Exclusivo Lagarde aposta em Centeno para a presidência da Autoridade Bancária Europeia

Espanhol que lidera o regulador europeu abandona cargo a 31 de janeiro. Próximo presidente terá de ser escolhido pelo conselho de supervisores da EBA e precisa de aprovação do Parlamento Europeu.

Créditos: Banco Central Europeu

Mário Centeno poderá vir a ser o novo presidente da Autoridade Bancária Europeia (EBA, na sigla em inglês), entidade responsável pela coordenação da regulação do setor da banca a nível europeu e que se prepara para perder o seu presidente, de acordo com as informações recolhidas pelo ECO. O antigo governador do Banco de Portugal, que saiu do cargo em tensão com o Governo, é uma aposta da presidente do Banco Central Europeu (BCE), depois de Christine Lagarde ter chegado a tentar, no verão, interceder junto de Luís Montenegro para renovar o mandato do ex-ministro das Finanças à frente do supervisor português.

A presidência da EBA obriga a um concurso, aberto na semana passada, e, embora a escolha para liderar o regulador europeu a partir de fevereiro do próximo ano — de forma a suceder ao espanhol José Manuel Campa que abandona o cargo antes do fim de mandato por razões pessoais — tenha ainda de ter o aval do Conselho de Supervisores, o nome de Mário Centeno é dos mais bem cotados, correspondendo a critérios de vantagem. O ECO contactou Mário Centeno, que se escusou a fazer comentários.

Menos de um mês depois de ter passado o testemunho de governador do Banco de Portugal (BdP) a Álvaro Santos Pereira, Mário Centeno que sinalizou que iria ficar no supervisor bancário português já terá assim um novo cargo em vista, e desta vez europeu, um terreno que não lhe é estranho. Se o desenlace for bem sucedido, o antigo líder do Largo de São Julião será responsável pela coordenação da regulação dos bancos a nível europeu, desempenhando um papel relevante na condução dos testes de stress da banca, que avaliam a resistência do setor para fazer face a uma crise.

EBA é responsável pela coordenação da regulação dos bancos a nível europeu, desempenhando um papel relevante na condução dos testes de stress da banca, que avaliam a resistência do setor para fazer face a uma crise.

O ECO sabe que a experiência como presidente do Eurogrupo, quando exercia as funções de ministro das Finanças, é aliás uma das vantagens do português, a que se alia a relação positiva com a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, desde que se encontravam nos corredores de Bruxelas no âmbito do Eurogrupo e do ECOFIN.

O BCE não tem nenhum papel formal na escolha do novo presidente da EBA, mas contar com a simpatia de Lagarde pode favorecer Centeno nos meios diplomáticos. O ECO contactou Frankfurt, que não comentou o assunto.

A presidência da EBA não é a única oportunidade possível para Centeno, garantem os seus mais próximos. Se esta janela está em aberto até 7 de novembro, data final para a apresentação de candidatura, há mais movimentações em cargos de topo a nível europeu, incluindo no Banco Central Europeu, e que poderão estar nas cogitações de Centeno, para daqui a alguns meses. Um deles, em maio de 2026, é o de vice-presidente do BCE, sucedendo ao espanhol De Guindos. De resto, este foi um dos argumentos usados ao nível político e financeiro para pressionar o Governo a renovar o mandato de Mário Centeno. Em funções, teria condições mais fortes para ser o escolhido pelos líderes europeus para aquela função. O Governo não alinhou na estratégia e sinalizou que avaliaria essa possibilidade se ela se viesse a concretizar.

“Votos de sucesso ao meu amigo Centeno”

Quando em 2020, o antigo ministro das Finanças deixou a liderança do Eurogrupo, a presidente do BCE agradeceu a Centeno a “excelente colaboração” e “contributo para a Europa”. Mais tarde, quando este tomou posse como governador, desejou sucesso ao “amigo Mário Centeno”. “Votos de sucesso ao meu amigo @mariofcenteno no seu novo cargo de governador do @bancodeportugal e também como membro do Conselho do BCE”, escreveu a francesa numa publicação no Twitter.

Recentemente, ainda antes do Fórum BCE em Sintra, ambos estiveram juntos no retiro anual do Conselho de Governadores no Porto. Após o encontro, Lagarde assinalou “a organização impecável” de Centeno e da equipa do Banco de Portugal, escrevendo numa publicação no Twitter em português: “sinto-me muito grata”.

