbvio que sou biased na minha perspetiva, mas também me parece óbvio que sem o fundo Sifide que a Iberis Capital gere, uma empresa como a Tekever não existiria em Portugal“, atira Diogo Chalbert Santos, partner da Iberis Capital, numa publicação no LinkedIn, reagindo à notícia de que o Executivo prepara-se para a avançar com o fim do Sifide indireto.

Na proposta submetida ao Parlamento, o Executivo de Luís Montenegro detalha que a “opção de política selecionada prevê a não renovação deste benefício fiscal [o Sifide indireto], mas apenas a prorrogação do prazo para dedução de créditos fiscais de três para cinco anos, ao contrário do que tem sido a prática desde 2014, ano em que foi criado o Sifide Indireto”. Com esta medida, o Governo antecipa uma poupança fiscal de 124 milhões de euros no próximo ano, valor que irá aumentar paulatinamente ao longo dos anos seguintes até atingir 179,2 milhões de euros em 2030.

Lurdes Gramaxo ainda acredita que haverá ainda oportunidade para um desfecho diferente. “O Governo optou por incluir no Orçamento do Estado apenas alterações legislativas cirúrgicas, reservando as opções de política fiscal para diplomas avulsos, o que nos leva a acreditar que a decisão não está tomada ou que, pelo menos, ainda há oportunidade de ponderação”, diz a presidente da Investors Portugal.

O que ‘sustenta’ o fim do Sifide indireto?

O fim do Sifide indireto — que permite às empresas aceder a esse benefício fiscal através do investimento em fundos que canalizam esse capital para investimento em I&D — tinha sido recomendado pela Unidade Técnica de Avaliação de Políticas Tributárias e Aduaneiras (U-TAX).

Era um dos 20 benefícios fiscais que os peritos da U-TAX propunham cortes, argumentando que não só “uma parte significativa do investimento realizado pelas empresas” está atualmente “retida nos fundos de investimento e nas empresas-alvo, não sendo aplicada em atividades de Investigação e Desenvolvimento”, como não há projetos suficientes para absorver este investimento, sendo que as “empresas têm pouco incentivo para realizar I&D com recurso a fundos de investimento, dado que o retorno do investimento reverte para as empresas investidoras”.

Dizer que as ‘empresas têm pouco incentivo para realizar I&D com recurso a fundos de investimento, dado que o retorno do investimento reverte para as empresas investidoras’ é das frases mais sintomáticas de tudo isto. Quem estudou o tema não entende nada do mesmo. E depois de o estudar continuou sem entender.

Diogo Chalbert Santos

Partner Iberis Capital

Uma análise que não colhe junto dos fundos. “A opinião da U-Tax sobre o Sifide indireto, é, de facto de quem não conhece minimamente o funcionamento do capital de risco e nem quis aprofundar e ainda mais grave, não procurou avaliar o impacto que este capital tem tido nas empresas investidas pelos fundos e nem o que as empresas investidoras nos fundos fizeram com o crédito fiscal, emitindo uma opinião baseada nos preconceitos de estigmatização dos investidores e do capital de risco que pensávamos já terem sido ultrapassados com a entrada deste Governo”, atira Lurdes Gramaxo.

“Dizer que as ‘empresas têm pouco incentivo para realizar I&D com recurso a fundos de investimento, dado que o retorno do investimento reverte para as empresas investidoras’ é das frases mais sintomáticas de tudo isto. Quem estudou o tema não entende nada do mesmo. E depois de o estudar continuou sem entender”, atira Diogo Chalbert Santos.

“Se há características desta política que podem ser melhoradas, certamente que sim. Aliás, a legislação já mudou muito nos últimos anos (talvez até demais) no sentido de corrigir as falhas identificadas. Mas é preciso dar tempo para as alterações produzirem efeito. Quaisquer alterações têm, naturalmente, um impacto desfasado, fruto do ciclo de levantar capital primeiro e investi-lo depois. Não esperar por esse impacto é que é mesmo só perder tempo”, aponta o partner da Iberis Capital.

E o que dizem os fundos?

