Autárquicas. Entre endinheirados e remediados, quem deu a vitória a Carlos Moedas e quem votou em Leitão?
Distribuição dos votos quase decalca os rendimentos das famílias lisboetas. Já na vitória do Chega sobre a CDU, freguesia com forte incidência de bairros "sociais" deu derrota a João Ferreira.

O presidente da Câmara de Lisboa somou vitórias em 14 das 24 freguesias de Lisboa, e destas, a quase totalidade têm rendimentos acima da mediana do IRS declarado pelos lisboetas. Carlos Moedas conseguiu superar os 50% de votação nas Avenidas Novas, Belém e Estrela, e teve vitórias acima de 48% também em São Domingos de Benfica, Santo António, Parque das Nações, Lumiar e Areeiro. Em Alvalade somou 47,2%. No cômputo geral, o cabeça de lista da coligação de PSD, CDS e Iniciativa Liberal teve 41,7% dos votos em Lisboa, vitória clara face aos 34% da frente de esquerda encabeçada por Alexandra Leitão.
À exceção de Santo António, que está exatamente na mediana dos rendimentos dos lisboetas (ver tabela abaixo), na casa dos 14 mil euros por ano, os demais “bastiões” de Moedas a 12 de outubro estão entre as freguesias com os eleitores mais abonados da cidade.

Belém, Lumiar e Parque das Nações têm, segundo os valores declarados em IRS pelos lisboetas no ano de 2023, famílias com rendimento que está pelo menos 50% acima da mediana da cidade, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística. Nestas três freguesias, Moedas teve mais de 48% dos votos dos fregueses.
A única freguesia da metade superior dos rendimentos dos lisboetas onde Alexandra Leitão vence é Benfica, e por uma curta margem de dois pontos percentuais. Note-se que Benfica é uma Junta liderada pelo presidente eleito com a segunda melhor votação no concelho. O socialista Ricardo Marques obteve 54,5% dos votos dos seus fregueses, e a sua popularidade poderá justificar a exceção na distribuição de votos por categoria de rendimento.

Entre as 24 freguesias de Lisboa, apenas em Belém houve uma vitória maior para o presidente de Junta eleito. João Carvalhosa, que subiu de vogal tesoureiro, lugar que ocupava desde 2013 ao lado do incumbente (que não se pôde recandidatar por ter atingido limite de mandatos), a candidato do PSD, somou 57,6%.
Belém e Benfica são mesmo as únicas duas freguesias de Lisboa com um presidente de junta eleito acima dos 50%.
Alexandra Leitão ganha onde rendimentos são menores
À exceção de Benfica, o bloco da esquerda não conseguiu eleger em qualquer das freguesias onde o rendimento supera a mediana da cidade.
Mesmo Carnide, que está na metade superior da mediana de rendimentos da cidade e sempre elegeu um comunista para a Junta -e neste domingo não deixou de dar a confiança à CDU para liderar os seus destinos, na única vitória comunista no concelho – atribuiu uns claros 40,8% para Moedas.
Para efeito desta análise da tendência de voto em função dos rendimentos, verificamos igualmente que tendência de voto se verificou em freguesias onde são mais modestos os rendimentos declarados em sede de IRS.
Assim, das onze freguesias onde vivem as famílias com menores rendimentos, Carlos Moedas venceu apenas duas. Alexandra Leitão teve a maioria dos votos dos fregueses de Ajuda, Alcântara, Arroios, Beato, Marvila, Misericórdia, Olivais, Penha de França e Santa Maria Maior.
Dos municípios onde estão os munícipes com menores rendimentos, penderam para o presidente da autarquia apenas os de Campolide (+9 p.p.) e Santa Clara (+1,4 p.p.).

