Orçamento do Estado tapa buraco de mais de sete mil milhões da Caixa Geral de Aposentações
"O esforço financeiro do Estado será crescente", alerta o Tribunal de Contas. E vai continuar a aumentar em 2026 para compensar perda de contribuições e insuficiência de alguns dos fundos de pensões.
O buraco financeiro da Caixa Geral de Aposentações (CGA) não pára de aumentar. No ano passado, o esforço financeiro do Orçamento do Estado (OE) já ultrapassava os sete mil milhões de euros, em concreto 7.103 milhões de euros. Ou seja, mais de metade (57,6%) da despesa com pensões e abonos da Função Pública tem de ser comparticipada pelo Estado, uma vez que as quotizações e contribuições não chegam para pagar a fatura, de acordo com o parecer do Tribunal de Contas (TdC) à Conta Geral do Estado de 2024. E em 2026 esta despesa vai continuar a crescer, segundo o relatório que acompanha a proposta do Orçamento do Estado para o próximo ano (OE2026).
A CGA é um sistema fechado a novos subscritores desde dezembro de 2005, ainda que a lei abra a porta a algumas reinscrições, mas com regras muito apertadas. Recentemente, os juízes do Palácio de Ratton pronunciaram-se pela inconstitucionalidade da norma interpretativa que restringe o regresso de funcionários públicos à CGA, mas relativamente a um caso concreto. Se o Tribunal decidir pela inconstitucionalidade de forma geral e abstrata, a CGA poderá receber muitos mais subscritores que, antes de dezembro de 2005, estavam abrangidos pelo sistema de proteção social convergente, mas que entretanto saíram.
“Ao nível da Caixa Geral de Aposentações, o esforço financeiro do Estado será crescente para compensar a perda de contribuições e a insuficiência de reservas de alguns dos fundos de pensões integrados”, constata a entidade fiscalizadora das contas públicas, liderada por Filipa Urbano Calvão.
Por um lado, ao tornar-se um sistema fechado em 2006, “deixou de beneficiar das receitas contributivas dos trabalhadores em funções públicas que, após 31 de dezembro 2005, passaram a ser inscritos no sistema de Segurança Social”, explica. Por outro, no final do ano passado, apenas 14 dos fundos integrados dispunham de reservas próprias, tendo o Estado suportado pensões no valor de 219 milhões de euros relativamente aos restantes”. O que perfaz um acumulado de 2,3 mil milhões que os cofres públicos tiveram de injetar desde 2011 no sistema de proteção social convergente para pagar pensões de fundos.

