Entre o confinamento e o inconcebível “cada um por si”

  • Carla Neves Matias
  • 4 Agosto 2022

O Estado tem a obrigação de antecipar as consequências e o impacto nos hospitais, de ter um plano para acolher os cidadãos e não os deixar à sua sorte.

O regresso à normalidade e a pouca informação sobre a incidência de novas infecções, iludem-nos, e fazem-nos esquecer que, infelizmente, a pandemia não está finda.

Neste momento a comunicação social passou a estar numa guerra incompreensível para a maioria de nós e para a necessária solidariedade com o povo ucraniano. E quanto a isto estaremos quase todos de acordo.

Perdoem-me os que já não podem ouvir falar em máscaras, restrições, vacinas e afins, no fundo tudo aquilo que nos infernizou nos últimos dois anos, mas volto ao tema Covid, cuja sexta vaga.

Este texto é um mero texto de opinião, a opinião de quem acompanhou de perto a descida ao inferno do pai que (embora sem quaisquer sintomas associados) testou positivo ao Covid após ter sido encaminhado para os serviços de urgência por doença súbita que determinou o internamento imediato para uma intervenção cirúrgica. Feito o teste ao Covid, ainda que sem qualquer sintoma, testou positivo e teve que ser transferido para o covidário: Contentores que albergam doentes, mas onde não lhes é assegurado o direito à higiene pessoal, uma ida ao wc, mesmo que sua a condição física o permita…

O Covidário (contentores) é um local onde os profissionais de saúde, médicos, enfermeiros e auxiliares são insuficientes e estão esgotados, e a quem já falta a capacidade de assegurar aos doentes um pouco de conforto e um mínimo de dignidade. A dignidade numa cama de hospital é, acreditem, um último reduto da nossa condição humana.

As autoridades competentes decidiram esquecer o assunto Covid e deixar quase ao abandono, doentes e profissionais de saúde, aqueles a que num passado recente batemos palmas pelo espírito de sacrifício e resiliência.

O isolamento impede a vista dos familiares e gera uma enorme ansiedade para todos. Aos familiares é permitido saber notícias, por telefone, em dois momentos: durante 1 hora no período da manhã e durante 1 no período da tarde. Podemos facilmente antecipar que obter notícias depende da sorte, tal como num concurso da TV. Só que estamos perante algo muito sério!

Mas se a permanência no covidário para quem está consciente é um inferno, o momento da alta médica, mas ainda em período de isolamento pode tornar-se num novo nível de dificuldade e de incapacidade das autoridades.

O Estado não pode esquecer, nem se demitir de ter soluções para as situações em que na casa do doente Covid reside alguém que segundo a definição das definido das autoridades de saúde é uma pessoa de risco, ou, simplesmente, não existem condições para ficar isolado. Não pode, mas esquece e falha num dos seus papeis essenciais.

Os portugueses pagam impostos e pagam muito, e se muitos recorrem aos hospitais privados, não deixam de pagar impostos. Por isso, enquanto cidadã pagadora de impostos, gostaria de saber que o dinheiro dos meus impostos é empregue no que é essencial a um País: à saúde no geral (um bem inestimável), entre outros que não iremos hoje abordar.

É sabido, ou deveria ser claro, que o Direito à Vida e o acesso a cuidados médicos (decentes) estão legalmente previstos, são um direito essencial.

Nenhum de nós pode garantir que num momento de emergência, como no caso do pai, não sejamos internados no covidário, mas espero, esperamos todos que o Estado cumpra a sua função. O Estado tem a obrigação de antecipar as consequências e o impacto nos hospitais, de ter um plano para acolher os cidadãos e não os deixar à sua sorte.

  • Carla Neves Matias
  • Sócia da SRS Advogados

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