Chega e os bairros “sociais”
Quando Carlos Moedas apresentou a sua candidatura, o seu discurso intercetou por diversas vezes em Marvila, uma das 24 freguesias da cidade e que a 18 de maio se destacara com a vitória dada ao Chega.
Marvila, com vários bairros municipais, comummente chamados “sociais”, entre os quais a zona de Chelas, está no extremo inferior dos rendimentos de IRS declarados, alinhada com outras seis freguesias e apenas com Santa Maria Maior claramente abaixo.
Foi também em Marvila que o candidato do Chega à Câmara, Bruno Mascarenhas, somou a melhor participação, com 26% dos votos, num total de 3.759 eleitores, bem acima dos 1.358 que votaram na CDU.
No topo da votação em Marvila nestas autárquicas, Alexandra Leitão somou 5.442 votos e Moedas 4.464, uma vantagem que é menos benéfica para o PS do que parece.
Há quatro anos, votaram em Medina 6.595 eleitores de Marvila (e mais 1.260 no Bloco e no PAN, que agora integraram a coligação de esquerda), enquanto o atual presidente só somou 2.120 (a IL, agora com Moedas, teve uns residuais 275). De uma assentada, a direita democrática e o Chega cresceram mais de 4.500 votos, enquanto o bloco da esquerda perdeu mais de 3.500. Já a CDU ficou praticamente alinhada com 2021, numa diferença inferior a 100 votos.
Santa Clara foi a outra freguesia onde o Chega se destacou por larga distância para os comunistas, com 21% entregues a Bruno Mascarenhas (quase o triplo da CDU), uma participação que subiu aos 24% na escolha do presidente de Junta, a pouco mais de oito pontos percentuais do vencedor, o bloco liderado pelo PS. Em Santa Clara estão situados edifícios municipais referentes ao realojamento de lisboetas da antiga zona da Musgueira.
Em Arroios, “o PS voltou”
José Luís Carneiro disse, no rescaldo da noite eleitoral, que “o PS voltou”, numa alusão à resistência autárquica ao avanço do Chega verificado a 18 de maio. Mas as palavras do secretário-geral socialista também se adequam ao ocorrido em Arroios.
Em 2013, a nova freguesia de Arroios (resultado da concentração de Anjos, São Jorge de Arroios e Pena), cresceu mais de 50% em recenseados comparativamente à anterior São Jorge de Arroios e passou a votar à esquerda.
Em 2013, o PS superou os 5.600 votos. Quatro anos depois, na hecatombe do PSD em Lisboa (ficou com cerca de metade dos votos do CDS), teve 5.281 votos. Já em 2021, na surpreendente vitória de Moedas sobre Fernando Medina, Arroios “subtraiu” 1.839 votos ao PS. Diga-se que, no total do concelho de Lisboa, Moedas ganhou a Medina por uma diferença de 2.294 votos, o que colocou o foco sobre Arroios.
Nesse mesmo mês de setembro, a presidente da Junta, Margarida Martins, fora apanhada numa reportagem da revista Sábado a fazer compras pessoais no comércio da freguesia alegadamente sem pagar e a alegadamente usar o veículo da Junta para deslocações pessoais (este ano, o presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, foi condenado a perda de mandato devido à utilização do carro da autarquia para deslocações pessoais).
Agora, a 12 de outubro, havia a curiosidade de saber se aquele voltaria a ser um território do PS. Depois dos quase 5.300 votos de 2017 e dos 3.442 de 2021, os cidadãos de Arroios – freguesia marcada por grande multiculturalidade – voltaram a dar a maioria dos votos para a Câmara aos socialistas.
Do ponto de vista da análise meramente matemática, é indubitável que Arroios tem uma base socialista, mas “zangou-se” com o PS em 2021: na votação de há oito anos, Arroios deu ao PS 5.281 votos, em 2021 apenas 3.442, e agora Alexandra Leitão somou ali 5.308.
Já no que concerne aos votos para a freguesia (nas autárquicas, os eleitores têm três boletins distintos, um para a Câmara, outro para a Assembleia Municipal e um terceiro em que se elege o presidente da Junta), o PS saiu ainda mais penalizado em 2021, com a então presidente Margarida Martins a perder a freguesia, com uns meros 2.927 votos.
Agora, no domingo, João Pires, o novo presidente da Junta, quase duplicou por dois a votação de Martins, para 5.679 votos, e impediu a vencedora de 2021 e recandidata, Madalena Natividade, de repetir o feito do PSD em Arroios.
Rendimentos médios por freguesia declarados em IRS em 2023
Fonte: INE

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