Comunicação

Comunicação de crise: A vitimização como estratégia?

Carla Borges Ferreira,

António Cunha Vaz, João Tocha, Luís Paixão Martins, Maria Domingas Carvalhosa e Vítor Cunha avaliam a comunicação de António Costa e os protagonistas da semana.

Na última terça-feira, por volta das 14 horas, grande parte do país terá estado colado a um ecrã para assistir, em direto, às declarações de António Costa, o desde então primeiro-ministro demissionário. A semana parecia ter começado como todas as outras. O espaço mediático era ocupado com a guerra em Gaza, o novembro negro nas urgências ou as discussões do Orçamento de Estado. E eis que terça-feira os portugueses acordaram com o início daquela que se veio a chamar Operação Influencer, com os acontecimentos, e as suas consequências, a sucederem-se a um ritmo quase frenético nestes últimos dias.

Com o país mergulhado numa crise política, eleições marcadas para 10 de março e novos candidatos à liderança do PS, se as eleições fossem este domingo, o partido agora disputado por Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro perdia a maioria absoluta. Mantinha-se, no entanto, à frente nas intenções de voto, de acordo com a sondagem realizada pela Aximage para a TVI e CNN Portugal. Como dizia nos ecrãs da CNN o consultor Luís Paixão Martins, responsável pela última campanha de António Costa, estamos perante um empate técnico.

Quando observei o anúncio público da instalação do data center realizado pelo primeiro-ministro a leitura da sua linguagem corporal e da oralidade fizeram-me comentar que ele não estava muito firme naquele anúncio.

João Tocha

CEO da F5C

A crise, do ponto de vista da comunicação, está a ser bem gerida? A opinião não é unânime entre os especialistas ouvidos pelo +M e que aceitaram comentar o tema. “António Costa esteve muito bem quando apresentou a sua demissão, perante a nota do gabinete de imprensa da PGR. Depois, fez uma segunda intervenção que teve aspetos positivos, quando esclarece a importância de projetos de investimento pelos quais se bateu para que se concretizassem em Portugal. Já no que se refere às declarações sobre Lacerda Machado, foi um momento de emoção e de nervosismo que não deveria ter sucedido. Quanto aos dois visados que lhe eram próximos deveria ter aplicado a presunção de inocência dos mesmos e aguardado por mais informações”, começa por comentar João Tocha, fundador e CEO da F5C.

O especialista em comunicação política aponta como “falha grave” de António Costa a não exoneração e retirada de confiança ao ministro João Galamba, “que há muito se tornou um fator de turbulência e de problemas para o executivo”.

“Quando observei o anúncio público da instalação do data center realizado pelo primeiro-ministro a leitura da sua linguagem corporal e da oralidade fizeram-me comentar que ele não estava muito firme naquele anúncio”, recorda João Tocha.

António Cunha Vaz, CEO da agora H/Advisors CV&A, avalia a estratégia do ainda primeiro-ministro como acertada – “dentro do possível” – e o resultado como mau – “como tinha que ser”.

“A estratégia foi a possível. Era difícil ser diferente. Com a contínua publicitação de investigações em curso – que às vezes prejudicam e outras beneficiam os possíveis prevaricadores – só se pode reagir”, comenta o fundador da CV&A. “Muito fez o primeiro-ministro na contenção de danos”, com “as surpresas a que tem sido sujeito, no que à atuação dos membros do Governo – lato senso”, diz.

Por outro lado, António Cunha Vaz acredita que habitual boa comunicação de António Costa “fê-lo beneficiar da indulgência dos jornalistas”. “Nenhum o questionou sobre se era mesmo apenas por causa do último parágrafo do comunicado da PGR que se demitia”, concretiza. “Daqui por diante o PM demonstrou que é mestre”. E terá tido “ajudas”: “o dinheiro encontrado, a má imagem pública de Galamba e Escária, a crucificação sem nexo de Diogo Lacerda Machado porque é seu amigo e não por possivelmente ter feito algo menos próprio – recorde-se que a acusação de corrupção caiu -, enfim…”

Maria Domingas Carvalhosa, CEO da Wisdom, diz que nesta última semana, a comunicação do Governo se baseou essencialmente, e de uma forma institucional, nas intervenções do primeiro-ministro. A responsável aponta ainda algumas intervenções do agora ex-ministro, João Galamba, nomeadamente na audição parlamentar conjunta entre a Comissão de Orçamento e Finanças e a Comissão de Economia Obras Públicas, Planeamento e Habitação no âmbito da apreciação do OE para 2024, mas, em síntese, “o Governo não se ouviu“.

