Há um mar de oportunidades para as eólicas offshore. Da energia à indústria

São muitos os que estão de olho no primeiro leilão eólico offshore. Em cima da mesa estão 10 GW. Os benefícios para Portugal ascendem aos milhares de milhões, mas existem obstáculos pela frente.

Os ventos em 2023 aparentam ser promissores em Portugal no que diz respeito à energia eólica sobre o mar, uma vez que o país se prepara para abrir o primeiro leilão dedicado a esta energia, ambicionando instalar 10 gigawatts (GW) até 2030.

São muitos os que estão de olho no primeiro leilão eólico offshore. Em cima da mesa estão 10 GW. Os benefícios para Portugal ascendem aos milhares de milhões, mas existem obstáculos pela frente.

 

O Governo promete abrir as candidaturas até ao final do ano, mas a antecipação deste concurso já chamou a atenção de “muitas empresas do setor”, assegurou o antigo secretário de Estado da Energia, João Galamba, ao Capital Verde, enquanto ainda desempenhava estas funções. Garantiu que esta iniciativa tem o potencial de ser uma rampa de lançamento que colocará Portugal na linha da frente das eólicas offshore.

No fundo, o Governo pretende, em seis zonas identificadas ao longo da costa portuguesa (Matosinhos, Viana do Castelo, Leixões, Figueira da Foz, o eixo Ericeira-Sintra-Cascais e Sines), concretizar aquilo que o consórcio Windplus, formado pela Ocean Winds (parceria entre a EDP Renováveis e a Engie), a Repsol e a Principle Power, implementou em Viana do Castelo, quando instalou a primeira infraestrutura de energia eólica flutuante em Portugal, o parque Windfloat Atlantic. O projeto contou com um investimento de 125 milhões de euros.

Inaugurado há mais de um ano, o parque conta três unidades flutuantes com turbinas de 8,4 megawatts (MW), com uma capacidade total instalada de 25 MW, e que juntas produzem eletricidade suficiente para abastecer 60.000 utilizadores por ano, poupando quase 1,1 milhões de toneladas de dióxido de carbono. Desde o início da produção, o Windfloat Atlantic já produziu 180 GWh de energia renovável. Destes, 78 GWh foram produzidos em 2022, ano em que a produção foi mesmo 5% acima do estimado.

Apesar do ritmo positivo de produção, a Ocean Winds garante ao Capital Verde que não se ficará por aqui, admitindo estar “a seguir ativamente os desenvolvimentos e anúncios públicos sobre oportunidades futuras, para continuar a apoiar o país no cumprimento dos seus objetivos de energia limpa”.

O CEO da EDP, Miguel Stillwell d’Andrade, acrescentou, também em declarações ao Capital Verde que, neste momento, aguarda por saber “exatamente em que condições é que esse concurso vai ser lançado” e que só “depois” a energética tomará “a decisão de investir ou não – e em que condições”.

Certo é que a EDP olha para os resultados do Windfloat Atlantic com bons olhos e admite existir “a possibilidade de expandir bastante mais” a capacidade do parque. No entanto, frisa, a decisão está dependente “do desenvolvimento, de licenciamentos, depende também das condições regulatórias e de se conseguirem incentivos para que se consiga, efetivamente, vender essa energia em condições interessantes”.

Depende do desenvolvimento, de licenciamentos, depende também das condições regulatórias e de se conseguirem incentivos para que se consiga, efetivamente, vender essa energia em condições interessantes. Há uma série de condições que têm de ser preenchidas antes de investir

Miguel Stillwell d'Andrade, CEO da EDP

Além da Ocean Winds e da EDP, também o consórcio espanhol e irlandês, a IberBlueWind, já manifestou um claro interesse em apresentar uma candidatura ao primeiro leilão português, e garantiu ter a capacidade de assumir todas as fases de desenvolvimento de parques eólicos offshore.

Ao todo, a gigante internacional tem a ambição de instalar infraestruturas, cada uma com mais de 500 MW de potência, em pelo menos quatro localizações em Portugal e Espanha. Cada infraestrutura custará três mil milhões de euros e prevê-se que o ciclo de vida atinja os 30 anos. O primeiro parque será inaugurado na Figueira da Foz, um investimento que ascende aos 2,5 mil milhões de euros.

