Promotores ganham poder com nova lei urbanística do Governo
A proposta do Governo para destravar a construção de casas passa por dar mais responsabilidade aos promotores, reduzir prazos das Câmaras e substituir o velho alvará por um título urbanístico digital.
Numa tentativa de desfiar o nó górdio que há muito amarra a construção de novas casas em Portugal, o Governo apresentou esta terça-feira na Assembleia da República uma proposta de lei com vista a combater a burocracia urbanística.
Aprovado em Conselho de Ministros a 28 de novembro, o diploma aposta numa mudança de paradigma: transferir a responsabilidade do Estado para os privados, agilizar prazos e, no limite, permitir que a construção avance com menos intervenção prévia das autarquias.
A proposta de lei, que terá de ser debatida e votada no Parlamento, tem o intuito de “assegurar uma maior flexibilidade dos procedimentos urbanísticos” e “reduzir ao máximo dos custos de contexto associados à atividade construtiva, com o objetivo de assegurar a disponibilização mais ágil de imóveis para habitação”, lê-se no diploma.
O papel da Câmara Municipal deixa de ser o de um porteiro que analisa cada detalhe à entrada, passando a ser o de um fiscal que, a posteriori, verifica se tudo foi feito segundo a lei.
A filosofia central da proposta, que visa corrigir os “constrangimentos” de uma anterior tentativa de simplificação, assenta naquilo a que se pode chamar de “autorresponsabilização” do promotor imobiliário. O Governo reconhece que o modelo de “comunicação prévia” tornou-se, na prática, uma mera formalidade de entrega de papéis. Agora, a intenção é dar-lhe força e torná-la a regra para a maioria das operações em áreas com regras urbanísticas já definidas, como as que estão abrangidas por planos de pormenor ou loteamentos.
Na prática, o promotor submete o projeto e assume “uma efetiva assunção de responsabilidade […] pelo cumprimento integral das normas legais e regulamentares aplicáveis”. O papel da Câmara Municipal deixa de ser o de um porteiro que analisa cada detalhe à entrada, passando a ser o de um fiscal que, a posteriori, verifica se tudo foi feito segundo a lei.
Para incentivar a adesão a este novo modelo, a proposta de lei prevê a “revogação do agravamento das coimas” que penalizava quem recorria à comunicação prévia, um claro sinal de que o caminho preferencial é este.
Metas, prazos e o poder do silêncio
Uma das alterações mais significativas desta proposta está na definição de prazos e metas específicas. O Governo elimina os “prazos globais indexados à área bruta de construção”, por considerar que a dimensão nem sempre reflete a complexidade de um projeto. A intenção é que operações mais simples andem mais depressa.
Neste capítulo, destaca-se uma medida desenhada para acelerar a construção de habitação a custos controlados. Em loteamentos já existentes, as alterações que resultem num aumento de até 10% no número de fogos para este fim “são aprovadas por simples deliberação da Câmara Municipal, com dispensa de quaisquer outras formalidades, sem prejuízo das demais disposições legais e regulamentares aplicáveis”, lê-se no diploma.
Mais importante: a autarquia tem 30 dias para decidir. Se não o fizer, aplica-se o deferimento tácito e o projeto avança.
As obras de reconstrução que mantenham a forma original do edifício ficam isentas de licença ou comunicação prévia, mesmo que se situem em zonas de proteção de património.
A proposta clarifica também as regras de cedência de terrenos para habitação pública ou acessível. Fica preto no branco que, quando a cedência de solo não é possível, o promotor fica “obrigado ao pagamento de uma compensação ao município”.
Introduz-se, no entanto, um novo incentivo à promoção privada de habitação acessível. A proposta de lei determina que “a área dos lotes ou parcelas afetas a construção de habitação de custos controlados ou para arrendamento acessível de natureza privada são contabilizadas para efeito do cumprimento dos parâmetros” exigidos, não havendo lugar a cedência ou compensação adicional para esse fim.
Fim do alvará e mais transparência na compra e venda de casa
O tradicional alvará de construção, tal como o conhecemos, deixa também de existir. A proposta de lei substitui-o por um “título urbanístico” desmaterializado, que consiste essencialmente na junção do formulário de comunicação prévia (ou do deferimento da licença) com o “comprovativo do pagamento das taxas e demais encargos devidos”. Trata-se de uma simplificação processual que visa eliminar mais uma etapa burocrática.
Outra das medidas com impacto direto na compra e venda de imóveis é a obrigatoriedade de que, na escritura do imóvel, conste a informação “se o imóvel dispõe ou não de título urbanístico, assumindo-se assim a aquisição consciente e informada.” Esta medida visa aumentar a transparência e proteger os compradores de adquirirem imóveis com situações urbanísticas por regularizar.
O diploma traz ainda alterações no plano da reabilitação. As obras de reconstrução que mantenham a forma original do edifício ficam isentas de licença ou comunicação prévia, mesmo que se situem em zonas de proteção de património.
No mesmo sentido, a substituição de caixilharias por outras mais eficientes do ponto de vista energético, desde que com acabamento exterior idêntico ao original, passa a ser considerada uma “obra de escassa relevância urbanística”, simplificando a vida a milhares de proprietários que queiram melhorar o conforto das suas casas sem enfrentar um calvário burocrático.
A autorização legislativa agora proposta tem a duração de 180 dias, período durante o qual o Governo poderá aprovar o decreto-lei autorizado que concretiza as alterações. O diploma “entra em vigor no primeiro dia útil do terceiro mês seguinte ao da sua publicação” e aplica-se “aos procedimentos que se iniciem após a data da sua entrada em vigor”.
Com estas alterações, o Governo revela que pretende “concretizar integralmente os objetivos da Reforma do Estado nesta matéria”, garantindo “o desejável equilíbrio entre a necessária segurança jurídica e o respeito pela liberdade nas transações imobiliárias”, enquanto acelera a disponibilização de novos imóveis para o mercado habitacional.
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