BRP. Demora nos tribunais Administrativos e Fiscais adia decisões de investimento
A Associação BRP defende que a lentidão da justiça pode ser combatida com aumento do valor máximo dos litígios fiscais que podem ser decididos no CAAD, passando dos atuais 10 milhões para 150 milhões.
A morosidade no sistema judicial é recorrentemente apontada como um dos principais problemas da justiça portuguesa. Segundo a Associação Business Roundtable Portugal (BRP), a morosidade da justiça administrativa e fiscal é ainda um “fator bloqueador do crescimento, da competitividade e do progresso do país”. Desta forma, considera que a solução passa pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), um meio de resolução alternativa de litígios, extra aos tribunais comuns.
A Associação BRP lança esta quinta-feira, dia 2 de fevereiro, um relatório focado neste tema, a que o ECO teve acesso, realçando a importância de um maior envolvimento do CAAD na resolução de processos de litígios de natureza administrativa e fiscal.
“A lentidão da justiça portuguesa é um dos aspetos que mais penaliza a competitividade do país. Os tempos de decisão dos nossos tribunais são muito longos, sobretudo na justiça administrativa e tributária, aquela que regula a relação entre o Estado e as empresas e particulares”, explica Nuno Amado, líder do grupo de trabalho “Estado” e membro da direção da Associação BRP e presidente do Conselho de Administração do Millennium bcp.
Nuno Amado considera que é importante fomentar formas alternativas de resolução de litígios que “aliviem” a carga dos tribunais e assegurem uma justiça efetiva aos cidadãos e empresas. “O alargamento do montante máximo admitido à arbitragem institucionalizada do CAAD de 10 milhões até 150 milhões de euros permitirá imprimir uma maior celeridade nas decisões, reduzir a incerteza para os agentes económicos e libertar recursos que geram valor”, diz o presidente do banco”, disse.
Da BRP — que conta com 42 fundadores associados — fazem parte nomes como Vasco de Mello, presidente da José de Mello, António Rios de Amorim, CEO da Corticeira Amorim, Cláudia Azevedo, CEO da SONAE, Sandra Maria Santos, CEO da BA Glass, Nuno Amado, presidente do Millenium BCP, Paulo Rosado, CEO da Outsystems e Fernando da Cunha Guedes, presidente da SOGRAPE. É constituída por empresas e grupos empresariais com atividade económica relevante em Portugal que, em conjunto, empregam mais de 380 mil pessoas, das quais mais de 200 mil em Portugal, geram receitas no valor de 82 mil milhões de euros e investem anualmente mais de 6,8 mil milhões de euros.
“Os agentes económicos chegam a aguardar mais de seis anos por uma decisão de primeira instância num tribunal fiscal. Os tempos de duração destes processos trazem custos de contexto elevados para as empresas, fomentam os níveis de incerteza e constituem uma barreira à atração de investimento”, sublinha o relatório do grupo de trabalho.
O grupo de trabalho “Estado” considera assim que é necessário mudar, pois o país necessita de uma justiça económica e fiscal “mais célere”, que “fomente a confiança dos cidadãos e das empresas no sistema” e que ajude a “aumentar a competitividade face aos seus pares”.
“Uma justiça lenta gera o aumento da imprevisibilidade e da incerteza, comporta custos financeiros e de litigância elevados para as empresas, causa o adiamento de decisões de investimento, impacta na criação de emprego, retira atratividade e competitividade ao país“, lê-se no artigo.
Desta forma, a Associação BRP propõe um aumento do valor máximo dos litígios fiscais que podem ser submetidos ao CAAD, passando de 10 milhões para 150 milhões de euros.
Segundo a BRP, esta medida irá permitir reduzir o volume de processos nos tribunais comuns; resolver litígios de forma mais rápida uma vez que a duração média dos processos no CAAD foi de 4/5 meses, no ano de 2021; libertar recursos; diminuir a incerteza e a imprevisibilidade junto dos agentes económicos.
“Trata-se de uma medida simples de aplicar, sem custos de relevo associados, mas com um enorme efeito desbloqueador dos entraves da justiça, em prol da melhoria da competitividade do país, sem ser mais penalizadora para o Estado”, considerou.
Tornar a justiça mais célere através do CAAD
Apesar de reconhecer que no últimos anos tenham sido feitos esforços para minimizar este problema, o grupo de trabalho defende que a “lentidão” da justiça portuguesa é mais preocupante, sobretudo nos tribunais administrativos e fiscais, “onde a duração média dos processos nos tribunais de primeira instância tem vindo a aumentar de ano para ano”.
Segundo dados da Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ) apresentados no artigo, em 2021 a duração média dos processos de natureza fiscal nos tribunais administrativos e fiscais de 1ª instância tem vindo a crescer nos últimos quatro anos, tendo aumentado 35%.
Em 2021, o tempo médio de duração destes processos era de 50 meses, o que equivale a cerca de quatro anos. Nuno Amado contrasta este valor com o tempo que é despendido no CAAD, em que o prazo médio é de quatro meses e meio.
