União Económica, Política e…. Energética

  • Ricardo Nunes
  • 15 Abril 2022

O projeto europeu, desde o tratado de Roma, consagra e fomenta a livre circulação de mercadorias, pessoas e capitais. Está na altura de a livre circulação de energia.

A Invasão da Ucrânia pela Federação Russa é claramente o movimento bélico mais impactante da última década, e provavelmente um dos acontecimentos do século. As imagens e testemunhos de uma guerra não distante mas próxima, e num país europeu, chocaram o mundo e mereceram repúdio e condenação praticamente unânimes. Muitos foram os princípios democráticos, de sociedade e até de respeito pela vida que tínhamos como adquiridos que estão a ser postos em causa diariamente. Estou certo de que haverá um mundo antes e depois de dia 24 de fevereiro de 2022, com impactos muito para lá do óbvio e imediato efeito da guerra, tendo também consequências profundas e ainda difíceis de estimar na economia e no que pensávamos ser uma tendência inexorável de globalização, com o regresso à ribalta de temas como áreas de influência e blocos económicos.

Também ao nível da energia, as últimas semanas revolucionaram o sector, com a dependência energética europeia (que antecipei em artigo escrito quase um mês antes do início do conflito) a ficar agora mais visível que nunca, com a palavra sustentabilidade a ser muitas vezes preterida por independência. Por outro lado, o recente relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas alertou que, apesar dos inúmeros compromissos assumidos por parte de empresas e dos estados para com a redução das emissões, estas continuam a aumentar, ainda que a ritmo mais lento. A tecnologia existe e pode ser implementada para acelerar a saída dos combustíveis fósseis, e esta crise pode ser o catalisador desta mudança de paradigma.

Os mais distraídos perceberam finalmente que não existe qualquer transição energética sem segurança de abastecimento e sem a utilização (ainda que gradualmente reduzida) de tecnologias não renováveis como o gás natural (no nosso caso), e o carvão ou o nuclear (no caso de outros países), e a histórica e sempre mencionada insularidade ibérica em termos energéticos, voltou, finalmente, a ser assunto prioritário para os Governos de Portugal e Espanha. A crise energética que tem vindo a desenrolar-se no último ano, ganhou maior visibilidade mediática. Os preços das várias commodities (energia e outras) batem sucessivos recordes desde meados de 2021, acrescentando inflação a economias que no rescaldo de uma pandemia mundial precisavam de tudo menos do aumento generalizado dos preços.

Em termos do sector da energia, temos agora, na Europa e em Portugal, uma grande oportunidade geracional, que obrigará a decisões que não podemos adiar até que outro acontecimento nos volte a relembrar a fragilidade do nosso sistema.

A Europa tem de ter uma política comum alinhada com os 4 vetores fundamentais do novo paradigma da energia: segurança de abastecimento, independência energética, sustentabilidade financeira e preocupação ambiental. Afinal, um mix energético forte e ambientalmente robusto é fundamental para todos os europeus.

Nesta política europeia devemos incluir não só as decisões de cada estado-membro sobre as tecnologias preferenciais e que devem ter em conta elementos particulares de cada país (clima, robustez financeira, território, localização, etc), como principalmente linhas orientadoras europeias comuns bem definidas para a aceleração da transição energética.

É na escolha e preferência das tecnologias por pais que Portugal, fruto do seu clima e localização privilegiada, pode e deve ser um player central na política energética europeia. Devemos continuar a desenvolver soluções renováveis efetivas (PV e Hidrogénio) para que em determinadas horas do dia possamos exportar para o continente europeu, e também servir de referência para capação de GNL vindo de Africa e dos EUA, e assim nos afirmarmos como importantes fornecedores de gás aos restantes estados-membros. É evidente, que esta exportação e acesso a um mix energético diversificado e consistente, só é possível com o desenvolvimento e reforço das interligações entre a Península Ibérica e a Europa.

É fundamental desenvolvermos edifícios regulatórios consistentes e harmonizados – porque não um único regulador europeu de energia com poderes supranacionais efetivos como acontece com o BCE na política monetária e financeira? Também os modelos de mercados de curto e longo prazo devem ter as mesmas regras nos diferentes países para que possamos no futuro alcançar um verdadeiro mercado europeu. As regras dos mercados liberalizados e regulados na comercialização necessitam igualmente de concertação regulatória. No caso do mercado regulado, é gritante e por vezes até contra o espírito da diretiva europeia, a falta de harmonização entre os países, tanto no preço como no acesso de empresas e famílias.

O projeto europeu, desde o tratado de Roma, consagra e fomenta a livre circulação de mercadorias, pessoas e capitais. Está na altura de a livre circulação de energia, com impacto na criação de um preço e mercado único, fazer também parte do projeto europeu. A independência energética na Europa só será alcançada quando todos os países abdicarem, a favor de algo maior, da sua própria independência quanto às políticas nacionais na energia.

  • Ricardo Nunes
  • Economista, Chief Strategy Officer do OMIP, membro do Observatório de Energia da Sedes

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