Dinheiro ainda é tabu? Salários vão ficar mais transparentes
Vêm aí novas regras sobre transparência salarial, com efeitos que vão dos anúncios de emprego à informação que as empresas têm de comunicar quanto às desigualdades remuneratórias entre eles e elas.
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Há várias décadas que o princípio do salário igual para trabalho igual está consagrado na União Europeia. Mas da teoria à realidade vai uma certa distância. A implementação dessa máxima continua a ser “desafiante”, neste momento, segundo o diagnóstico feito por Bruxelas. A transparência remuneratória pode, no entanto, “ajudar a detetar e combater” diferenças remuneratórias entre eles e elas não justificadas, pelo que foi aprovada uma nova diretiva que a reforça, nomeadamente nos anúncios de emprego. Os Estados-membros têm de a transpor até junho de 2026.

Comecemos pelas medidas já previstas na diretiva. Logo nos anúncios de emprego, os empregadores terão de prestar informação sobre a remuneração inicial ou o intervalo remuneratório associado às vagas de emprego. E, durante as entrevistas, ficarão impedidos de interrogar os candidatos sobre o seu histórico de remunerações.
Por outro lado, uma vez em funções, os trabalhadores terão o direito de solicitar aos empregadores informações sobre os níveis médios de remuneração, repartidos por sexo, “para as categorias de trabalhadores que realizam o mesmo trabalho ou trabalho igual”, bem como sobre os critérios utilizados para determinar a remuneração e a progressão na carreira, “que devem ser objetivos e neutros do ponto de vista do género”.
A isto soma-se ainda uma obrigação de comunicação de informação: as empresas com mais de 250 trabalhadores serão obrigadas a comunicar anualmente à autoridade nacional competente a disparidade remuneratória em função do género registada no seu seio. Já os empregadores com menor dimensão terão de o fazer de três em três anos.
“O que a diretiva vem implicar é que as empresas tenham de criar políticas remuneratórias claras, transparentes e não discriminatórias. Isto é uma grande mudança de paradigma, dado que o paradigma tem sido claramente outro. É muito frequente encontrar alguma opacidade e secretismo nas políticas remuneratórias”, assinala o advogado Nuno Ferreira Morgado, sócio da PLMJ.
"O que a diretiva vem implicar é que as empresas tenham de criar políticas remuneratórias claras, transparentes e não discriminatórias. Isto é uma grande mudança de paradigma.”
E continua: “Também é frequente que a progressão salarial se faça sem que esteja apoiada em fatores conhecidos e transparentes. A adoção de critérios de decisão ad hoc no âmbito da gestão salarial nestas matérias explica um pouco este circunstancialismo. No entanto, parece-me que a diretiva que regula a transparência salarial põe um claro travão à gestão discricionária dos salários e obrigará as empresas a criar um sistema de remunerações que é sindicável, objetivo e não discriminatório.”
O advogado da PLMJ salienta, contudo, que a diretiva tem ainda de ser vertida para o ordenamento jurídico português (até 7 de junho de 2026) e só quando isso acontecer será possível perceber “o desenho final das várias medidas” e, em consequência, “determinar a sua relevância”.

O que está nas mãos do legislador português?
Ainda que Bruxelas tenha definido as linhas-mestras do que deverá mudar em prol da transparência salarial (e, consequentemente, da igualdade remuneratória entre géneros), “muitos aspetos da implementação prática e regulamentação” estão nas mãos do legislador português, frisa o advogado Rui Valente, sócio da Garrigues.
“Dou um exemplo: na lei portuguesa são médias empresas as que têm entre 50 e 249 trabalhadores. Ora, a diretiva prevê prazos de comunicação (e periodicidade) distintos para, por um lado, empresas entre 100 e 149 trabalhadores e, por outro lado, entre 150 e 249, dando aos Estados-Membros margem para decidir qual o regime específico a aplicar a empresas com menos de 100 trabalhadores. As médias empresas (em tão grande número em Portugal) podem ficar numa zona de confluência de vários regimes distintos, aspeto que deveria ter atenção especial do legislador”, sublinha.
Já o advogado Gonçalo Pinto Ferreira, sócio da Telles, destaca que será importante “articular estas novas exigências com instrumentos já existentes, como o relatório único e a legislação sobre igualdade retributiva”, de modo a evitar “sobrecarga administrativa redundante”.
“E será essencial garantir segurança jurídica e orientações práticas claras para as empresas e trabalhadores. Importa que estas medidas sejam efetivamente transformadoras, capazes de induzir mudanças reais nas práticas organizacionais e de contribuir de forma concreta para a eliminação de desigualdades e discriminações persistentes no contexto laboral”, defende.
"Será importante que a legislação nacional preveja, de forma clara, a proibição expressa de qualquer forma de retaliação e assegure a existência de canais seguros, acessíveis e confidenciais para a apresentação desses pedidos ou denúncias. Trata-se de criar um ambiente de confiança que permita aos trabalhadores exercerem os seus direitos sem receios.”
Por sua vez, a advogada Camila Marques de Queiroz, associada da CCA Law, alerta que, na transposição da diretiva para a lei nacional, “é crucial prevenir eventuais represálias por parte dos empregadores, nomeadamente contra quem solicite informações salariais ou denuncie desigualdades”.
“Para isso, será importante que a legislação nacional preveja, de forma clara, a proibição expressa de qualquer forma de retaliação e assegure a existência de canais seguros, acessíveis e confidenciais para a apresentação desses pedidos ou denúncias. Trata-se de criar um ambiente de confiança que permita aos trabalhadores exercerem os seus direitos sem receios”, afirma.
Começar já a preparação
O Governo está a negociar na Concertação Social uma reforma ampla da lei do trabalho, que inclui a transposição de duas diretivas europeias. Porém, nenhuma delas é relativa à transparência salarial, não sendo, portanto, ainda conhecidas que regras concretas estão a caminho. Ainda assim, os advogados ouvidos pelo ECO declaram que as empresas já podem começar a preparação.
“Dado a diretiva dever ser transposta durante 2026 e já com obrigações informativas a começarem a existir em 2027, a preparação pelas empresas deveria desde já começar, atenta a relevância e complexidade de tudo o que se relaciona com transparência e igualdade salariais”, assegura Rui Valente.
"Dado a diretiva dever ser transposta durante 2026 e já com obrigações informativas a começarem a existir em 2027, a preparação pelas empresas deveria desde já começar.”
E Nuno Ferreira Morgado detalha: as empresas devem preparar o seu sistema interno de classificação de funções, “atendendo, pelo menos, a fatores como competências, esforços, responsabilidade e condições de trabalho, e definindo o intervalo salarial para cada uma dessas funções (assegurando que funções de igual valor, têm o mesmo intervalo salarial)”. “Devem ainda preparar políticas salariais e de avaliação de performance que prevejam critérios neutros e não discriminatórios”, remata.
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