“Os tempos da justiça são ainda mais extensos quando estão em causa processos de impugnação judicial, nos quais a duração média é de 6,25 anos (75 meses). Entre 2018 e 2021, a duração média destes casos aumentou 24%”, explicou.
Relativamente a panorama europeu, Portugal é o quarto país onde os processos administrativos se prolongam por mais tempo nos tribunais de 1ª instância. Em média duram 847 dias. Já a média europeia fixa-se nos 358 dias.
Segundo dados da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça, só em três países é que os tempos da justiça são mais morosos: Malta, Chipre e Itália. Entres os países mais céleres está a Suécia, Hungria, Lituânia, Bulgária, Estónia e Polónia.
Por outro lado, dados do relatório “Global Competitiveness – 2019” do Fórum Económico Mundial colocam Portugal na 113ª posição. Este relatório avaliou a eficiência do sistema judicial na resolução de litígios de 141 países.
Desta forma, Nuno Amado considera que a morosidade da justiça afeta a economia do país e que adiantou que diversos indicadores demonstram como o funcionamento do sistema judicial pesa nas decisões de investimento das empresas.
Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística, revela, que o sistema judicial é apontado pelas empresas inquiridas como o domínio com o indicador de custos de contexto mais elevado.
“Analisando com mais detalhe as diversas componentes dos custos de contexto associados ao sistema judicial, ressalta o facto de as disputas fiscais serem aquelas que representam os maiores obstáculos para as empresas. O maior entrave é, precisamente, a duração dos processos judiciais, apontado por mais de metade (51,7%) das quase cinco mil empresas inquiridas, que classificam a lentidão da justiça como um obstáculo elevado ou muito elevado para a sua atividade”, sublinhou o membro da BRP.
Entre os efeitos negativos da morosidade na vida das empresas apontados por Nuno Amado estão a falta de previsibilidade e aumento de incerteza, custos financeiros e contabilísticos elevados, forte carga administrativa e elevados custos de litigância, adiamento de investimentos e impacto na criação de emprego.
Assim, defende que o CAAD é um instrumento essencial para acelerar a resolução de litígios. A BRP considera que a dinamização da arbitragem tributária é “fundamental” e “decisiva” para diminuir o número de pendências nos tribunais administrativos e fiscais.
“Em 2021, encontravam-se pendentes naqueles tribunais 1.438 processos de natureza fiscal, revelam os dados do Conselho Superior dos Tribunais administrativos e fiscais. No total, os processos com valor individual acima de 1 milhão de euros representavam um montante global de 10,9 mil milhões de euros – ainda assim, 7,3% menor comparativamente ao ano anterior. Isto significa que existia, no final de 2021, um montante equivalente a 5% do PIB nacional “cativo” durante anos, a aguardar por uma decisão”, explicou.
Segundo Nuno Amado, 10,9 mil milhões de euros “paralisados” à espera de uma sentença significa para as empresas “menos disponibilidade de recursos para investir”. “A situação é também penalizadora para o Estado, uma vez que estes montantes representam menos receitas disponíveis para a “máquina pública” poder desempenhar as suas funções”, acrescenta.
Assim, a solução apresentada pela Associação BRP passa pelo um aumento do limite máximo dos litígios de natureza fiscal que podem ser submetidos junto do CAAD.
“Propomos que o montante máximo dos litígios que podem ser submetidos na arbitragem fiscal passe dos atuais 10 milhões de euros para 150 milhões de euros – alinhando este montante com o valor já permitido para os litígios na arbitragem administrativa, o qual se situa igualmente nos 150 milhões de euros”, notou Nuno Amado.
O membro da BRP explicou que este aumento deve ser faseado, com os limites a aumentarem para 30 milhões no primeiro ano, 60 milhões no segundo ano, 90 milhões no terceiro ano e finalmente para 150 milhões de euros no quarto ano.
“Trata-se de uma medida simples, uma vez que pode ser decidida diretamente pelo Ministério das Finanças, com a alteração de uma portaria. Adicionalmente, esta alteração permitirá alargar em muito o número de processos submetidos à apreciação do CAAD, assegurando maior celeridade na respetiva tramitação”, acrescentou.
O CAAD é um centro de arbitragem institucionalizada, de caráter especializado, onde podem ser resolvidos litígios de direito público na área administrativa e na área tributária.
“Através deste regime, os particulares e as empresas que não concordem com uma decisão tomada pela Autoridade Tributária, que resulte numa liquidação de imposto num montante máximo de 10 milhões de euros, podem resolver esse litígio sem recorrer aos tribunais judiciais”, explicou Nuno Amado.
Para o líder do grupo de trabalho “Estado”, vários são as vantagens deste meio alternativo de resolução de litígios. Entre elas a rapidez na resolução de conflitos, transparência do processo e qualidade e independência das decisões.
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