A relação mais estreita levou mesmo a presidente do BCE, durante o pico da crise da relação entre Mário Centeno e o Governo, a tentar contactar Luís Montenegro sobre a mudança à frente do regulador bancário português, sem sucesso, porque a decisão do primeiro-ministro e do ministro das Finanças de não renovação de mandato estava fechada. Agora abre-se uma nova porta para um cargo de topo.

O espanhol José Manuel Campa apresentou no início de setembro a demissão da liderança da EBA e abandonará o cargo no próximo dia 31 de janeiro. O ainda presidente do regulador europeu foi nomeado pela primeira vez presidente em 2019 para cumprir um mandato até 2024, ano em que renovou o seu vínculo por mais cinco anos (até maio de 2029).

No entanto, Campa invocou razões pessoais para abandonar prematuramente a função e na ocasião a autoridade adiantou à Bloomberg que estava “a tomar todas as medidas adequadas para garantir uma transição fluida até à nomeação do novo presidente”. Presidente esse que para ser eleito passa por uma série de procedimentos. O primeiro de todos é a candidatura ao concurso lançado pelo regulador europeu em 7 de outubro e que termina em 7 de novembro, através do envio do curriculum vitae e de uma carta de candidatura.

Fonte oficial da EBA explica ao ECO que, posteriormente, “será criado um comité de pré-seleção para analisar os documentos de candidatura dos candidatos, tendo em conta os critérios de elegibilidade e seleção”, que vai “elaborar uma lista de até dez candidatos que melhor correspondam ao perfil pretendido para a entrevista”. “Após as entrevistas, o comité de pré-seleção irá submeter uma pré-seleção de até seis candidatos mais adequados e um relatório de avaliação ao Conselho de Supervisores da EBA”, aponta, acrescentando: “Não temos mais detalhes neste momento“.

De acordo com o regulamento do concurso, os candidatos pré-selecionados serão então convidados a fazer uma apresentação sobre um tema predefinido ao Conselho de Supervisores da EBA, seguida de uma nova entrevista. É com base nisso que o Conselho de Supervisores vai elaborar a lista de pré-seleção dos candidatos considerados mais qualificados para a presidência do regulador, com o auxílio da Comissão Europeia. Com base nessa lista, o Conselho adota uma decisão de nomeação, após confirmação pelo Parlamento Europeu.

Mário Centeno e Christine Lagarde no Fórum BCE. Créditos: Banco Central Europeu

O Conselho de Supervisores da EBA é composto pelos responsáveis ​​pela supervisão bancária em 30 autoridades de supervisão nacionais da União Europeia e do EEE-EFTA, que por vezes são acompanhados por um representante do banco central nacional. Inclui também representantes da Comissão Europeia (CE), do Conselho Europeu do Risco Sistémico (ESRB), do BCE, do Mecanismo Único de Supervisão (MUS), do Conselho Único de Resolução (SRB), da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA), da Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma (EIOPA) e da Autoridade de Supervisão da EFTA.

Como presidente da EBA, Mário Centeno passaria assim a representar o regulador europeu, com sede em Paris, e supervisionar o trabalho da instituição, incluindo a liderança de discussões no Conselho de Supervisores. Seria a partir da Avenue André Prothin, na zona de LaDéfense, o maior bairro comercial da Europa e o quarto maior do mundo, que cumpriria o mandato de cinco anos prorrogável uma única vez.

Como braços direitos teria Helmut Ettl, vice-presidente da EBA e diretor executivo da Autoridade Austríaca do Mercado Financeiro (FMA), e François-Louis Michaud, diretor executivo a quem cabe supervisor as operações diárias da EBA e preparar as reuniões do Conselho de Administração.

No entanto, as hipóteses do antigo governador podem não se esgotar aqui. Há três mandatos que terminam a breve trecho no BCE e neste desfecho Lagarde teria um papel mais ativo. Já no próximo ano ficará livre o lugar do vice-presidente Luís de Guindos, que em 2018 sucedeu a Vítor Constâncio, e em 2027 chega ao fim do mandato de Isabel Schnabel no board e o do economista-chefe Philip Lane. Contudo, Centeno teria de contar com a boa vontade do Governo.

Critérios favoráveis… e salário de 25 mil euros

Ao concurso lançado pela EBA podem responder nacionais de qualquer país da União Europeia, da Islândia, do Listenstaine ou da Noruega e devem ter uma experiência comprovada de, pelo menos, cinco anos numa posição de nível superior relacionada com o âmbito da autoridade.

