Paramount tem trunfos para ultrapassar Netflix na compra da Warner. E não é só a proximidade a Trump

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O jogo virou na compra da Warner Bros., com uma contraproposta superior à da Netflix apresentada pela Paramount. Aliança próxima do Presidente dos EUA ameaça colocar tudo em xeque.

Subitamente, um negócio que parecia fechado é interrompido por uma luta entre duas gigantes do entretenimento que promete deixar Hollywood em suspenso. Um balde de pipocas não chega para assistir ao novo capítulo da venda da Warner Bros. Discovery (WBD), cujo desfecho ainda está por escrever.

Na sexta-feira a Netflix parecia ser a vitoriosa graças à sua oferta de 82,7 mil milhões de dólares pela WBD. Mas a Paramount não desistiu e contrapôs com uma oferta abrangente, superior a 108 mil milhões, na qual está envolvida uma das famílias mais ricas do mundo e até o genro do presidente dos EUA. O confronto que se avizinha coloca a velha guarda mais conservadora de Hollywood, personificada pela Paramount, contra a nova guarda do streaming, personificada pela Netflix. A decisão terá de ser tomada até 8 de janeiro, caso o prazo não seja prorrogado.

São vários os trunfos da Paramount na sua oferta hostil para agradar aos reguladores, assim como a Donald Trump. A começar por uma relação de confiança com Jared Kushner: a oferta da Paramount Skydance conta com parte do financiamento em capital próprio proveniente da Affinity Partners, detida pelo genro do presidente.

Não é a única ligação ao presidente. A Paramount está disposta a oferecer, em dinheiro, um montante equivalente a 30 dólares por ação, sendo que a oferta também é financiada pela família Ellison, do multimilionário Larry Ellison, que chegou a subir este ano ao topo da lista dos mais ricos do mundo e é visto como um amigo próximo de Trump. Está ainda envolvida a empresa de private equity RedBird Capital, assim como um financiamento de 54 mil milhões de dólares do Bank of America, Citi e Apollo.

Não são as únicas ligações políticas. Na proposta estão também envolvidos os fundos soberanos da Arábia Saudita, Abu Dhabi e Qatar. Estes países têm procurado aproximar-se da administração norte-americana, com a Arábia Saudita tendo mesmo anunciado um investimento de quase um bilião de dólares nos setores da tecnologia e inteligência artificial (IA) em solo americano. Há aqui um pormenor importante: para escapar à vistoria do Committee on Foreign Investment in the United States (CIFIUS), estes parceiros renunciaram aos direitos de voto.

Para comparação, a proposta da Netflix é de 27,75 dólares por ação (numa combinação de 23,25 dólares em dinheiro e 4,50 dólares em ações da Netlix). A Wells Fargos, em conjunto com o BNP Paribas e o HSBC, comprometeram-se a apoiar a transação com um financiamento de dívida que totaliza os 59 mil milhões de dólares. Ambas as ofertas contam com uma contingência à volta dos 5 mil milhões de dólares, caso a operação não se concretize por razões regulatórias. Além disso, caso a Warner desista do negócio com a Netflix, terá de pagar 2,8 mil milhões à gigante de streaming.

Jared Kushner, o genro de Donald Trump que está envolvido na oferta da ParamountPeter Foley/Bloomberg

Os trunfos não-políticos

Mesmo ignorando as dimensões políticas, os trunfos da Paramount não se esgotariam. A Paramount quer comprar a Warner Bros. Discovery na sua totalidade (incluindo a dívida de cerca de 34,5 mil milhões de dólares — valores do terceiro trimestre de 2025). Já a Netflix lançou uma oferta pelos negócios do streaming (HBO Max), da HBO e dos estúdios (Warner Bros.), depois de, em junho, o grupo ter anunciado a sua divisão, a concretizar-se inicialmente em abril de 2026.

Outro pormenor interessante de analisar são as abordagens à gestão financeira. A Paramount fala numa oportunidade de sinergias de mais de seis mil milhões de dólares, em adição aos mais de três mil milhões de poupanças que a empresa espera no atual cenário. Já a Netflix espera poupar, pelo menos, dois a três mil milhões de custos por ano até ao terceiro ano.