Diogo Chalbert Santos não está sozinho na avaliação do impacto negativo que esta medida poderá ter. Vasco Pereira Coutinho não hesita. Esta é uma decisão como “extremamente negativa”, atira. “Não apenas para os fundos de investimento, mas sobretudo para o ecossistema de empreendedorismo em Portugal”, assegura o CEO da Lince Capital. E explica porquê. “O Sifide tem sido um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento recente do ecossistema de venture capital português, permitindo a capitalização de múltiplas empresas e contribuindo diretamente para o aumento da competitividade internacional do nosso tecido empresarial.”

Do ponto de vista de quem investe em startups e inovação, a eliminação do Sifide indireto é uma decisão preocupante. Embora procure responder a alguns abusos, ignora o impacto estrutural que este instrumento teve na canalização de capital para o ecossistema empreendedor português.

Luis Gutman

CEO OW Ventures

E o mesmo diz Luís Gutman considerando esse mecanismo como “decisivo para atrair capital privado e institucional para o risco da inovação”. “Ao eliminá-lo, o Governo corta um dos poucos mecanismos que mobilizaram poupança privada para I&D e tecnologia”, lamenta o CEO da OW Ventures.

“Do ponto de vista de quem investe em startups e inovação, a eliminação do Sifide indireto é uma decisão preocupante. Embora procure responder a alguns abusos, ignora o impacto estrutural que este instrumento teve na canalização de capital para o ecossistema empreendedor português, reforça o investidor, com um resultado “previsível”. Ou seja, “uma redução da liquidez nos fundos de inovação, sobretudo nos que atuam em estágios seed e early stage, levando a menos investimento, avaliações mais baixas e maior incerteza. Esta decisão surge, paradoxalmente, quando Portugal começava a consolidar um pipeline sólido de projetos inovadores e investidores especializados”, diz. “O risco é claro: um retrocesso de vários anos na capacidade de financiar a inovação nacional”, acrescenta. Esta é, por isso, “uma decisão preocupante”, considera.

Ricardo Jacinto admite igualmente impacto do fim deste mecanismo na saúde do ecossistema. “O Sifide indireto teve um papel importante numa fase em que o ecossistema de capital de risco em Portugal ainda estava a consolidar-se. Ajudou a canalizar poupança privada para o investimento em inovação e em startups, o que foi relevante naquele momento”, começa por destacar o managing partner da Shilling, a área de VC da Draycott. “É natural que o fim deste mecanismo tenha algum impacto de curto prazo na liquidez de alguns fundos, mas o essencial é não perder de vista o contributo que o venture capital tem para a economia”, aponta o gestor.

Impacto dos fundos Sifide e do capital de risco

O managing partner da Shilling dá como referência o recente estudo na Nova SBE, para a Investors Portugal, que dá conta do impacto “real” que o investimento de capital de risco tem na economia nacional. “Gera crescimento, mais investimento e mais emprego nas empresas apoiadas, reforçando a inovação e a competitividade da economia portuguesa”, elenca.

É natural que o fim deste mecanismo tenha algum impacto de curto prazo na liquidez de alguns fundos, mas o essencial é não perder de vista o contributo que o venture capital tem para a economia.

Ricardo Jacinto

Managing partner da Shilling, a área de VC da Draycott

O estudo aponta ainda o efeito de potenciação do crescimento dos fundos Sifide, lembra Vasco Pereira Coutinho, tanto na “criação de postos de trabalho, no aumento dos salários e da produtividade, tanto das empresas investidoras como das empresas investidas”.

“Apesar da diminuição inicial da receita fiscal decorrente da atribuição deste benefício, verifica-se também um impacto direto no aumento da receita por via dos impostos indiretos gerados pela injeção de capital na economia, sendo o saldo desta operação claramente positivo para o Estado”, diz o CEO da Lince Capital. “Programas como o Sifide permitem a aplicação de verbas em setores carenciados da economia. Acreditamos que, com as regras bem definidas e claras, estas mesmas verbas podem continuar a ser corretamente direcionadas e executadas.”

Com base em dados de 14 sociedades de capital de risco e de 497 empresas investidas, das quais 136 através de fundos Sifide — que compara com uma amostra de controlo de 400 empresas, com mais de dois trabalhadores — o estudo “Capital de Risco e o Sifide em Portugal – Avaliação do Impacto Económico”, da Nova School of Business & Economics, para a Investors Portugal, analisou o impacto do investimento de capital de risco e do crédito fiscal Sifide indireto (a partir de 2011) na dinamização da economia entre 2006 e 2024.