Os dois momentos de comunicação do governo tiveram um impacto invulgar apenas explicável pelo alarme social provocado pelas fugas de informação do Ministério Público”, começa por comentar Luís Paixão Martins. A segunda dessas comunicações, no sábado, foi acompanhada por cerca de 3 milhões de cidadãos durante perto de uma hora, contextualiza. “Foi um contraponto importante face à narrativa generalizada da bolha mediática e contribuiu para que se compreendesse melhor a decisão do primeiro juiz chamado a intervir no caso Influencer”, diz o consultor.

Era importante que se compreendesse que atrair o investimento estrangeiro e facilitar a vida às iniciativas empresariais é uma prioridade do atual governo e que, devendo ser investigados e julgados eventuais atos ilegais, não se pode confundir a nuvem por juno”, conclui Luís Paixão Martins.

Com esta intervenção o PM construiu toda a sua narrativa e criou o posicionamento que pretendia: o de vítima, perseguido por acusações que desconhecia e que, face à sua seriedade, obviamente, não deixaria que o país mantivesse um PM sobre o qual pairava uma sombra criminal.

Maria Domingas Carvalhosa

CEO da Wisdom

Relativamente à comunicação de António Costa, Maria Domingas Carvalhosa considera “que a sua estratégia foi muito bem delineada, quer em termos de escolha de timings, de tom e de mensagem”.

Com esta intervenção o primeiro-ministro construiu toda a sua narrativa e criou o posicionamento que pretendia: o de vítima, perseguido por acusações que desconhecia e que, face à sua seriedade, obviamente, não deixaria que o país mantivesse um primeiro-ministro sobre o qual pairava uma sombra criminal. Embora não se saiba qual é”, concretiza Maria Domingas Carvalhosa.

Já Vítor Cunha, administrador da JLM&Associados, lembra que “não há boa comunicação de mau produto, nem há bom produto apenas pela boa comunicação”. “Pode-se tentar desafiar a sorte e o destino, mas não se pode escapar ao destino“, diz o especialista em comunicação, citando Jorge de Sena: “Esta cabeça evanescente resistiu: nem deusa nem mulher, apenas ciência de que nada nos livra de nós mesmos.” (Cabecinha romana de Milreu)

A habitual boa comunicação de António Costa “fê-lo beneficiar da indulgência dos jornalistas” “Daqui por diante o PM demonstrou que é mestre”. E terá tido “ajudas”: “o dinheiro encontrado, a má imagem pública de Galamba e Escária, a crucificação sem nexo de Diogo Lacerda Machado porque é seu amigo e não por possivelmente ter feito algo menos próprio – recorde-se que a acusação de corrupção caiu -, enfim…

António Cunha Vaz

CEO da H/Advisors CV&A

Vítor Cunha aponta como ponto mais negativo desta semana a conferência de imprensa de sábado, que correu mal, “apesar de o primeiro-ministro ter razão quando defende a necessidade de permanente ponderação de interesses e valores na decisão pública”. “Estranho“, prossegue, é o primeiro-ministro ter tirado ilações em relação à sua legitimidade, mas não as ter estendido ao ministro Galamba. “Erro de perceção mútua? Estranha esta obsessão pelo jovem guerreiro“, comenta o administrador da JLM&A.

O maior erro de estratégia, para António Cunha Vaz, foi “apresentar-se ao Presidente da República um nome para primeiro-ministro interino que não o poderia ser – isto se se pensasse que não seriam convocadas eleições”, o que terá sido feito para “não interferir nas eleições internas do partido”

O ponto “ligeiramente positivo“, mas “a contar com a comunicação social a reagir a quente e sem tempo para preparar perguntas”, foi “a conferência a expressar a desilusão com o chefe de gabinete e a trazer a família à liça. Arrependimento, vergonha alheia e agradecimento”, enumera António Cunha Vaz.

Considerado “mau” é o que Vítor Cunha apelida de “manipulação do caso Mário Centeno”, que “parece um desespero e a insistência um disparate que enfraquece o governador e destapa mentiras”. Mas há pior, o “muito mau”: “O momento de maior infelicidade não foi o de em tempos ter reconhecido um amigo, mas agora não ter amigos”.

Como positivo, em termos de comunicação, Vítor Cunha nomeia o pedido de desculpas. “Já se percebeu que um pedido de desculpas gera sempre compreensão e emoção: transforma o intocável em humano, o senhor em servo, aproxima-o do povo errante”, enfatiza.

