Gestores de crédito malparado têm de cumprir novas regras. Saiba quais
O Banco de Portugal aperta o controlo sobre quem gere créditos vendidos pela banca, exigindo idoneidade, experiência e registo público das entidades que pretendam operar neste mercado.
- O novo regime de gestão e cessão de créditos bancários entra em vigor a 10 de dezembro para aumentar a transparência e proteção dos devedores.
- O regulador exige que os gestores de créditos comprovem a idoneidade e experiência dos seus administradores.
- A nova regulamentação garante que a posição dos devedores não se agrave com a venda dos seus créditos.
O novo regime para a gestão e cessão de créditos bancários está prestes a sair do papel e o regulador já definiu as “regras do jogo”. A partir da próxima quarta-feira, 10 de dezembro, quem gere os créditos que a banca vende a terceiros, o vulgarmente chamado “crédito malparado” – embora o regime abranja também o crédito em cumprimento –, terá de passar pelo crivo apertado do Banco de Portugal.
Um aviso publicado esta sexta-feira pelo Banco de Portugal detalha quem pode ser gestor de créditos, quais os requisitos de idoneidade e experiência dos seus administradores, que informação fica num registo público e interno e como devem ser comunicadas ao supervisor a atividade noutros países da União Europeia e a subcontratação de serviços. É mais um passo na aplicação do novo Regime da Cessão e Gestão de Créditos Bancários (RCGCB) que veio pôr ordem num mercado em forte crescimento.
A lógica desta iniciativa do Banco de Portugal é dupla: proteger os devedores, garantindo que não ficam em pior situação só porque o seu crédito foi vendido, e dar previsibilidade a bancos e investidores num mercado que se quer mais transparente e concorrencial. O novo aviso não mexe diretamente nas prestações das famílias ou das empresas, mas define quem pode estar do “outro lado” do telefone, das cartas e dos emails quando um crédito é cedido, e sob que regras essa relação é supervisionada.
O Banco de Portugal exige agora uma avaliação rigorosa dos conhecimentos e experiência de quem manda nas empresas de recuperação de créditos, alinhando Portugal com as melhores práticas europeias ditadas pela Autoridade Bancária Europeia (EBA).
Quando um crédito é vendido pelo banco a uma empresa ou a um fundo de investimento, por exemplo, a relação deixa de ser com o balcão onde se abriu conta e passa a ser com um “gestor de créditos”. Até aqui, esta figura operava num quadro menos denso. Com a entrada em vigor do diploma aprovado a 11 de setembro, e a regulamentação agora trazida por este aviso, tudo muda para os gestores de créditos.
O Banco de Portugal passa agora a ter a chave da porta de entrada neste mercado. O aviso define detalhadamente “os procedimentos e critérios para a avaliação dos requisitos de autorização do gestor de créditos” que passam, por exemplo, por estas empresas que pretendam operar no mercado nacional tenham de provar que a sua administração é competente e idónea. Acabaram-se as dúvidas sobre quem está do outro lado da linha.
O regulador exige agora uma avaliação rigorosa dos conhecimentos e experiência de quem manda nestas empresas, alinhando Portugal com as melhores práticas europeias ditadas pela Autoridade Bancária Europeia (EBA). Como se lê no documento, os administradores destas empresas devem dar “garantias de uma gestão sã e prudente do gestor de créditos e de proteção e tratamento leal e diligente dos devedores”.
Uma das grandes novidades é a transparência de todo o processo. O Banco de Portugal vai criar e manter um registo público onde qualquer cidadão poderá consultar quem são estas entidades. Segundo o aviso, este registo incluirá dados fundamentais como a “denominação completa”, os “contactos para efeitos de reclamação” e até se a entidade tem ou não autorização para receber fundos dos devedores.
Desta forma, se chegar uma carta a casa ou receber um telefonema a exigir o pagamento de uma prestação de um crédito que se julgava ser do banco, será possível ir a este registo confirmar se a entidade é legítima e se está autorizada a atuar em Portugal.
Regras mais apertadas na subcontratação
O mercado de crédito é cada vez mais europeu e o regulador sabe disso. O aviso estabelece também as regras para os gestores que queiram atuar noutros Estados-membros, obrigando-os a prestar informações detalhadas ao Banco de Portugal antes de darem o “salto”.
Além disso, aperta o cerco à subcontratação. Muitas vezes, os gestores de créditos contratam outras empresas para fazer o trabalho “no terreno”. O novo regulamento obriga a que o Banco de Portugal seja informado sobre quem são estes subcontratados, garantindo que a responsabilidade não se dilui numa cadeia de fornecedores. O gestor autorizado continua a ser o responsável último, tendo de comunicar “a forma e o conteúdo (…) relativamente à subcontratação de atividades de gestão de créditos”, lê-se no texto do Aviso.
O timing desta regulamentação coincide com uma fase de maturação do mercado português de crédito malparado. Portugal registou, no último ano, a maior descida do crédito em incumprimento da Europa, contabilizando uma queda de 15,7%, que fixou o stock de NPL (non-performing loans) em cerca de 4.300 milhões de euros, o valor mais baixo em dez anos, segundo dados do relatório “Investing in NPL in Iberia”, da Prime Yield.
O crédito malparado representa hoje apenas 2,1% do crédito ativo no sistema financeiro português, muito longe dos 19,6% registados em 2015, quando rondava os 41 mil milhões de euros. Até setembro, as transações de venda de crédito malparado totalizaram cerca de 1.400 milhões de euros, ultrapassando já o volume de 2024, além de que várias carteiras estão ainda em fase de conclusão, com os bancos a continuarem os esforços de limpeza dos seus balanços.
Para os bancos, esta regulamentação é a peça que faltava para dar segurança jurídica à venda de carteiras de crédito (os famosos NPLs – Non-Performing Loans). Para os investidores que compram estas dívidas, o processo torna-se mais exigente burocraticamente, com a obrigatoriedade de uso da plataforma digital SIRES – Sistema de Informação Relevante de Entidades Supervisionadas para submeter pedidos, mas também mais claro.
Para os devedores, a grande mudança é a segurança. É consagrado o princípio da neutralidade: a sua posição não pode piorar só porque o banco vendeu o seu crédito. E agora, o Banco de Portugal garante que quem bate à porta para cobrar tem “carteira profissional” passada pelo regulador.
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