Após dez anos, 100 milhões de euros de investimento em capital de risco tem um impacto de 1% no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, acelerando a inovação das empresas, com um aumento de 23% no registo de patentes, e os salários a subir em média 0,7%.

“O capital de risco tem ganho tração ultimamente em Portugal, muito relacionado com a escala introduzida pelos Fundos Sifide, como um canal para financiar a inovação e o crescimento das empresas, mas ainda longe da convergência com ecossistemas mais avançados. O Sifide indireto tem conseguido mobilizar mais recursos e amplificar os resultados”, aponta Lurdes Gramaxo.

Programas como o Sifide permitem a aplicação de verbas em setores carenciados da economia. Acreditamos que, com as regras bem definidas e claras, estas mesmas verbas podem continuar a ser corretamente direcionadas e executadas.

Vasco Pereira Coutinho

CEO da Lince Capital

O estudo realizado pela Nova SBE indica sustenta essa análise. Indica que o crédito fiscal Sifide — que desde 2017 permite fundos de investimento financiados por este mecanismo — tem impacto tanto nas empresas investidas, como nos investidores que obtêm o benefício fiscal, como, a jusante no Estado.

Um impacto que vai crescendo ao longo do tempo. “O estudo sinaliza que os Fundos Sifide geram ganhos substanciais tanto para as empresas investidoras como para as empresas investidas. As empresas que recebem investimento, crescem mais rapidamente e esse crescimento é persistente”, aponta Lurdes Gramaxo. “Pelo terceiro ano após o investimento, os custos com pessoal mais do duplicam, o emprego cresce entre 50 e 60%, o investimento em ativos tangíveis expandem cerca de 60% e o investimento em ativos intangíveis cresce 150-200%. O volume vendas e os resultados líquidos duplicam nesse período“, elenca.

Benefícios que se estendem às empresas que investiram nos fundos Sifide que aproveitam o crédito fiscal “para
reforçar as suas operações, com os custos com pessoal, o volume de emprego e o investimento a crescer 40-50%, refletindo-se essas mudanças estruturais no volume de vendas e nos resultados, com ganhos de eficiência e de sustentabilidade a longo prazo”, destaca a presidente da Investors Portugal.

Quanto ao balanço fiscal, para o Estadoem julho, foi conhecido que, em 2024, o Estado atribuiu mais de 800 milhões de euros em crédito fiscal, uma subida de 15% face ao ano anterior e 83% quando comparado com 2021 — esse também é positivo.

“O estudo mediu também o impacto puramente fiscal do Sifide indireto e concluiu que é claramente positivo em pouco tempo para o Estado — mesmo que este incorra num custo inicial através do crédito fiscal atribuído no ano zero, os proveitos adicionais gerados pelas empresas investidas e pelas empresas investidores, através do incremento das vendas, de mais emprego e mais lucros, rapidamente recupera o custo inicial e o Sifide indireto paga-se a si próprio nos dois anos seguintes e gerará ganhos fiscais permanentes para o Estado”, reforça Lurdes Gramaxo.

Não nos parece credível que um Governo apostado em fazer crescer a economia e as empresas queira acabar com um dos poucos incentivos que existem em Portugal que tem contribuído para atrair investidores para o capital de risco pondo em causa a estabilidade das políticas e, com isso minar confiança e a previsibilidade dos investidores e das empresas tão necessárias para que o ecossistema empreendedor continue a crescer.

Lurdes Gramaxo

Presidente da Investors Portugal

 

“Já após o primeiro ano, as receitas adicionais de IVA, contribuições para a segurança social, IRS, IRC, elevam o saldo geral a um superávit. A partir desse ponto, o impacto torna-se cada vez mais positivo, apoiado pela expansão sustentada do emprego e pelo desempenho das empresas”, refere o estudo da Nova SBE.

“Considerando que os efeitos são permanentes, nas nossas estimativas de base, o Estado recebe um fluxo anual de receitas fiscais de 7,3 milhões de euros. Mesmo num cenário conservador, com premissas mais rigorosas sobre ganhos de receita e custos mais elevados, o programa ainda se paga em dois anos e fornece ao Estado receitas fiscais anuais de 3,1 milhões de euros”, destacam.

