COP29 em Baku, o legado e o caminho até Belém

  • João Maria Botelho
  • 28 Novembro 2024

A COP29 abriu novas perspetivas para a ação climática global, ao consolidar compromissos financeiros, redefinir os mercados de carbono e promover iniciativas inovadoras na transição energética.

A 29.ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (“UNFCCC”), realizada em Baku, representou um marco na governance climática global. Entre os principais resultados, destaca-se o acordo para triplicar o financiamento climático para países em desenvolvimento, elevando-o para 300 mil milhões de dólares anuais até 2035, conforme estabelecido na Nova Meta Quantificada Coletiva. Adicionalmente, foi aprovado um conjunto de regras para os mercados de carbono, conforme o Artigo 6.º do Acordo de Paris, visando facilitar a comercialização de créditos de carbono entre países. Outro destaque foi a operacionalização do fundo de perdas e danos, com início previsto para 2025.

Estas iniciativas não só abordam os desafios urgentes das alterações climáticas, mas também criam oportunidades para o setor privado, governos e comunidades, sublinhando a importância da colaboração integrada. A atenção agora concentra-se na COP30, agendada para novembro de 2025 em Belém, Brasil, onde se espera uma consolidação dos compromissos assumidos e transformar as metas discutidas em ações concretas.

Vejamos as medidas chave desta COP29

1. Nova Meta Quantificada Coletiva (NCQG): Um Marco no Financiamento Climático

Na COP29, as nações formalizaram o Novo Objetivo Coletivo Quantificado para o Financiamento do Clima (“NCQG”), estabelecendo um objetivo central de 300 mil milhões de dólares anuais até 2035, juntamente com a ambição de mobilizar 1,3 biliões de dólares de todas as fontes, incluindo financiamento público e privado. Este objetivo substitui o compromisso de 100 mil milhões de dólares por ano estabelecido em Copenhaga, com um enfoque mais amplo no aumento dos fluxos financeiros globais para apoiar a ação climática. O NCQG introduz um quadro mais abrangente que integra o financiamento dos governos, dos bancos multilaterais de desenvolvimento e dos investimentos do setor privado. Incentiva contribuições voluntárias de países em desenvolvimento com capacidade financeira significativa.

O NCQG sublinha o papel crescente do capital privado no financiamento do clima, apresentando oportunidades para empresas e investidores em setores como as energias renováveis, as infraestruturas sustentáveis e as tecnologias verdes, enquanto realça a importância das parcerias público-privadas e dos modelos de financiamento escaláveis.

2. Mercados de Carbono: Operacionalização do Artigo 6º

O reforço do Artigo 6.º do Acordo de Paris, consolidado na COP29, define um novo quadro regulatório robusto para o mercado global de carbono. Cria oportunidades para países e investidores em soluções climáticas de alta integridade. Foram aprovadas regras que operacionalizam tanto o sistema de cooperação bilateral entre países (Artigo 6.2) como o Mecanismo de Creditação do Acordo de Paris (Artigo 6.4), assegurando que os créditos de carbono gerados reflitam reduções reais e adicionais de emissões. As disposições incluem ferramentas para desenvolvimento sustentável, verificações de adicionalidade e ajustes de linhas de base, visando corrigir falhas históricas e fortalecer a confiança de investidores no sistema. O Mecanismo de Creditação centraliza a integração de projetos como reflorestamento e remoções de carbono, desde que cumpram critérios rigorosos.

Já o Artigo 6.2 estabelece uma estrutura para acordos bilaterais, reforçando a governance e a transparência das transações, promovendo créditos alinhados aos objetivos climáticos globais e criando um mercado de carbono mais confiável e eficaz.

3. Transição Energética

A COP29 reafirmou a transição energética como um pilar estratégico para alcançar as metas climáticas globais, com destaque para iniciativas que impulsionam tecnologias de baixo carbono. Em primeiro lugar, o Compromisso Global para Armazenamento de Energia e Redes, prevê atingir 1.500 GW de capacidade de armazenamento energético até 2030, um aumento seis vezes superior em relação a 2022, acompanhado da construção ou modernização de 25 milhões de quilómetros de redes elétricas, fundamentais para integrar fontes renováveis e garantir a estabilidade do fornecimento.

Já a Declaração do Hidrogénio, foca-se na ampliação da produção de hidrogénio verde, com o objetivo de substituir as 96 milhões de toneladas de hidrogénio fóssil atualmente produzidas, posicionando este recurso como um vetor essencial na transição energética. Por último, o Compromisso de Corredores e Zonas de Energia Verde aborda a necessidade de infraestruturas robustas e eficazes para a transmissão de eletricidade limpa, conectando áreas de geração renovável aos centros de consumo.

Em suma, estas iniciativas, visam não só descarbonizar os sistemas energéticos, como também promover a justiça climática e facilitar o acesso global a tecnologias limpas, estabelecendo bases sólidas para uma transição energética eficiente e sustentável.

4. Fundo de Perdas e Danos

A COP29 reforçou a centralidade das perdas e danos no debate climático, destacando os desafios de governance e financiamento para apoiar nações mais vulneráveis. Desde o lançamento do fundo de perdas e danos na COP28, o progresso na sua operacionalização tem sido limitado, com o ritmo e a escala ainda aquém das necessidades reais. As negociações sobre a NCQG expuseram divergências: enquanto alguns países defenderam perdas e danos como sub-objetivo prioritário, outros resistiram devido a preocupações financeiras. A formalização do fundo avançou com a assinatura de documentos operacionais e implementação prevista para 2025, acumulando $759 milhões, com contribuições como a da Suécia. Contudo, António Guterres alertou, num comunicado oficial, que a capitalização inicial está longe de responder aos desafios enfrentados por comunidades afetadas.

Oportunidades de mercado para um crescimento económico “baixo em carbono”

A operacionalização do Artigo 6.º, estabelece agora um mercado global de carbono mais robusto e previsível, permitindo às empresas “germinar” créditos de carbono de alta integridade. Projetos como reflorestamento, restauração de ecossistemas e tecnologias de captura, utilização e armazenamento de carbono (“CCUS”) criam oportunidades de diversificação de portfólios e atração de capital climático, fortalecendo o alinhamento com os critérios ESG e posicionando empresas como líderes na descarbonização.

No âmbito da transição energética, os novos compromissos impulsionam a modernização de infraestruturas e o desenvolvimento de tecnologias de baixo carbono. O hidrogénio verde, agora consolidado como um vetor estratégico, apresenta um mercado emergente avaliado em centenas de mil milhões de dólares, com aplicação nos setores de transporte, indústria pesada e armazenamento energético. Estas iniciativas criam um ambiente propício ao crescimento em setores como energia renovável, mobilidade limpa e armazenamento energético, posicionando as empresas como líderes na transição energética global.

Lições da COP29 e Próximos Passos para a Ação Climática

A COP29 abriu novas perspetivas para a ação climática global, ao consolidar compromissos financeiros, redefinir os mercados de carbono e promover iniciativas inovadoras na transição energética. Contudo, o sucesso destes avanços dependerá de uma implementação consistente e colaborativa. A COP30, em Belém, será o teste decisivo para transformar as aspirações de Baku em resultados concretos, equilibrando a urgência da justiça climática com a ambição necessária para alcançar metas globais sustentáveis.

  • João Maria Botelho
  • Global Shaper no WEF, Jurista

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