Descarbonização: uma oportunidade para reindustrializar

  • João Hrotko
  • 11 Janeiro 2023

A abundância de energia verde barata pode transformar Portugal num polo de atração de atividade industrial verde (na cerâmica, vidro, química, siderurgia, entre outros).

A União Europeia está na vanguarda da transição energética, com objetivos ambiciosos de neutralidade carbónica até 2050 e com políticas relativamente robustas para os alcançar. No entanto, a transição acarreta custos económicos e sociais, e, pior, este pode ser um esforço em vão.

Uma vez que a UE é o maior importador de energia do mundo e paga uma fatura alta pela energia que consome (chegou a pagar 9 vezes mais pela energia que os EUA em 2022), toda a indústria dependente de fontes de energia intensivas em emissões está em risco com o processo de descarbonização.

O risco decorre da perda de competitividade pelo aumento dos custos de produção e pelo aumento dos custos das emissões. Especialmente, quando este não é compensado nem pelo mecanismo de ajuste de carbono nas fronteiras, nem por subsídios ao investimento na transição energética, nem, em geral, pela política energética e industrial europeia. Que este risco é real ficou claro com a reação da UE ao programa de apoio à transição energética dos EUA (o IRA), que oferece apoios, substanciais à indústria e que pode gerar uma realocação do investimento da UE para os EUA.

Pior, este esforço arrisca-se a ser quixotesco pois, sem a adequada pressão externa, incentiva outros países a não realizar a redução nas emissões que lhes corresponde, deitando por terra o objetivo de redução global que se pretende.

Porém, este não é um resultado inevitável do processo de descarbonização. Com uma política externa mais assertiva (que encoraje o compromisso e penalize quem não acompanhe na redução) e com uma estratégia de transição climática não dogmática mas antes realista e flexível, é possível, diria mesmo expectável, que a descarbonização conduza a um processo de reindustrialização.

A célere implementação do mecanismo de ajustamento de carbono na fronteira (um imposto a importações “não verdes”) é fundamental para não prejudicar as indústrias e o emprego europeu enquanto descarbonizam. E será necessário alargá-lo a mais setores e proteger as indústrias exportadoras.

Adicionalmente, há que evitar posições dogmáticas nas soluções tecnológicas, pois não há um caminho único para alcançar os objetivos de descarbonização. Por exemplo, é fundamental, permitir um maior período de transição nas restrições às de fontes de energia renovável usadas na produção de hidrogénio verde. É, também, fundamental não forçar uma eletrificação no transporte pesado e de longo-curso sem equilibrar com necessidades de segurança energética (evitando passar de uma dependência do Médio Oriente e Rússia para uma dependência da China), especialmente quando existem alternativas viáveis a nível de biocombustíveis.

O objetivo deve ser criar um “level playing field” entre tecnologias para que o mercado experimente as melhores alternativas para alcançar os objetivos de descarbonização estabelecidos, minimizando os custos económicos da transição.

Falta, adicionalmente, ultrapassar os interesses nacionais para alcançar uma verdadeira união energética europeia que esteja coordenada com a política industrial.

Em Portugal, a oportunidade é ainda mais evidente. Desde logo, a abundância de energia verde barata pode transformar Portugal num polo de atração de atividade industrial verde (na cerâmica, vidro, química, siderurgia, etc.), e os principais emissores de CO2 podem (como estão) aliar-se a investimentos no hidrogénio verde para produzir combustíveis sintéticos. Existe ainda um elevado potencial de geração de biometano que pode beneficiar a agroindústria.

Para aproveitar esta oportunidade é crítico que o Governo consolide a Lei de Bases do Clima, focando o seu esforço na criação de condições que facilitem os investimentos privados na transição energética, e sendo contido em aumentar objetivos que não são neutrais na pressão que colocam sobre as indústrias e o emprego e que, no final, têm um impacto nulo na redução global de emissões.

Esta é uma janela de oportunidade única para a Europa e para Portugal reindustrializarem, e, em paralelo, reduzirem emissões e assegurarem a segurança do abastecimento energético. É uma janela de oportunidade que seria imperdoável desperdiçar.

  • João Hrotko
  • Partner - Roland Berger

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