Dados que levam a presidente da Investors Portugal a concluir. “Perante estes resultados, não nos parece credível que um Governo apostado em fazer crescer a economia e as empresas queira acabar com um dos poucos incentivos que existem em Portugal que tem contribuído para atrair investidores para o capital de risco pondo em causa a estabilidade das políticas e, com isso minar confiança e a previsibilidade dos investidores e das empresas tão necessárias para que o ecossistema empreendedor continue a crescer”, lamenta a presidente da Investors Portugal.

E o mesmo diz Diogo Chalbert Santos. “Típico Portugal. Quando finalmente uma entidade credível como a Nova School of Business and Economics num projeto liderado pelo Professor Pedro Brinca, estuda de forma séria os efeitos de uma política e demonstra o seu enorme sucesso — fortíssimo aumento de financiamento a projetos inovadores, subida do emprego altamente qualificado e custos iniciais de receita fiscal revertidos no máximo em dois anos — eis que vêm a público notícias da intenção de se acabar com a mesma”, atira o partner da Iberis Capital.

E agora?

Com o fim do Sifide indireto, o que seria prioritário acautelar no OE? “Seria importante manter algum tipo de incentivo associado ao investimento em capital de risco, e não apenas ao I&D. O venture capital continua a ter um peso muito reduzido em Portugal quando comparado com outras geografias europeias, e é precisamente esse tipo de investimento que ajuda a transformar boas ideias em empresas sólidas e competitivas”, comenta Ricardo Jacinto. “Garantir estabilidade e mecanismos que atraiam capital privado é essencial para que o empreendedorismo continue a crescer e a contribuir para a economia nacional”, recomenda o managing partner da Shilling.

“O OE 2026 apresenta algumas medidas superficiais positivas para startups, como reduções de IRC e reforço do financiamento à ciência, mas falha em atacar os problemas estruturais do ecossistema empreendedor“, começa por comentar Luís Gutman sobre a proposta de OE 2026. “Incentivos fiscais relevantes para investidores de risco, como business angels, continuam escassos, e a possível eliminação do Sifide indireto ameaça reduzir significativamente a liquidez de fundos de inovação“, comenta.

“Estas medidas transmitem incerteza e falta de previsibilidade, oferecendo pouco mais do que alívios marginais para empresas em early stage, que são precisamente as que mais precisam de capital e segurança para crescer, colocando em risco a consolidação de um ecossistema de startups sólido e sustentável”, conclui o CEO da OW Ventures.

Stephan Morais aponta as baterias para o futuro. “O principal foco da APCRI tem sido promover as condições necessárias para que o capital institucional privado passe a investir de forma mais significativa em fundos nacionais de private equity e venture capital. A colaboração do Governo neste objetivo é essencial para garantir que a indústria de capital de risco disponha de investidores e de capital em condições equiparáveis às dos mercados internacionais”, começa por referir o investidor e presidente da Associação Portuguesa De Capital De Risco (APCRI).

É fundamental que seja implementado um fundo de fundos no âmbito do Banco Português de Fomento, conforme previsto no programa do Governo, e que este funcione em condições de mercado compatíveis com o investimento de capital institucional privado.

Stephan Morais

Presidente da APCRI

“É igualmente fundamental que seja implementado um fundo de fundos no âmbito do Banco Português de Fomento, conforme previsto no programa do Governo, e que este funcione em condições de mercado compatíveis com o investimento de capital institucional privado”, recomenda.

“Este é precisamente o tipo de capital que a nossa indústria necessita para que os fundos possam operar de forma normal, sem restrições excessivas que comprometam o seu desempenho a longo prazo. Esse é o caminho que permitirá ao setor tornar-se cada vez mais profissional e entregar aos investidores a elevada rentabilidade que esperam dos investimentos em private equity e venture capital“, considera.

E mostra-se otimista com a concretização desse cenário. “A APCRI acredita que o Governo está a dar os passos certos para concretizar estes dois objetivos estratégicos e determinantes para o desenvolvimento sustentável da indústria de capital de risco em Portugal.”

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