Ricardo Bellino: “Portugal é o país do ‘talvez’ demorado. Muitas vezes é melhor um ‘não’ rápido”

Após tentar comprar por duas vezes a Herdade do Pinheirinho, na Comporta, o empresário brasileiro Ricardo Bellino, ex-sócio de Trump, voltou a casa desiludido com o ambiente de negócios em Portugal.

Ricardo Bellino é um empresário sem tempo a perder. Neto de portugueses, o homem nascido no Brasil passou por Lisboa e por Porto na semana passada para fazer um IPO Pessoal e recordar os três anos em que viveu no país. Mas a história e a fama de Ricardo Bellino começaram três décadas antes.

Sem dinheiro nem contactos, no final da década de 1980, conseguiu convencer a agência norte-americana de modelos Elite a abrir um escritório no Brasil. No início da década de 2000, bastaram-lhe três minutos para convencer o então (apenas) empresário Donald Trump a apostar em solo brasileiro – mesmo que o projeto nunca se tenha concretizado, embora Bellino tenha saído a tempo.

As ligações a Portugal voltaram a fortalecer-se depois de ter vivido, entre 2007 e 2018, em Miami, nos Estados Unidos. Foi lá que conheceu Jorge Espírito Santo, então diretor do banco do BES naquela localização, que o convenceu a apresentar propostas para o projeto imobiliário na Comporta. Ricardo Bellino chegou a assinar um contrato de codesenvolvimento, mas o projeto foi interrompido pela queda do BES e do GES.

O brasileiro mudou-se para Portugal em 2018 com vontade de voltar a apostar na Comporta. Mas as coisas voltaram a não correr de feição, apesar de o empresário elogiar o atual projeto imobiliário. O ECO entrevistou Ricardo Bellino no Palácio da Bolsa, no Porto, à margem da apresentação do livro com o título “IPO Pessoal – Como você se pode tornar uma marca milionária”, editado pela Lisbon International Press.

Por que voltou ao Brasil depois de três anos a viver em Portugal?

Tenho dificuldade em imprimir um ritmo e uma dinâmica na gestão dos meus empreendimentos. Em Portugal foi muito difícil obter respostas: muitas vezes um não rápido é melhor do que um ‘talvez’ demorado. Portugal parece-me o país do talvez demorado.

Alega que os empresários portugueses, em vez de fazedores de negócios, são um obstáculo ao negócio. O que quer dizer com isso?

Generalizar é um pouco perigoso e uma falta de gentileza. Cada país tem a sua cultura, que tem de ser respeitada. Não posso ditar esse ritmo. Mas tenho de olhar sob a minha perspetiva egoísta: quando estou a fazer um projeto, um investimento ou um negócio, tenho uma forma de desenvolver os empreendimentos, que passa por identificar interesses e oportunidades e muito rapidamente definir se é algo para seguir ou se é algo para virar a página. O processo de decisão dos financiamentos e das burocracias acaba por trazer um ritmo mais lento e ditar uma dinâmica com a qual não estou habituado. Fui educado pela cultura anglo-saxónica dos negócios.

Costuma dizer que foi educado pela “escola da vida”.

Dou muito valor às relações com as pessoas. Gosto de estabelecer vínculos e de criar relacionamentos baseados em confiança e respeito. O tempo, para mim, é algo muito valioso e que respeito muito. Em qualquer negócio e relacionamento, o respeito pelo tempo do outro é fundamental para construir uma base sólida. Ser displicente com o tempo, por indefinições e processos que não chegam ao fim, acaba por dificultar tudo. Decidi investir três anos em Portugal e olhar para oportunidades. Mas como tenho uma agenda dinâmica no Brasil, dedicada à educação informal, e um projeto imobiliário, acabou por me levar a voltar ao Brasil, temporariamente.

Tenho uma forma de desenvolver os empreendimentos que passa por identificar interesses e oportunidades e muito rapidamente definir se é algo para seguir ou se é algo para virar a página. O processo de decisão dos financiamentos e das burocracias [em Portugal] acaba por trazer um ritmo mais lento e ditar uma dinâmica com a qual não estou mais habituado

Ricardo Bellino

Empresário

Em várias entrevistas disse que quer reformar-se em Portugal. Mantém essa intenção?

Sim. O regresso a Portugal é certo, mas num prazo incerto. Certamente vai acontecer.

Tentou duas vezes apostar em projetos imobiliários na Comporta, sobretudo na Herdade do Pinheirinho. O que mais tentou em Portugal?

A agenda de desenvolver o empreendimento era a mesma. Começou com a caminhada na Comporta, em 2014, depois de um acordo com a Rioforte. Só que tive falta de sorte porque o BES [e o GES] caíram logo a seguir. Depois do contrato assinado, tivemos de pôr o projeto na gaveta. Mas gostava tanto da ideia de vir para cá, que não ia desistir.

Demorou quatro anos a voltar a Portugal.

Quando o projeto da Comporta se desmaterializou, isso afetou-me o espírito. Acreditava mesmo no projeto a longo prazo. Não ia chegar cá só para especular. Queria mesmo mudar o eixo para Portugal.

O que mudou na sua sensação sobre Portugal, entre a vinda de 2014 e a de 2019?

