Porfirio, o Rubirosa

"O último playboy", título da biografia de Shawn Levy, retrata Porfirio, o Rubirosa, o casanova dominicano que (também) passou por Portugal.

Não é ao acaso que o nome de Porfirio Rubirosa aparece nas fascinantes memórias de Ruben A., “O Mundo à Minha Procura”, quando o escritor conta as aventuras e desventuras da sua juventude. De facto, Porfirio “marcou uma época”, como diz o lugar-comum. Além de povoar colunas de mexericos, não consta que tenha feito nada de relevante na vida; ou, melhor dizendo, ficará imortalizado para a posterioridade como galã irresistível, “o último playboy”, título da biografia que Shawn Levy lhe dedica: “The Last Playboy – The high life of Porfirio Rubirosa” (Londres, Fourth Estate, 2005).

Existem dezenas de biografias de Rubirosa, algumas até mais recentes, mas o livro de Shawn Levy, como também diz o lugar-comum, lê-se num fôlego – ou melhor num trago. Um trago de Pega Palo. “A bebida que o torna fértil”, assim o anunciava a revista Confidential em 1957, publicitando esta espécie de Viagra das Caraíbas, licor produzido e comercializado na República Dominicana e que servia, em simultâneo, como afrodisíaco e como estimulante da potência sexual.

Cedo se propagou que à ingestão diária daquela bebida milagrosa devia Porfirio, o Rubirosa, os seus dotes extraordinários, piramidais, que o tornaram uma lenda da sedução. Porém, a venda de Pega Palo nada tinha a ver com Porfirio, sendo este talvez o único negócio a que o célebre latin lover viu associado o seu nome sem tirar o devido proveito.

Porfirio queixou-se ao ministro da Saúde do seu país natal, a República Dominicana, tendo como resposta que ninguém naquela terra poderia fazer um negócio de tais proporções – com vendas de um milhão de dólares ano – sem que o presidente Trujillo soubesse, e, claro, reclamasse a sua quota-parte. Receando enfrentar o sanguinário ditador (e seu ex-sogro), Rubirosa recuou na demanda, regressando a França. Umas semanas mais tarde, recebia no seu palacete parisiense, à laia de compensação, uma caixa com uma dúzia de garrafas de Pega Palo… Certamente, não precisou delas.

Porfirio Rubirosa Ariza, nascido em San Francisco de Macorís, República Dominicana, em 22 de Janeiro de 1909, e morto num aparatoso acidente de viação, quando conduzia um Ferrari a alta velocidade no Bois de Boulogne, na madrugada de 5 de Julho de 1965, ficou célebre pela dimensão inusitada do seu órgão sexual. “Um rubirosa”, assim chamavam os empregados dos restaurantes de luxo – e não só – aos maiores moinhos de pimenta, tamanho king size. A isso aliava Porfirio um irresistível charme, a graça felina embrulhada em fatos dos melhores alfaiates de Paris ou Nova Iorque, dinheiro gasto a rodos em restaurantes, clubes nocturnos e casinos entre a Riviera e Palm Springs, além da paciente insistência que é apanágio dos grandes sedutores.

Entre famosas e desconhecidas, é incontável o número das mulheres que conquistou. Entre elas, diz-se nesta biografia, a fadista Amália Rodrigues, não sendo este o único, nem sequer o mais relevante, ponto de contacto entre o casanova dominicano e o nosso país. Em Portugal passou Porfirio Rubirosa uma lua-de-mel, entre tantas. Casara em primeiras núpcias com Flor de Oro Trujillo, filha do presidente do seu país, facto que lhe abriu as portas a uma carreira diplomática onde nunca fez literalmente nada, além de negócios escuros e de alto risco, bem como infindáveis orgias, as desbragadas parrandas.

Divorciado de Flor de Oro, casaria em 1942 com a actriz francesa Danielle Darrieux, com quem veio a Portugal passar a lua-de-mel, como atrás se disse. Muito mais famosa do que o marido, os lisboetas dos anos 40 cantavam A Marselhesa à sua passagem, saudando-a na rua, nas touradas, nos cafés.

Em 1956, outro português, o duque de Cadaval, assistirá em Sonchamp, nos arredores de Paris, a (mais) um casamento de Rubirosa, desta feita com a actriz francesa Odile Rodin, vinte e três anos mais nova do que ele. À cerimónia assistiram, além do duque de Cadaval, o príncipe Ali Khan, o conde Guy d’Arcanges, o armador Armand Boyer, prova provada de que Porfirio Rubirosa, oriundo de uma família de classe média de um país longínquo, tinha subido bem alto na vida, frequentando agora, de igual para igual, aquilo que o colunista de mexericos – e seu amigo – Igor Cassini chamou “jet set”, expressão que se mantém em uso, ainda que porventura sem o glamour de outros tempos.

Terá sido frívola e oca, a vida tumultuosa do playboy dominicano? Por vezes, quando lemos as biografias destes don juans de opereta, como acontece com as memórias doutro sedutor famoso, o brasileiro Jorge Guinle (“Um Século de Boa Vida”, 1997), ficamos com a sensação de vazio completo.

Há episódios interessantes, decerto, como aquele em que Rubirosa não hesitou em esmurrar um oficial nazi na Paris ocupada pelos alemães. Ou as movimentações em que participou, com subtileza e enorme discrição, a partir do momento em que, escaldados pelo que sucedera com a Cuba de Fulgêncio Baptista e com o desastre da Baía dos Porcos, os americanos deixaram de apoiar a tirania corrupta de Trujillo. Devendo a Trujillo o seu lançamento na alta-roda internacional, Rubirosa nunca denunciou as torturas bárbaras perpetradas pela polícia política dominicana nem questionou a ditadura instalada sobre milhares de cadáveres. Mas, do mesmo passo, jamais negou hospitalidade aos opositores ao regime do seu ex-sogro, enquanto apoiava uma solução para o seu país junto de um novo amigo que fizera entretanto e que com ele partilhava inconfessáveis afinidades electivas: o presidente John Fitzgerald Kennedy.

“É uma pena que tenha lido tão poucos livros”, disse a amiga de uma das suas infindáveis conquistas. Porfirio, que se gabava de ter um conhecimento enciclopédico da vida e feitos de Napoleão Bonaparte, ficou furioso com aquela apreciação. Mas foi ele que, em muitas ocasiões, assumiu preferir os jogos de pólo e as corridas de automóveis a ficar em casa, lendo livros ou ouvindo música. Foi esse, aliás, o motivo que invocou para se separar da multimilionária Barbara Hutton, um lucrativo casamento desfeito ao fim de poucos meses, como prognosticara a sua arqui-rival, Zsa Zsa Gabor.

Por fim, o lado sombrio: Porfirio, o conquistador, o sobredotado sexual a quem chamavam Toujours Prêt, enfurecia-se com frequência, bebia em excesso, batia nas mulheres. Agrediu Flor de Oro, esbofeteou Zsa Zsa Gabor, deixando-a com um olho negro. A actriz, despeitada, exibiu as marcas da violência em sucessivas conferências de imprensa, sem que tal despertasse grande atenção por parte das autoridades ou suscitasse a repulsa da opinião pública. Rubirosa será, até nisso, um sexo-símbolo politicamente incorrecto de um tempo em que imperava o machismo e o culto da virilidade boçal.

Alguns, mais saudosistas, julgam ter sido um pretérito perfeito, com festas alegres, mulheres sublimes, intangíveis, e cavalheiros de gostos clássicos. Não, não foi.

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