Estamos confiantes de que apresentaremos uma oferta fiável e vencedora aos leilões com resultados positivos e promissores para nós”, garante fonte oficial da IberBlue Wind ao Capital Verde.

Eólicas no mar atraem 40 mil milhões em investimento

Mas esta deverá ser apenas uma pequena fração do investimento total que se antecipa captar com este leilão.

“Quando falamos nestes leilões, estamos a falar de muito dinheiro”, antecipa António Sarmento, professor, engenheiro e presidente da Wavec, consultora especializada em energias renováveis do mar. Segundo o próprio, uma instalação de 1 MW no mar é, no mínimo, o equivalente a 4 milhões de euros, valor que ascende aos 4 mil milhões quando se trata de um GW.

“Portanto, quando falamos de 10 GW, falamos de 40 mil milhões de euros em investimento”, estima o responsável.

Este valor permitirá assegurar uma maior independência energética e capacidade de abastecimento a nível nacional – “dois temas dos quais já se falam há 10 anos”, aponta o presidente da Wavec –, mas também irá dinamizar um setor em Portugal que, até ao momento, conta apenas com um player, resultando, por sua vez, no nascimento de um cluster e numa evolução de tecnologias associadas às atividades existentes no mar, nomeadamente, a indústria da navegação, transporte marítimo, portos, pescas, mineração e aquacultura.

“É nas novas aplicações no mar que haverá um crescimento significativo para o país, e as energias renováveis seguramente são uma delas. O que temos de conseguir com [o leilão] é constituir uma cadeia de valor à volta do mar, em termos de serviço, produtos...”, aponta o responsável.

Setor pode abrir portas a mais indústria em Portugal

Com um novo segmento energético a emergir em Portugal, abre-se também uma oportunidade para o desenvolvimento da indústria portuguesa, através da produção de pás, torres ou plataformas. Mas também existe uma oportunidade para os portos, com o atracamento de navios de operação responsáveis pela instalação destas infraestruturas, e que, normalmente, não se estabelecem em Portugal uma vez que não existe mercado.

Tudo isto, estima António Sarmento, se passasse a estar instalado em território nacional, resultaria em custos de operação inferiores e até permitiria que as potenciais frotas portuguesas especializadas fossem chamadas a fazer trabalhos noutros países, à semelhança do que acontece quando o mar português acolhe investimentos estrangeiros que obrigam à contratação destes navios localizados, normalmente, no norte da Europa.

Apesar de todo este potencial, esta ainda não é uma realidade por cá, ao contrário do que já acontece noutros países, e por isso existe o risco de as “empresas canalizarem os interesses para onde é mais rentável”, antecipa António Sarmento.

Além da inexistência de uma cadeia de valor que alivie o investimento das empresas interessadas em participar no leilão português, existe ainda a realidade do mercado eólico offshore não ser uma novidade lá fora, embora o seja em Portugal.

Na verdade, Portugal acompanhou uma tendência verificada em pares europeus como a Itália, Alemanha, Bélgica ou os Países Baixos que também foram anunciando concursos da mesma natureza, ainda que com “uma potência superior”.

“Os 10 GW não são um caso isolado. Há um crescendo em toda a Europa para instalar turbinas eólicas offshore. É bom que o Governo ande depressa e tenha consciência dos desafios”, alerta António Sarmento, explicando que as empresas que concorrerem ao concurso têm uma capacidade de investimento limitada e será importante perceber se existe disponibilidade e interesse em apostar em vários projetos em simultâneo.

“OS 10 GW são ambiciosos e vão na direção certa. Mas é importante que não nos foquemos só no target, mas sim se existem as condições necessárias para o concretizar”, apontou Marianne Beck Hassl, responsável da Orsted, durante a Portugal Renewable Energy Summit 2022, uma conferência da APREN, que teve lugar no ano passado. “Não precisam de inventar a roda, basta seguirem o que já foi feito noutros leilões, pelo mundo”, sublinhou, referindo que a gigante dinamarquesa, com 27 parques eólicos offshore espalhados pelo mundo, uns fixos, outros flutuantes, está também de olho naquilo que Portugal pode ter para oferecer ao mercado.

Identificar desafios é prioridade “para não haver surpresas”

Mas existem outros pontos que podem preocupar os promotores. O primeiro prende-se com o custo da energia que, em comparação com países onde o mercado do eólico offshore está mais desenvolvido, nomeadamente, na Alemanha ou na Dinamarca, são mais baixos. Sobre estes países, Sarmento explica que são “regimes muito mais ventosos” o que permite produzir energia mais barata em comparação com Portugal. “Isso pode vir a tornar-se menos atrativo para os investidores”, explica.