Vim agora a Portugal a convite do meu amigo Nuno Rebelo de Sousa, para a abertura da missão dos investidores brasileiros na Web Summit de 2022. Também fiz a abertura da minha exposição de arte, dos quadros de arte a partir de cápsulas da Nespresso. Nos últimos cinco ou seis anos nota-se um movimento muito forte da vinda de iniciativas empreendedoras ligadas à inovação e tecnologia. Existe uma nova cultura, das startups e de fazer as coisas acontecer a uma velocidade diferente, que está mais ligada ao meu ritmo, em contraste com uma cultura mais tradicional.

Para si, há “dois Portugais”?

Sim. Em 2020, fiz uma conferência importante para um grande banco em Portugal e depois fiz o mesmo na Suíça. Um dos administradores provocou-me e levou-me a criar a Dealmaker Academy. Ele disse-me: ‘Nós precisamos de mudar a cultura dos nossos oito mil trabalhadores, que precisam de se tornar fazedores de negócios e não apenas [ser] burocratas. Precisamos de trazer essa cultura’. Em maio, vamos lançar a academia nos Estados Unidos e no Brasil. Também poderemos considerar abrir esta academia em Portugal, ficando aqui a sede europeia e podendo ajudar os jovens que estão a fundar novos negócios.

Ricardo BellinoAugusto Pessoa

Em que acha que pode ajudar os jovens empreendedores portugueses?

Se alguém tem uma grande ideia em fase inicial, o custo de entrar é menor e o risco é maior, porque ainda não há validação do negócio. Olho primeiro para o empreendedor e só depois para o plano de negócios. Eu próprio já tive negócios que correram bem e outros que correram mal. Eu não mudei. Tenho capacidade para lidar com frustrações. Para um empreendedor estar preparado para o sucesso, é necessário saber lidar com o fracasso e aprender com os erros, sem que isso crie um trauma. A falha e o erro são a motivação para o ensino sobre como falhar mais rápido. É preciso sair do erro o mais depressa possível.

O Ricardo Bellino não se define como uma pessoa paciente.

Tenho um sentido de urgência em tudo o que faço.

Veio a Portugal para apresentar o livro “IPO Pessoal”. Que conceito é este?

Foi algo que começou em Los Angeles, nos Estados Unidos. No Brasil, o Pelé foi a primeira pessoa a promover isso. Estou a colocar o meu tempo à disposição. Escolhi o Palácio da Bolsa para promover este momento, pois foi aqui que nasceu a primeira bolsa de mercadorias portuguesa, a primeira bolsa de valores e agora lançou a bolsa de talentos. No IPO Pessoal, podemos trocar o talento de qualquer pessoa por tempo, que depois terá um valor avaliado pelo mercado.

Nos últimos cinco ou seis anos, nota-se um movimento muito forte da vinda de iniciativas empreendedoras ligadas à inovação e tecnologia. Existe uma nova cultura, das startups e de fazer as coisas acontecer a uma velocidade diferente, que está mais ligada ao meu ritmo, em contraste a uma cultura mais tradicional

Ricardo Bellino

Empresário

Que tendências está a seguir atualmente?

Tento observar o que existe e como me posso apropriar, de forma positiva, de uma oportunidade e captar isso de forma única.

Nos anos 1980 e 1990, era conhecido como alguém que fazia “sopa da pedra”, isto é, que lançava ideias sem ter capital à partida. O que mudou entretanto?

O meu espírito e compromisso com as ideias é o mesmo desses anos. O que mudou é que tenho mais anos, condições económicas e maturidade. Mas gosto de preservar a essência.

O que mais aprendeu ao longo da vida?

Quanto mais alguém trabalha, empreende e corre riscos, maior o afastamento da falta de sorte. Tento continuar, de forma consistente, a fazer tudo até correr bem. Quando falho, aprendo. Quando corre bem, celebro.

Ricardo Bellino no lançamento do livro “IPO Pessoal”, no Palácio da Bolsa, no Porto.DR

Que personalidades portuguesas mais o inspiram?

Através do Nuno Rebelo de Sousa, tive o prazer de conhecer o Presidente Marcelo [Rebelo de Sousa]. Sempre gostei de perceber como ele consegue gerir uma agenda tão complexa de forma tão simples e como cria uma enorme aprovação no país. Ele é um exemplo de que a gestão empresarial pode correr bem na política. Também acompanhei o imbróglio jurídico da Comporta, até que o Claude Berda [investidor] e o José Botelho [gestor] conseguiram resolver a situação e deixaram-me muito bem impressionado. É um perfil de investidor de que gosto, por estar disposto a correr riscos e a fazer tudo bem feito.

No início da década de 2000 demorou três minutos a convencer Donald Trump a investir no Brasil. Ainda fala com Trump? Com que impressão ficou da passagem dele pela presidência dos Estados Unidos?

Relacionei-me apenas com o empresário e não com o ex-presidente. Não costumo falar sobre questões políticas. O ser político é uma coisa; e o ser empreendedor é outra. Quando se tenta gerir um país tão complexo como os Estados Unidos como se fosse uma empresa, torna-se muito complicado. Houve uma grande polarização porque há milhões de pessoas que o adoram e há grandes possibilidades de ele voltar. Ele é imparável, incansável e tem uma capacidade de fazer coisas na sua vida. Tudo na vida tem um preço: não é possível fazer omeletes sem partir ovos.

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