Já se percebeu que um pedido de desculpas gera sempre compreensão e emoção: transforma o intocável em humano, o senhor em servo, aproxima-o do povo errante.

Vítor Cunha

Administrador da JLM&Associados

Maria Domingas Carvalhosa destaca outros pontos e momentos. Como maior erro, e é de comunicação que falamos, a responsável aponta o facto de António Costa, na intervenção de sábado, ter escolhido o Palácio de S. Bento. “Não se pode fazer uma comunicação ao país com aquele conteúdo e forma: as palavras não eram para aquele momento, muito menos para aquele local. Dito isto, podia e devia ter passado aquela mensagem, noutro cenário, aos jornalistas”.

Tão ou mais grave, a atuação da Procuradoria-Geral da República. “Não se pode falar em erros de comunicação sem falar da comunicação da PGR. O país está ‘de pantanas’ e merece que a Justiça esclareça, dentro dos limites legais, o que está em jogo”, aponta a fundadora da Wisdom.

Em sentido oposto, os pontos mais positivos da comunicação de António Costa foram “o controlo da narrativa e a criação da perceção do respeito institucional pela sua função”, considera.

Com a crise política instalada, e uma escalada para a judicial e económica com contornos imprevisíveis, João Tocha acredita que os próximos passos de António Costa serão “uma tentativa para voltar a mostrar que é um político consistente”. O CEO da F5C antecipa que o ainda primeiro-ministro tentará mostrar “que foi apanhado numa teia de agendas político mediáticas de terceiros e que quis garantir um governo de maioria até ao fim do mandato, com uma personalidade tecnicamente conceituada como primeiro-ministro”.

Nas vésperas do alarme social da Operação Influencer jantei com o Dr. Rui Rio e, na oportunidade, o antigo presidente do PSD contou-me da mágoa com que tinha ficado de não ter conseguido reformar o sistema de justiça. É uma ironia evocar-se que tal não foi possível porque António Costa quis manter a autonomia do Ministério Público.

Luís Paixão Martins

Consultor de comunicação

Não sabemos se vai sair mais alguma coisa, qual a próxima escuta a ser divulgada, se a PGR vai falar. Tudo isso terá influência nas decisões a tomar“, admite Maria Domingas Carvalhosa, na opinião de quem é difícil tentar antever os próximos passos.

Vítor Cunha é mais contundente, não é possível tentar antecipar, em termos de comunicação, os movimentos do Governo e em especial do ainda primeiro-ministro. “A previsibilidade é um luxo a que apenas bruxos, astrólogos e comentadores podem aspirar”, comenta com ironia.

No ‘filme’ desta desta última semana, na opinião de João Tocha, a melhor e a pior nota são dadas a António Costa. “Porque foi digno na sua demissão, a melhor nota. Porque não demitiu Galamba, a pior nota”, classifica.

Maria Domingas Carvalhosa atribui, “por razões óbvias”, a melhor nota a António Costa e a pior a João Galamba.

Vítor Cunha retira da equação o ex-ministro e acrescenta os candidatos à liderança do PS e o governador do Banco de Portugal. “António Costa pareceu algo desorientado, José Luís Carneiro trouxe uma nova autenticidade e Pedro Nuno Santos é um poço de energia“. Quanto a Mário Centeno, é “um caso de estudo e pesquisa”, com as declarações ao FT ainda por explicar.

António Cunha Vaz também classifica Mário Centeno, ex-aequo, com o Ministério público, com a pior nota da semana. A melhor vai para Marcelo Rebelo de Sousa, “ao desmentir Mário Centeno”.

Luís Paixão Martins não avalia os protagonistas da semana, mas deixa uma última nota de cariz pessoal: “Impressiona-me que haja acusados do crime de oferta de vantagem indevida pessoas que pagaram um par de refeições partilhadas com membros do governo. Para mim, trata-se da infeliz demonstração do irrealismo em que vive o sistema de justiça”.

“Nas vésperas do alarme social da Operação Influencer jantei com o Dr. Rui Rio e, na oportunidade, o antigo presidente do PSD contou-me da mágoa com que tinha ficado de não ter conseguido reformar o sistema de justiça. É uma ironia evocar-se que tal não foi possível porque António Costa quis manter a autonomia do Ministério Público”, conclui o consultor de comunicação, até “recentemente” contratado pelo PS.

 

(artigo atualizado às 10h30 com declarações de António Cunha Vaz e Luís Paixão Martins)

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