A par desta questão, surge o facto de, apesar de Portugal ter uma zona económica exclusiva marítima de 1,7 milhões de quilómetros quadrados, sendo esta a terceira maior da União Europeia e a 11ª do mundo, nem toda pode ser utilizada par a instalação de plataformas eólicas, sejam elas em profundidade ou flutuantes. Para já, contabilizam-se mais de 3 mil quilómetros quadrados em seis áreas marítimas para exploração de energias renováveis no mar em larga escala. As localizações estiveram em consulta pública até março e um relatório final deverá ser divulgado até ao final deste mês.

Surge ainda a questão da expansão da rede elétrica nacional que está “nas mãos” da Redes Energéticas Nacionais (REN), embora existam, para já, pelo menos duas empresas interessadas em instalar parques fora do âmbito do leilão. Estas empresas, revelava o antigo secretário de Estado da Energia João Galamba ao Capital Verde, estão disponíveis para pagar pelo acesso à rede elétrica e assegurar a logística que é necessária relativamente aos portos, posteriormente.

Os 10 GW não são um caso isolado. Há um crescendo em toda a Europa para instalar turbinas eólicas offshore. É bom que o Governo ande depressa e tenha consciência dos desafios.

António Sarmento, presidente da Wavec

Atualmente, Portugal conta com um modelo centralizado de desenvolvimento da rede, estando o operador da rede de transporte de energia, a REN, responsável pela construção da ligação elétrica, tal como acontece com os projetos de energia eólica instalados em terra. Mas existem países, como na Alemanha, onde a meta é instalar até 30 GW de potência de eólico offshore, onde o modelo é descentralizado e tripartido entre o governo (na seleção das localizações indicadas e licenciamento), o promotor (na construção e instalação dos parques) e o operador da rede (responsável pela construção da ligação elétrica do mar até à terra).

Mas a questão sobre quem fica encarregue da ligação elétrica não é consensual entre os promotores. “Existem exemplos de todo o tipo, em vários países”, referiu José Pinheiro, country manager da Ocean Winds durante a conferência da APREN, argumentando que o importante é “haver uma alocação clara de responsabilidades”. Opinião partilhada também por Benoît Gilbert da dinamarquesa Vestas, maior fabricante mundial de turbinas eólicas, que defende que a planificação dos projetos é um passo fundamental na concretização, pois “permite-nos ver qual é a melhor solução para aquele parque, naquele país”, sendo, por isso, “muito difícil falar de forma geral”.

Já a Orsted rejeita alocar a responsabilidade de ligar os parques eólicos sobre o mar à rede em terra ao operador, por considerar que “demora muito mais tempo” e “não fomenta a competitividade”. A título de exemplo, Marianne Beck Hassl aponta o novo modelo descentralizado na Dinamarca e como agora são os próprios promotores dos projetos renováveis que investem na expansão da rede.

Apesar de não ser claro qual dos modelos é mais eficaz, existem exemplos na Europa que podem ser replicados em Portugal, defende Lizet Ramirez, analista da Wind Europe, associação sediada em Bruxelas e que promove o uso da energia eólica na Europa. Um deles está nos Países Baixos, onde a ambição é instalar, até 2030, 22 GW de energia eólica offshore e onde, além de a estrutura ser também ela descentralizada, existem prazos concretos para as várias fases de implementação do projeto e uma monitorização e acompanhamento contínuo entre os vários players.

“É importante que haja transparência e envolvimento de todos os interessados”, defendeu a responsável durante a conferência da APREN. Certo é que, desde a abertura do leilão até à inauguração da primeira plataforma de turbinas eólicas sobre o mar, poderão passar-se quase 10 anos. Segundo Ramirez, só a Bélgica bate esse período, ao ter uma janela de quatro anos desde o planeamento, licenciamento, financiamento até à instalação.

“Temos alguns anos pela frente, e por isso é importante definir as prioridades e identificar as dificuldades para não haver surpresas a meio do caminho”, sublinha António Sarmento.

Este artigo integra a segunda edição do anuário do Capital Verde, Yearbook, que será publicada no primeiro semestre de 2023.

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