Analisando a evolução desde 2020, verifica-se que “o peso do financiamento do OE sobe sustentadamente ao longo dos anos”. No ano passado, 57,6% dos gastos com pensões eram pagas por verbas do Estado, o que significa um crescimento de 4,2 pontos percentuais face ao início da década. Isto porque “cabe ao Estado compensar a redução do peso das contribuições e quotizações que resulta da diminuição de beneficiários ativos, à medida que vão ocorrendo novas aposentações”, esclarece o TdC.
Assim, em 2024, dos 12,3 mil milhões de euros de despesa com aposentações, apenas 42,4%, o que corresponde a 3,8 mil milhões de euros, foi financiado por fundos próprios da CGA, através das contribuições e quotizações. O restante teve de ser injetado pelo Orçamento do Estado: 7.103 milhões de euros ou 57,6%.
Em maio, o Conselho das Finanças Públicas (CFP) já tinha alertado para a gravidade da situação. Na altura, a entidade liderada por Nazaré Costa Cabral dava conta que o Estado teve de tapar o maior buraco da década da Caixa Geral de Aposentações (CGA) ao injetar mais 823 milhões de euros, um aumento de 14,4% no sistema de pensões da Função Pública, totalizando uma comparticipação de 6.541 milhões de euros, segundo o relatório da evolução orçamental da CGA em 2024.
Para esta evolução, contribuiu uma quebra nas receitas do regime de proteção social convergente, fruto do agravamento do aumento do número de reformados, que atingiu o maior valor de sempre, 490.084. Em cima disso, voltou a agravar-se o rácio entre subscritores no ativo e aposentados, acentuando o desequilíbrio estrutural do sistema. No final do ano passado, por cada reformado, havia apenas 0,73 funcionários púbicos a contribuir, isto é, a pagar pensões. Além disso, o montante médio das prestações subiu 6,5% para 1.592 euros mensais brutos, justificou então o CFP.
Ao todo, e de acordo com o CFP, saíram dos cofres do Orçamento do Estado do ano passado 6.541 milhões de euros para tapar o buraco da CGA, o que compara com os 5.718 milhões injetados em 2023. Ou seja, mais 823 milhões de euros, um aumento de 14,4%. Mas, pelas contas do TdC, as necessidades de financiamento do sistema de proteção social convergente já vão em 7,1 mil milhões de euros e deverão aumentar em 2026.
O relatório do Orçamento do Estado para 2026, mostra que, no próximo ano, o sistema de proteção social convergente da Função Pública vai ter de pagar 13,38 mil milhões de euros em pensões e outros abonos, um crescimento de 5,5% face à estimativa para este ano, de 12,68 mil milhões de euros.
Partindo da mesma lógica da repartição dos encargos entre OE e contribuições, mais de metade virá dos cofres públicos, isto é, cerca de 7,7 mil milhões de euros e os restantes cerca de cinco mil milhões das contribuições dos funcionários públicos, num cenário otimista. Porque a manter-se a redução das receitas próprias da CGA, como se tem verificado, é expectável que a o buraco ainda seja maior.

Os fundos de pensões antigas de empresas públicas também estão a contribuir para a degradação das contas da CGA. O TdC dá nota que, no final de 2024, deterioram-se face a 2023: “Dos 20 fundos de pensões com reservas próprias constituídas para suportar os seus encargos, sob administração da CGA, apenas 14 ainda dispunham de reservas no final do ano”.
“Entre 2011 e 2024 extinguiram-se as reservas de seis fundos (CTT, BNU, Macau, INDEP, RDP I e RDP II), passando as inerentes responsabilidades a ser suportadas por verbas provenientes de receitas próprias da CGA e ou do OE, no total de 201 milhões de euros, em 2024, e um valor acumulado de 2.096 milhões de euros, desde 2011″, salienta o TdC.
A reserva inicial destes seis fundos, aquando da sua integração na CGA, era de 1.279 milhões de euros, “o que revela o quão esta situação é, globalmente, muito desfavorável para o Estado”, alerta o mesmo tribunal.
Além disso, a CGA suportou “os encargos com complementos de pensão dos ex-militares por conta do ex-Fundo de Pensões dos Militares das Forças Armadas transferido em 2014, mas sem reserva constituída”. Isto significa que, em 2024, foram gastos cerca de 18 milhões de euros e 237 milhões de euros acumulados desde 2014, contabiliza o TdC.

Em 2024, apenas três fundos (BPN, CGD II e INE) evidenciaram variações positivas do seu valor, ou seja, geraram rendimento suficiente para cobrir os seus encargos e ainda acrescentar valor à reserva. Nos restantes, “verificou-se o inverso, com os encargos do ano a excederem os rendimentos e havendo necessidade de consumir reservas de capital para os cobrir, sendo que, em seis deles (metade), já se consumiu mais de 50% da reserva inicial”, sublinha o TdC.
A entidade fiscalizadora das contas públicas alerta para “o risco de aumentarem os encargos futuros a assumir pelo Estado, para além da despesa que já suporta com as pensões dos seis fundos cuja reserva já se encontra esgotada”.
“De facto, enquanto as responsabilidades (pensões e prestações sociais) tendem a ser crescentes, os recursos obtidos para fazer face a essas responsabilidades (quotizações, contribuições e rendimentos gerados pelas respetivas carteiras) tendem a diminuir, quer por via da redução dos correspondentes beneficiários ativos, quer pela dificuldade dessas carteiras em gerar valor”, conclui o TdC.
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