Como critérios de vantagem, os candidatos devem ter um “conhecimento aprofundado e experiência comprovada dos regulamentos financeiros e/ou da supervisão/fiscalização a nível nacional, da UE ou internacional”, das instituições e do processo de decisão da UE, bem como das atividades europeias e internacionais relevantes para as atividades da EBA, assim como do ambiente político e jurídico da UE e “experiência de negociação comprovada a nível europeu e internacional“.

O cargo de presidente corresponde a uma função temporária, a que corresponde uma vencimento de base bruto de 20,536.29 euros no escalão 1 ou 21,399.27 euros no escalão 2, sujeito a uma revisão anual, a que acresce um coeficiente de correção aplicável a França (atualmente 114,2%), que reflete as condições de vida da cidade, bem como um subsídio de gestão (4,2% do vencimento de base), sob reserva da conclusão bem-sucedida do período experimental de nove meses.

Pode ainda ter direito a direitos específicos, como o subsídio de expatriação — correspondente a 16% do vencimento de base –, subsídio de instalação, reembolso das despesas de mudança de residência, ajudas de custo temporárias iniciais e outros subsídios.

O que faz e como funciona a EBA? Perceba em cinco pontos curtos:

  • A EBA é uma autoridade independente da União Europeia, fundada em 2011, na sequência da Grande Crise Financeira, sendo liderada por um presidente e um diretor executivo;
  • Nas principais tarefas incluem-se a definição de regras coerentes para os bancos europeus, assegurar condições de concorrência equitativas e proteger os consumidores de serviços financeiros, tendo como objetivo último contribuir para a estabilidade financeira.
  • Tem dois órgãos de governo principais: o Conselho de Supervisores, que toma decisões políticas, e o Conselho de Administração, que supervisiona o trabalho.
  • O Conselho de Supervisores é o principal órgão decisório da Autoridade. É a quem cabe todas as decisões políticas do regulador como a adoção de projetos de normas técnicas, diretrizes, pareceres e relatórios.
  • O papel do Conselho de Administração é garantir que a Autoridade cumpra a sua missão e as tarefas que lhe são atribuídas. Para isso, é-lhe atribuído o poder de propor, entre outras coisas, o programa de trabalho anual, o orçamento anual, o plano de políticas de pessoal e o relatório anual, de acordo com o site da instituição.
Créditos: Banco Central Europeu

A carta de despedida

Na carta de despedida remetida aos funcionários do Banco de Portugal quando abandonou as funções de governador, Mário Centeno salientou que “o sistema bancário concluiu com notório sucesso uma inversão do ciclo económico-financeiro iniciada há quase 10 anos“.

Nesse sentido, destacou a venda do EuroBIC à Abanca em 2024 e a recente proposta de aquisição do novobanco pelos franceses do BPCE. “Hoje, o sistema bancário apresenta indicadores que lideram em muitas dimensões a área do euro. Nas suas estruturas de custo, rendibilidade, capital e custo do risco. Ninguém diria há apenas dez anos que tudo isto seria possível”, apontou.

O antigo governador salientou “as muitas dezenas de reuniões” que manteve com responsáveis da banca portuguesa e “o compromisso ativo, não reativo ou passivo do Banco de Portugal para com o setor”.

Na carta de despedida, antigo governador salientou “as muitas dezenas de reuniões” que manteve com responsáveis da banca portuguesa e “o compromisso ativo, não reativo ou passivo do Banco de Portugal para com o setor”.

Centeno defendeu ainda melhorias na gestão de risco e progressos no Departamento de Serviços Jurídicos. “Gerir é assumir riscos, até na inação. A rede que sempre procurei veio do DJU. Mas não uma rede acrítica, uma que sempre desafiei com raciocínio económico para encontrar soluções. Foi assim para decisões sobre o sistema financeiro; foi assim para a gestão corrente do Banco”, considerou.

Na última audição enquanto governador do Banco de Portugal, em setembro, Mário Centeno adiantou que iria continuar no Banco de Portugal após abandonar o cargo de governador, passando a exercer as funções de consultor. “É evidente que vou ficar. Sabe o que são 35 anos de uma carreira?”, afirmou aos deputados.

“Sou funcionário do banco há 35 anos. Tenho uma carreira no banco, que tem regras muito claras sobre o que trabalhadores ocupam e fazem depois de saírem do conselho de administração”, respondeu aos parlamentares numa audição na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (COFAP). “Há inúmeros casos [de consultores]: Hélder Rosalino, José Matos, Pedro Duarte Neves… o meu caso não é em nada diferente”, acrescentou, dando exemplos de ex-membros do conselho de administração que passaram a consultores do Banco de Portugal.

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