Para grandes males, grandes remédios

  • Francisco Goes Pinheiro
  • 4 Outubro 2022

Não deixamos de aplaudir esta iniciativa que visa garantir algum equilíbrio e apaziguamento do setor da construção, face aos constrangimentos a que tem estado sujeito em face da conjuntura mundial.

No passado dia vinte de maio do presente ano, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 36/2022 que estabelece um regime excecional e temporário no âmbito do aumento dos preços com impacto em contratos públicos.

Com efeito, a crise pandémica causada pela doença COVID-19, a que lhe sucedeu o conflito bélico na Ucrânia, originou um efeito disruptivo nas cadeias de abastecimento e o risco de uma espiral inflacionária impulsionada pelo aumento dos preços da energia e das matérias-primas, com efeitos devastadores e imprevisíveis na economia em geral.

Trata-se de um cenário que a todo nos afeta a todos – cidadãos e empresas –, mas que tem tido especial impacto no setor da construção, onde a escassez dos materiais e o consequente aumento dos preços, tem despoletado enorme pressão junto dos empreiteiros e a capacidade de estes executarem as obras em curso, em tempo e dentro do orçamento inicialmente previsto.

É certo que o Código dos Contratos Públicos já prevê mecanismos de revisão de preços que as partes podem lançar mão, como é o caso do mecanismo de revisão ordinária de preços previsto no artigo 382.º do CCP ou a reposição do reequilíbrio financeiro nos termos do artigo 282.º do CCP, contudo, parece claro, que nenhum dos dois é capaz de dar uma resposta cabal e cirúrgica à excecionalidade do momento em que vivemos. É caso para dizer, para grandes males, grandes remédios!

Foi, pois, neste contexto que o legislador aprovou o regime excecional de revisão de preços previsto no Decreto-Lei n.º 36/2022, o qual está especialmente concebido para os contratos de empreitadas de obras públicas, mas que é extensível, com as necessárias adaptações, aos contratos públicos de aquisição de serviços e de bens.

O mecanismo de revisão extraordinária de preços carece da verificação de determinados requisitos cumulativos, que se encontram elencados no artigo 3.º:

  1. a variação de preços deve incidir sobre um determinado material, tipo de mão de obra ou equipamento de apoio que represente, ou venha a representar durante a execução, pelo menos 3% do preço contratualizado;
  2. a taxa de variação homóloga do custo do referido material, tipo de mão de obra ou equipamento deverá ser igual ou superior a 20%;
  3. o pedido de revisão deve ser apresentado ao dono de obra até à receção provisória da obra;
  4. o empreiteiro deve identificar de forma fundamentada, a forma de revisão extraordinária de preços de entre os métodos previstos no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 6/2004, de 6 de Janeiro, que melhor se adeque à empreitada em execução, designadamente, fórmula, garantia de custos ou fórmula e garantia de custos.

Apresentado o pedido extraordinário com os pressupostos supra identificados, é concedido ao dono da obra o prazo de 20 dias para se pronunciar sobre a forma de revisão extraordinária de preços proposta pelo empreiteiro. Caso o empreiteiro não se pronuncie dentro desse prazo, a proposta considera-se aceite tacitamente. Por outro lado, e, dentro do prazo estabelecido de 20 dias para se pronunciar sobre a revisão extraordinária de preços, o dono da obra, pode apresentar uma contraproposta desde que se verifique uma desadequação da fórmula existente no contrato face aos custos da empreitada e não aceite a proposta apresentada pelo empreiteiro.

Quanto à demonstração dos custos a garantir, o dono da obra deve exigir ao empreiteiro os elementos que permitam a validação dos valores apresentados, devendo ser acautelados todos os riscos que permitam uma possível concertação de preços entre o empreiteiro e o fornecedor.

Nesse particular, salienta-se que o dono de obra pode realizar consultas ao mercado, desde que entenda necessário à aprovação do pedido apresentado, nomeadamente, nos casos em que o preço dos materiais se encontre tabelado.

Verificando-se preenchidos os requisitos necessárias à sustentação do pedido de revisão extraordinária de preços, o dono de obra não pode recusar o mesmo, podendo apenas, em caso de não concordar, apresentar uma contraproposta ou optar por uma das fórmulas de revisão supletivas previstas no diploma.

Finalmente, cumpre notar que o regime excecional de revisão de preços vigora até 31 de dezembro de 2022, podendo naturalmente ser prorrogado caso persistam as circunstâncias que determinaram a sua aplicação.

Longe de ser a solução perfeita, não deixamos de aplaudir esta iniciativa que visa garantir algum equilíbrio e apaziguamento do setor da construção, face aos constrangimentos a que tem estado sujeito em face da conjuntura mundial atual.

  • Francisco Goes Pinheiro
  • Associado coordenador da AVM Advogados

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