Exclusivo Distribuidoras de gás preveem rede descarbonizada até 2040

Responsáveis das empresas que operam a rede de distribuição de gás em Portugal, Floene, REN Portgás e Dourogás, explicaram ao ECO/Capital Verde o futuro que veem para as suas redes.

Se as coisas correrem conforme esperamos, o que vamos ter em 2040 é: uma rede expandida, densificada, a chegar a indústrias, setor terciário e a famílias, sem défice tarifário, sem ter mudado a tarifa, e com uma transição tranquila dos gases fósseis para os gases renováveis”, descreve Nuno Fitas Mendes, membro do conselho de administração executivo da REN Portgás. “No que depender dos operadores, podemos ter 100% de gases renováveis”, assegura.

Mas o que significa uma rede de gás totalmente descarbonizada? Em vez de nela circular, como acontece hoje, gás natural, vai ser antes percorrida por outros gases que não emitem carbono, como o hidrogénio verde e o biometano.

Um dos cenários possíveis, estudado pela maior empresa de distribuição em Portugal, a Floene, aponta para que a rede acolha, em 2040, 40% de hidrogénio verde e 60% de biometano. Mas isto não quer dizer que, em qualquer ponto do país, se se “mergulhasse” nos tubos da rede de gás, se fossem encontrar estas percentagens. Haverá “cenários diferentes de zona para zona”, projeta o presidente executivo Gabriel Sousa: “Haverá zonas onde vão estar se calhar 100% hidrogénio, outras com mistura, outras talvez com 100% biometano”. As quantidades vão variar em função da capacidade de produção em cada lugar, por exemplo.

No entanto, descarbonizar a rede implica investimento e, de momento, a produção de biometano no país é escassa e o hidrogénio verde ainda não é sustentado por tecnologias maduras e que permitam uma produção deste gás a preços acessíveis, apresentando alguma incerteza, e com ela risco.

Um dos grandes riscos que pode ser visto é o de o sistema se tornar obsoleto. É cada vez mais visível que este é um ativo bom para o país. É fácil de descarbonizar e está disponível. Serviu até aqui e está pronto para servir para os próximos 50 anos.

Gabriel Sousa

CEO da Floene

Confrontadas com esta realidade, as distribuidoras de gás consideram que o maior risco é não investir nestes gases. “Um dos grandes riscos que pode ser visto é o de o sistema se tornar obsoleto. É cada vez mais visível que este é um ativo bom para o país. É fácil de descarbonizar e está disponível. Serviu até aqui e está pronto para servir para os próximos 50 anos”, defende Gabriel Sousa, acrescentando que “o conflito atual [entre a Rússia e a Ucrânia] mostra a dificuldade que pode resultar da ausência de diversificação” do sistema energético. Neste sentido, acredita que os gases renováveis terão de ser parte integrante do sistema.

O responsável da REN Portgás afirma que “aos distribuidores compete dar confiança ao mercado” de que as infraestruturas estão preparadas, para que os gases renováveis se possam desenvolver. Para ilustrar, compara as redes que gere às estradas: “Também queremos descarbonizar a rede viária. Mas, de repente, não são tudo carros elétricos na mesma estrada. Continuam a existir carros a diesel, a gasolina, híbridos, plug-in e totalmente elétricos. E não vou fechar as autoestradas porque não são todos elétricos no dia zero. Portanto, o que é que as redes viárias fazem? Estão preparadas para receber, progressivamente, carros completamente descarbonizados, com energias totalmente descarbonizadas. O que estamos a fazer na rede de gás é a mesma coisa”.

Já o CEO da Dourogás, Nuno Moreira, sublinha que há consumos que só podem ser descarbonizados recorrendo a gases renováveis, e dá como exemplo os processos industriais com calor de elevada temperatura. “Se as redes não existissem, os locais de produção tinham de ser exatamente ao lado dos locais de consumo, o que não acontece frequentemente. O local de produção de biometano é junto aos resíduos”, exemplifica.

Há alguns desenvolvimentos que dão confiança a estas empresas no que toca ao futuro da sua rede. Gabriel Sousa sublinha que, só nesta fase inicial, de cerca de um ano, em que as atenções começaram a recair sobre os gases renováveis, já foram identificados em Portugal projetos que pretendem produzir gases ‘limpos’ com capacidade para substituir 12% do volume de gás que hoje em dia circula nas redes. Mas ressalva: “É absolutamente essencial alargarmos o foco do hidrogénio para o tema do biometano. O biometano é mais simples, em termos de operação de infraestrutura”.

Escala permitirá competitividade

Descarbonizar toda a infraestrutura de gás apenas com hidrogénio, seria “dispendioso” ao dia de hoje, reconhece Gabriel Sousa. “Se amanhã fossemos substituir 100% do gás natural por hidrogénio, existiria um sobrecusto grande? Sim, existiria. Se fossemos injetar 1% de hidrogénio verde [nas redes] no próximo ano, existiria um aumento significativo? Não, não existiria. E, se no ano seguinte, passasse a 2%, e no outro ano 5%, também não existiria. É nesse patamar que estamos”, explica Nuno Moreira.

O escalar dos montantes de produção [de gases renováveis] vai levar inevitavelmente a preços competitivos.

Nuno Fitas Mendes

Administrador Executivo da REN Portgás

No entanto, reforça o líder da Floene, “não há outra forma de o fazer [descarbonizar] senão com o hidrogénio onde faz sentido injetar hidrogénio, e com biometano onde faz sentido injetá-lo”. Ao mesmo tempo, não se prevê que o biometano seja mais caro que o gás natural, indica Nuno Moreira.

O “escalar dos montantes de produção [de gases renováveis] vai levar inevitavelmente a preços competitivos”, afirma Nuno Fitas Mendes, comparando estas tecnologias com a energia eólica e solar, na medida em que “precisaram de um incentivo num momento inicial”, mas depois o custo de produção “desceu drasticamente”.

Para os operadores da rede, darem confiança ao mercado de que existe uma infraestrutura pronta para levar estes novos gases a 1,6 milhões de clientes “é suficiente para que o mercado de capitais consiga injetar volumes consideráveis de capital na produção de hidrogénio”, o que, a prazo, “levará a uma economia de escala que permitirá atingir um preço ótimo, de paridade, com aquilo que hoje os clientes conhecem sobre gás natural”, garante o responsável da REN Portgás.

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