O co-CEO da Netflix, Ted Sarandos, já veio anunciar que a sua oferta iria proteger os empregos existentes e acusou a Paramount de querer “cortar postos de trabalho”. “Nós não estamos a cortar postos, estamos a criar empregos”, assegurou. Um argumento que poderá ser difícil de ser contrariado pela Paramount, após ter anunciado o despedimento de dois a três mil funcionários em agosto.

A previsão de conclusão do negócio também é diferente. A Paramount espera concluir processo em 12 meses. A Netflix aponta para 12 a 18 meses, refletindo a maior dificuldade em convencer os reguladores. Efetivamente, qualquer das ofertas irá levantar questões regulatórias pela dimensão, mas a oferta da Paramount é vista como tendo vantagem nos EUA.

A Paramount defende que a sua oferta é melhor porque vai permitir “melhorar a competição e é pró-consumidor, ao mesmo tempo que cria uma forte defensora do talento criativo e da escolha do consumidor”. A empresa critica a Netflix, acusando a proposta rival de criar um “monopólio com 43% da quota de subscritores globais” de serviços de streaming por subscrição. A Netflix assegura, todavia, que a sua oferta irá contribuir para fortalecer a indústria e aumentar a capacidade de produção.

Há ainda um fator surpresa: a União Europeia. Na carta que os advogados da Paramount enviaram à Warner Bros. Discovery, onde criticavam que o processo não estava a ser justo, nomeiam, entre outras razões, um relato de que Gerhard Zieler, presidente de negócios internacionais da WBD, terá reunido com a vice-presidente da Comissão Europeia Hena Virkkunen para falar sobre o negócio. O jornal alemão Handelsblatt noticiou que “surgiram preocupações” sobre a aquisição da Warner pela família Ellison, uma vez que podia levar a “uma concentração excessiva dos media”.

O poder do status quo

Neste confronto entre Netflix e Paramount, há outra dimensão que poderá sair em vantagem para a segunda: o de manter mais o status quo. Quer a Netflix, como a Paramount, asseguraram que vão continuar a lançar os filmes da Warner Bros nos cinemas, embora Ted Sarandos tenha sinalizado que o período de exclusividade nos cinemas pode reduzir, o que já inquietou vários em Hollywood. “A minha principal objeção reside nos longos períodos de exclusividade, que não consideramos muito favoráveis ​​ao consumidor”, explica, citado pelo Deadline.

No campo das plataformas de streaming, ainda não se sabe com total clareza o que acontecerá à HBO Max se a Netflix vier a prevalecer. De acordo com a Variety, a Netflix sinalizou, pelo menos a curto prazo, que iria manter o serviço independente. Mas, ao mesmo tempo, destacou a adição do conteúdo da HBO e da HBO Max à sua programação no comunicado em que confirmou o negócio.

Por sua vez, a Paramount aponta que “a combinação da Paramount+ e da HBO Max oferece aos consumidores um serviço direto ao consumidor competitivo, que aumenta as opções e o valor, criando um concorrente significativo para a Netflix, que domina o mercado, e para as gigantes Amazon e Disney”.

Independentemente do resultado final, este será gigante, maior até se for a Netflix a vitoriosa. No caso da Paramount, resultaria em 207,1 milhões de subscritores (79,1 milhões da Paramount + mais os 128 milhões do lado da Warner Bros. – ambos dados do terceiro trimestre de 2025), ultrapassando o Prime Video, que conta com 200 milhões, para cimentar-se no segundo lugar. Já a combinação da Netflix com a HBO Max (sem ter em conta a grande sobreposição existente) totalizaria em mais de 429 milhões de subscritores (301,6 milhões do lado da Netflix – final de 2024), mais que o dobro do segundo colocado.

Os próximos meses serão quentes, e tudo permanece em aberto, mas com o fator Trump a pesar na balança. O desfecho, esse, só deverá chegar no próximo ano.

A Netflix poderá cimentar ainda mais o seu primeiro lugar entre os serviços de streamingFreepik

 

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